Deuteronômio 8.1-20 - Obrigado, Senhor - Dia de Graças (pela colheita - e por tudo)

Prédica

05/08/1979

DIA DE GRAÇAS (pela colheita — e por tudo)
OBRIGADO, SENHOR
Deuteronômio 8.1-20 (Leitura: Salmo 65, especialmente v. 9,13)


O Antigo Testamento não é um livro fácil de entender. Há passagens que parecem tão distantes de nós que temos dificuldades em descobrir a mensagem que contêm para nós. Há histórias de guerras, de violências, de injustiças e há as ameaças dos profetas, que anunciam o juízo de Deus, com palavras duras e implacáveis. Muitas vezes, eles não parecem deixar nenhuma porta aberta para a graça e o perdão de Deus. Mas, de repente, de forma realmente surpreendente, a graça e o amor de Deus vão sendo anunciados de forma tão clara e luminosa que a gente sente que tem evangelho no Antigo Testamento, Os antigos diziam com muita razão: «No Antigo Testamento se esconde o Novo Testamento. No Novo Testamento, se revela o Antigo.» 

No capitulo 8 de Deuteronômio, sobre o qual queremos meditar hoje, este problema também está presente. A situação do povo de Israel é diferente da nossa situação, é diferente da situação da igreja cristã, aqui no Brasil, hoje. Nós não fomos libertados da casa de servidão do Egito. Não fomos guiados pelo deserto onde havia serpentes abrasadoras e escorpiões, por quarenta anos. Não fomos alimentados com o maná, o pão milagroso dado pelo céu. Não fomos enviados para a terra da promissão, para possuí-la, de acordo com a promessa de Deus, feita a nossos pais. Nossos antepassados vieram ao Brasil pelos mais diferentes motivos, sem uma promissão especial referente a esta terra coberta de matos e de campos, terra conquistada aos índios, de forma violenta. Eles vieram simplesmente com o fim de ter terra para trabalhar, de ter espaço para si e para seus filhos e netos. É verdade — tudo isto não se deu sem Deus. Deus estava presente, quando eles vieram, quando entraram nos matos, nos campos, nas serras. Era, muitas vezes, um Deus desconhecido, mas era Deus, Um Deus que tinha voz: Havia pastores, pregadores, cristãos leigos. O povo cristão — e também a nossa igreja — teve a sua história com seu Senhor, aqui neste país. Será que nossa situação nos permite entender a mensagem dirigida a Israel, que ouvimos há pouco, como sendo mensagem dirigida a nós? 

Você talvez dirá: Permite, se a gente faz alguns descontos. Vamos concordar, se «descontos» se refere a acontecimentos históricos. Aí teremos que descontar muita coisa. Não vamos concordar, se «descontos» é para significar qualquer corte na mensagem, na intenção da palavra de Deus que se revela em nosso capítulo. Aí não vamos descontar nada, Porque a mensagem de Deus, também a que se «esconde» no Antigo Testamento, não permite descontos. Ela precisa ser revelada e explicada, sim precisa ser entendida à luz do evangelho de Cristo. Mas é o mesmo Deus que fala, cuja vontade de salvar os homens, de os levar ao seu verdadeiro alvo, não mudou nem mudará. 

Então, vamos colocar esta palavra de Deus, dita a Israel há milhares de anos, em nosso tempo e em nosso meio. Vamos colher o maná celestial que Deus nos manda hoje, entendendo que não só de pão vive o homem, mas de tudo o que procede da boca de Deus. Nós só poderemos dar algumas indicações, de como recolher o maná. A colheita, você mesmo a deverá fazer. 

A indicação principal encontramos em dois versículos 11 e 18: «Guarda-te, não te esqueças do Senhor teu Deus! Não digas, pois, no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas riquezas. Antes, te lembrarás do Senhor teu Deus, porque é ele que te dará forças para adquirires riquezas; para confirmar a aliança que, sob juramento, prometeu a teus pais, como hoje se vê.» 

Hoje, no dia em que, de forma bem especial, damos graças a Deus por suas boas dádivas, vamos lembrar-nos do pão que temos recebido, pão, no sentido bem amplo, como faz nossa passagem bíblica. Quero dizer este «obrigado» a Deus de modo semelhante, enumerando as coisas boas que ele nos deu: Ele nos deu uma boa terra, grande e generosa, terra de planícies e de montanhas, terra de rios, de ribeiros e de mananciais. Esta terra, lavrada e plantada por nós, nunca nos negou pão, o pão do homem simples: o milho, a mandioca — o aipim; a batata doce, o feijão, o arroz. Não negou também o pão do homem da cidade: o trigo e o centeio. E, se o trigo não bastou, deu o café para comprar trigo. Não negou carne, ovos, leite. Deu soja, deu batatinhas, cebola, abóbora, tomate; deu hortaliças sem contar; deu laranjas, bananas, mamãos, uvas, pêssegos, peras e maçãs. Deu até coisas «supérfluas», mas tão magníficas, como rosas, cravos e orquídeas. Por via de regra, quem queria plantar, mesmo que fosse no regime duro do terço, quem estava disposto a trabalhar, ele ia colhendo o seu pão, do solo bom desta terra que Deus nos deu. Apesar de secas, de enchentes, de chuvas de pedra e de tempestades. Obrigado, Senhor. Tu nos alimentaste nesta terra. Não nos deixaste famintos. Perdoa as nossas lamentações. Não foi o nosso braço, que o fez. Foste tu, que nos deste força, que abençoaste o nosso trabalho. 

E Deus deu minérios, deu ferro, cobre, alumínio, carvão e petróleo. Deu-nos a capacidade de construir fábricas, de produzir tecidos, material de construção, sapatos, máquinas, tratores, geladeiras, automóveis, aviões, rádios, televisores coisas úteis e também coisas desnecessárias, mas que de algum modo tornam a vida mais agradável. Deu até liberdade de produzir coisas nocivas e erradas: «Provou-nos para saber o que estava em nossos corações.» Fez muitos de nós passar por crises. Fez muitos chegar a becos sem saída. Mas marcou presença em nossa vida. Ninguém de nós poderá dizer: Deus não me deu nenhuma chance. Deus se esqueceu de mim. Então — se Deus nos lembra para não nos esquecermos dele, não é nada demais. Obrigado, Senhor, por tudo! 

E agora, depois de termos pregado contra o espírito de lamentação, convidando os ouvintes para dizerem «obrigado» por tudo que Deus deu, precisamos falar de um assunto que talvez não agrade tanto. Mas já que prometemos não fazer descontos na palavra de Deus, vamos manter a promessa. Precisamos entender que na história de Israel, quando a nossa passagem bíblica, atribuída a Moisés, foi usada como pregação, havia muitas pessoas abastadas e ricas, que tinham esquecido o passado humilde de seu povo. Pessoas que não sabiam mais como se sente o pobre. Pessoas que não só se tinham esquecido de Deus, mas também de seus mandamentos, que mandavam respeitar o próximo, de tratá-lo como gente, como criatura de Deus. Naquela situação, o nosso texto, na boca dos profetas, foi fogo mesmo --- e já que hoje vivemos numa situação bem semelhante, ele também é fogo para nós. Fogo da parte de Deus. 

«Para não suceder que, depois de teres comido e bebido e estiveres farto, depois de haveres plantado boas terras e morado nelas, depois de se multiplicarem os teus rebanhos e se aumentar a tua prata e teu ouro, e ser abundante tudo, quanto tens, se eleve o teu coração e te esqueças do Senhor teu Deus (que te fez todos estes benefícios).» — Precisamos entender: Em Israel se pregou este texto, em um tempo que era marcado pelos mesmos males que o nosso; Já havia uma sociedade de consumo — saciada (ao menos em parte — saciada e até supersaciada), sociedade que se esquecia de Deus; e quem se esquece de Deus, ele automaticamente se esquece dos filhos necessitados, pobres e famintos de Deus. Então o homem abastado, o homem rico, que acumulou prata e ouro — corre um perigo mortal: Ele corre o perigo de, embalado por sua vida de riqueza e abundância, elevar o seu coração e se esquecer de Deus. É incrível: Deus dá. Deus deixa crescer, dá força, abençoa — o homem recebe, colhe, come, bebe, faz casa, compra poltrona, televisor, carro e até casa de praia e depois seu coração se eleva e ele se esquece de Deus, É uma coisa que nos faz tremer por dentro, porque nós, que estamos ouvindo esta mensagem, corremos o mesmo perigo: Enquanto fomos pobres, quando tínhamos que lutar por nosso pão, aí nos lembramos de Deus. Depois de ficar saciados, a novela de televisão se tornou mais importante que o culto, o carro se tornou mais importante que o evangelho de Jesus. Nosso bem-estar material, nossa posição social se tornou nosso deus real, O Deus da justiça e da verdade ficou sobrando. — E nosso vizinho doente? Nosso empregado que se precisa virar com o salário mínimo? Pois é — o problema é deles. Nós temos os nossos problemas próprios. Nosso tempo está tomado.

Nosso texto nos diz, de forma dura e implacável: «Se assim fizeres, se esqueceres do Senhor e andares após outros deuses, protesto hoje contra vós outros que perecereis.» É um protesto para valer. Este pregador é um protestante dos autênticos! 

Dissemos há pouco que não podíamos fazer descontos na palavra de Deus. Vamos cumprir a promessa também neste ponto. É palavra de Deus, sem descontos nem acréscimos: Quem vive saciado, quem tem mais do que o necessário, quem vive na abundância ele corre perigo de vida. Corre perigo de se esquecer de Deus e dos que levam a sua imagem, dos seus irmãos humanos. Ele corre perigo de perder a fé e o amor. Corre perigo de perder Deus e os irmãos. 

Por que dizer estas coisas logo hoje, ao nos lembrarmos das boas dádivas de Deus, neste dia de graças? -- Antes de tudo, porque a palavra de Deus o diz. E nós não queremos torcer a palavra de Deus. E o dizemos na certeza de que Deus, quando fala conosco de forma dura, ele o faz por amor. Ele sabe que o homem não vive de verdade, quando faz das riquezas seu deus, quando o dinheiro manda nele. 

E agora precisamos fazer uma correção. No começo dissemos que nossa história é diferente da de Israel. Que nós não fomos libertados do Egito, que não passamos privação no deserto, que não fomos alimentados pelo maná celestial. É verdade entendido ao pé da letra, Nós não somos o povo da Antiga Aliança. Mas é verdade também que Deus confirmou sua fidelidade imutável na Nova Aliança — que nos libertou de uni tirano pior do que de Faraó, que nos deu um maná melhor do que foi comido pelos israelitas, no deserto. Jesus disse: «Eu sou o pão que desceu do céu» e «Eu sou o pão da vida.» E nós temos recebido este pão. Ricos e pobres foram agraciados com o evangelho, com a palavra de Deus que liberta, que derruba ídolos, que nos ensina a viver uma vida plena e feliz, livre do peso da culpa não perdoada, iluminada pela fé e pela esperança. É este pão da vida, é o evangelho de Jesus, que transforma nossa vida. É ele que nos livra de todas as falsas dependências. É ele que nos faz viver em gratidão a Deus por todas as suas boas dádivas -- e que nos faz usar estas suas dádivas em seu serviço. 

Oremos: Benigno Deus, Pai misericordioso. Tu nos abençoaste ricamente com tuas dádivas. Deste-nos os frutos da terra, deste-nos saúde para trabalhar, para _criar nossos filhos, para organizar a nossa vida. Queremos agradecer-te de coração por todo o teu amor. Perdoa-nos o nosso esquecimento, perdoa nossas lamentações. Faze-nos viver em gratidão e em amor. Por Jesus Cristo, teu bendito Filho. Amém.

Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ação de Graças - Festa da Colheita
Área: Sustentabilidade / Nível: Sustentabilidade - fé, gratidão e compromisso
Natureza do Domingo: Dia de Ação de Graças

Testamento: Antigo / Livro: Deuteronômio / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 20
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19586
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