Romanos 13.11-13 - É hora de despertar

Prédica

13/02/1979

É HORA DE DESPERTAR
Romanos 13.11-13 (Leitura: Salmo 13) 

Uma palavra de Deus nos atinge. Uma palavra especial, que parece feita sob medida para nós. Ela nos abala, como um terremoto abala uma casa, Faz-nos dar uma guinada repentina no caminho que vínhamos andando. Sim: tal coisa ainda hoje acontece — assim como aconteceu no passado. O próprio autor de nossa passagem bíblica, o apóstolo Paulo, foi levado a fazer tal guinada. Em sua viagem a Damasco, onde queria acabar com os cristãos lá existentes, foi atingido pela palavra de Cristo, como por um raio: «Saulo, Saulo, por que me persegues?» — E Saulo, de perseguidor, se transformou em servidor, em mensageiro de Cristo. E assim se formou a corrente: A mensagem de Paulo atingiu outras pessoas. O evangelho, através dos tempos, foi que nem um fogo que o vento ia levando de moita em moita. E o melhor de tudo: Tal coisa chega a acontecer em nossos dias. Na oportunidade que Deus escolhe. No momento que ele marca. 

A passagem há pouco lida já deve ter levado muitas pessoas a mudar de rumo, na vida. De uma pessoa o sabemos com certeza: de um jovem professor que vivia em Milão, na Itália, por volta do ano de 400. Seu nome era Agostinho, mais tarde chamado de Santo Agostinho. Era um homem inteligente, famoso orador, um homem que tinha experimentado de tudo, que conhecia as filosofias e as correntes religiosas de seu tempo, como poucos outros as conheciam. Tinha experimentado também a religião mas tinha agido como um homem que quer tomar banho, sem se molhar. A religião não mudou sua vida. Ele conhecia o evangelho; sua mãe, Mônica, era cristã, e ela lutava pelo filho com seu testemunho e com suas orações. E Agostinho ia até à igreja — para ouvir os sermões do famoso bispo Ambrósio, que muito o impressionavam. Mas nem a mãe crente, nem o bispo de palavras profundas conseguiram quebrar a resistência do velho homem entrincheirado em sua fortaleza. Agostinho era um homem de seu tempo — um tanto parecido com os homens de nosso tempo: Orgulhoso de seu saber, homem sensual, escravizado por sua fantasia, pelas paixões, pelo sexo; teve um filho com uma amante, mas não conseguiu decidir-se a casar com ela. Teve amigos, teve dinheiro fácil; e contudo a sua vida ia ficando sempre mais vazia. Até que um dia ele foi atingido pela palavra de Deus, Foi a palavra que temos lido há pouco — a passagem de Romanos 13,11-13. 

Agostinho estava caminhando pelo pomar de sua casa, quando, de repente, ouviu a voz de uma criança que dizia: «Toma e lê, toma e lê!» -- Possivelmente foi parte de uma conversa entre meninos que ele ouviu, ou foi um trocadilho de uma brincadeira de crianças. Mas para Agostinho, esta exclamação, de repente, ganhava outro sentido. Ele a entendia como palavra de Deus dirigida a ele. Foi direto para um rancho que havia na horta, onde, sobre uma mesa, jazia uma Bíblia. Bíblia que ele conhecia muito bem, homem douto que ele era. Abriu a Bíblia «ao acaso» em Romanos 13. E leu: «É hora de despertarmos do sono. . . Vai alta a noite. . . vem chegando o dia. .. deixemos as obras das trevas . . . revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.» Foi o que bastou para mudar, de vez, a direção de sua vida. Agostinho foi convertido nesta hora por Deus mesmo. Ele rompeu com sua vida antiga e entregou-se a Cristo, passando a servir-lhe como pregador, como bispo e autor de livros até o último suspiro de sua vida. A cristandade toda foi sendo abençoada através dele — inclusive nós, que chegamos a ouvir o evangelho pela Reforma. Consta que Martim Lutero foi muito influenciado por Agostinho, cujos livros prepararam o terreno para aquela hora solitária em que o próprio Reformador teve seu encontro decisivo com Deus. 

Há momentos em que Deus diz a uma pessoa definida: «Chega! Chega de dormir. É hora de despertar do sono!» Tal momento — o homem não o pode programar. Ele não pode escrever em seu calendário: Neste ou naquele dia eu quero me converter. A hora vem, quando Deus diz: «Agora!» e quando o homem responde: «Sim, Deus, tu tens razão. É agora mesmo.» Porque o homem precisa convencer-se de que esta é a hora mesmo de despertar e de levantar-se do sono. E, uma vez convencido, uma vez despertado, ele precisa levantar-se na realidade, precisa andar acordado pela casa, precisa seguir caminho, falando e agindo como pessoa acordada. «Levanta-te e anda!» — disse Cristo ao paralítico curado. Não o mandou apenas crer que estava curado. Disse-lhe que se levantasse e andasse. 

Pelo exemplo da cura do paralítico já mostramos o caminho que nos aponta o nosso texto. Quando Deus diz: «Chega está na hora de despertar!» -- ele não o diz como fala um sargento que acorda os seus recrutas para um dia de marchas forçadas. Ele não fala como um professor moralista que diz: «Esta vida imoral não presta. Vamos, acorda! Vence a tua preguiça e começa uma vida diferente!» É que Deus nunca pede alguma coisa de nós, sem antes dar — dar muito mais do que pede. Assim, em nosso trecho bíblico, depois de nos lembrar de que está na hora de acordar, o apóstolo diz que «nossa salvação está mais perto agora do que quando de princípio cremos». Então, a razão para nos acordarmos não é qualquer obrigação que Deus nos queira impor. É antes a salvação, que chegou mais perto de nós. Tão perto que já não conseguimos fazer de conta que não exista. Tão perto que realmente dá para conhecermos o tempo: Nossos olhos veem a luz do dia, e não há mais dúvida sobre aquilo que será preciso fazer. «Levanta-te e anda», diz Jesus. E o paralítico já não é paralítico. O sonhador já não é sonhador. O que estava deitado, imóvel, como que drogado pelo sono, ele se levanta, porque de repente está lúcido e acordado. Ele não pode continuar dormindo. Como poderia? Ele vê que chegou a salvação! 

Tudo é tão natural, tão descontraído, quando Deus fala a nós, e quando nós (entendemos e cremos o que ele fala. Deixar as obras das trevas? Graças a ti, Senhor: O dia chegou. Eu passei agora a viver sob a luz do dia. A noite deixou de me tiranizar, de me drogar, de me condicionar. Graças a ti, Senhor, por eu não precisar viver mais como no tempo em que vivi dormindo. Graças a ti, por não ser mais obrigado a me embriagar naquelas festanças vergonhosas, em que o álcool e as drogas nos estupidificaram, nos embotaram o espírito e nos embrulharam o estômago. Graças, Senhor, por não precisar mais viver comendo as vagens que os porcos comem. Graças a ti por não precisar mais enganar e explorar meus semelhantes. Graças por não ser mais um escravo do sexo, pior que um animal no cio. Graças por não me sentir mais atraído pela pornografia, nem pelas conversas imundas, pelas conversas fiadas, com as quais gastei meu tempo à toa, dormindo, sonhando. Tu me fizeste despertar, Senhor, para uma vida nova. Agora eu vejo a realidade. Conheço os sinais do tempo. Cristo teve seu encontro comigo, e desde então eu sei o que é vida verdadeira. Eu me revesti de Cristo, de sua justiça, de sua paz, de seu amor. Sei que ainda não vivo no céu — que ainda vivo na carne. Mas não é mais a carne que manda em mim. Ela cobiça, tenta freiar — e eu admito o que sou. Não tento violar minha natureza, mas não vivo fascinado por minha própria fraqueza. Eu simplesmente olho para Cristo, com fé simples e clara. E olhando para ele, sigo o caminho que vai da noite para o dia. Que carne seja carne, que natureza seja natureza! Mas que Cristo seja Cristo, que dia seja dia, que salvação seja salvação! 

Há muitos cristãos que gostariam de armar suas barracas na penumbra, no limite entre a noite e o dia. Não querem ser da noite, mas também não podem decidir-se pelo dia. Eles se julgam realistas, porque acham que é este o lugar que cabe à criatura humana, tão amarrada à sua natureza antiga. Não querem bancar fariseus, fingindo uma coisa que não são. Vivem na fronteira do reino de Cristo, olhando, ora para frente, ora para trás. Eles precisam compreender que viver naquela meia luz, naquela penumbra, significa fugir do dia. É como um destes aviões supersônicos, por exemplo o Concorde, que levantam voo de madrugada em Paris e chegam na mesma madrugada em Nova York. Chegam na mesma hora em que partiram. Voam com a velocidade do dia, que vai avançando. O dia não os consegue alcançar. Não. O cristão não foi destinado para uma vida assim. Não foi destinado para viver nesta sombra, nesta eterna penumbra, nesta incerteza angustiante. Ele não foi feito para fugir do dia. E ele nem precisa ir ao encontro do dia, nem precisa criar um dia artificial. O dia vem para ele! 

«O dia vem chegando.» — «A nossa salvação está agora mais perto de nós.» É só esperar pelo dia, como os guardas esperam pela manhã. É só levantar, quando o dia vem. É despir o pijama e vestir a roupa de serviço. Nada de forçado, nada de fingido e recalcado: Deus não quer nada assim. «Levanta-te e anda», diz Jesus. Mas antes de mandar o paralítico levantar-se, ele já o curou. Ou — será que o paralítico nem se teria curado, se não tivesse tentado mexer as pernas para andar? Será que a salvação só chega a ser realidade mesmo em nossa vida, no momento em que soltamos os falsos deuses que nos paralisaram, em que deixamos de agarrar-nos ao pecado, estendendo as mãos para Cristo, o Salvador? 

«Vós, que conheceis o tempo.» -- Nós, que nos chamamos de cristãos, conhecemos o tempo — a não ser que alguém nos tenha botado uma etiqueta errada. Que a etiqueta talvez deveria ser: «simpatizante de Cristo», ou «pessoa de tradição cristã». Conhecer o tempo, isto é um dom que o Espírito Santo dá aos cristãos. Sempre foi assim: Os discípulos de Cristo não se limitaram a fotografar o tempo -- eles fizeram a radiografia dele, bateram chapa de raios «X» dos acontecimentos. Conhecemos nós o tempo em que vivemos, e os sinais do tempo? Não os sinais de chuva ou de seca — mas os sinais de juízo e de salvação? — Quando escutamos os noticiários de rádio e de televisão — conseguimos olhar para o fundo das notícias e sentir, em meio a todas as injustiças e todo o sofrimento a fome de justiça e a esperança pelo reino de Jesus Cristo que existe no mundo? E conhecemos o tempo em nossa casa, em nossa família, em nossa vizinhança? Ou estamos dormindo, sonhando? — Quando olharmos para o futuro: Vemos tudo cor-de-rosa — ou achamos que a humanidade vai acabar mesmo num grande e estúpido massacre e depois, nada. . . ? Ou conseguimos ver os sinais do grande dia de Cristo, que se aproxima? Sabemos realmente que nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando no princípio cremos? Vivemos nós em fé vigilante, acordados, prontos para testemunhar, para orientar, para chamar ao arrependimento, para confortar? E, se a grande crise do mundo vier — a grande tribulação que a Bíblia anuncia: Estamos preparados para proclamar à humanidade que o pânico não é a solução e que a noite não terá a última palavra? Somos guardas que esperam pelo amanhecer e que passam sua esperança adiante aos seus próximos? 

O Senhor nos faça viver como filhos do dia — já agora — para que, quando o grande dia vier, possamos recebê-lo com júbilo e louvor. 

Oremos: Senhor e Salvador. Agradecemos-te por não nos deixares entregues a nosso sono e a nossos sonhos carnais e tolos. Ouvimos o teu chamado que nos manda acordar. Senhor, dá-nos o teu Espirito Santo para que possamos vencer o cansaço e a indolência de nossa natureza e viver uma nova vida de fé, de amor e de esperança. Amém.

Veja:

 Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

 Editora Sinodal

 São Leopoldo - RS


 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19708
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