Hebreus 5.7-9 - Sim, Pai

Prédica

03/04/1960

SIM, PAI
Hebreus 5.7 -9 

 Ao escrever estas palavras o autor da epístola aos hebreus certamente tinha diante de seus olhos a última noite de Jesus. Sobre aquela noite está e permanece um mistério, inescrutável para nós. O que ali sucedeu, sucedeu entre Deus e o seu Filho. Mas tanto nos dizem os evangelhos: que era uma noite da mais intensa escuridão, noite, em que Jesus passa pela maior profundeza de sua paixão. Foi nessa noite que com forte clamor e lágrimas ofereceu orações e súplicas a quem o podia livrar da morte. Assim Ele se humilhou, tornando-se igual a nós, participando inteiramente de toda a ânsia da alma humana, passando também Ele pela aflição do homem pecador. Ele que pôde dizer: Eu e o Pai somos um (João 10,30), também Ele passou por uma hora em que não pôde mais ver o Pai, tendo de lutar pela certeza de Deus, e pela confiança de que unicamente Deus e a sua vontade, e nenhum outro poder, lhe traçava o caminho. Muitos conhecem esta aflição causada pela falta de certeza de Deus. Os que têm que enfrentar um destino duro, sem sentido; os que são conduzidos por um caminho escuro que não compreendem; os que não vêem mais uma finalidade em tudo que fazem, e então imploram a misericórdia e a onipotência de Deus, para que lhes mande uma luz, lhes estenda a sua mão, para que se realize um milagre — toda a escuridão e toda a solidão dessas noites de sofrimento humano estão contidas naquela noite em que Jesus, como nosso irmão, lutou em orações e súplicas, e embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu. 

Cumpre-se a promissão profética que descreve o caminho do Rei-Servo como o caminho daquele que se coloca em nosso lugar, tomando sobre si as nossas enfermidades e carregando com as nossas dores. Sobre Ele caiu o castigo, para que nós tivéssemos paz (Is 53.4 s.) . Sim: Deus não faz passar por Ele o cálice; não lhe altera o caminho que lhe tinha escolhido. Mas conforta-lhe o coração, dando-lhe, em resposta às suas súplicas e orações, a firme certeza de que este caminho escuro que tem diante de si, vem de Deus e conduz a Deus, e com toda a força de seu próprio querer o Filho aceita para si, sem resignação alguma, a vontade do Pai. Sim, Pai — essas duas palavras expressam toda a obediência, toda a confiança do Filho ao Pai. Não pode haver caminho para o Filho no qual não se soubesse unido com a vontade do Pai. E desde aquela noite esta mesma força de Deus que confortou o Filho, esteve e está presente em inúmeras noites de sofrimento humano, confortando e dando paz a homens aflitos e desesperados que, sofrendo sob a vontade de Deus, aprenderam de Jesus a guardar a confiança, dizendo com Ele Sim ao que é a vontade do Pai.
Jesus, naquela noite, foi até ao extremo ponto de toda a aflição humana, aonde os nossos pés jamais nos levariam. Ele passou pela absoluta solidão humana, por todo o desespero terrestre, e lá, nesse ponto, onde nós não perceberíamos mais vestígio algum de Deus, mas somente um destino cruel e impessoal que nos quer tirar tudo, nos quer roubar toda o sentido de nossa vida, Ele, Jesus, manteve a fé, manteve a confiança em que não há realidade superior e melhor que Deus e a sua vontade, e por isso o mundo, também o mundo que nos é incompreensível, é o mundo de Deus, e a vida, também a tua vida, com todos os seus problemas e suas dificuldades, continua a estar unicamente nas mãos de Deus. As duas palavras Sim, Pai mostram-nos a realidade que tudo supera, e que conforta na tristeza e dá a grande paz em meio da escuridão. 

Certamente isso não é fácil, aceitar um caminho que de nós mesmos não escolheríamos; crer em um sentido, onde nada vemos nem compreendemos. Mas, não disse Jesus: Quem quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, e tome sobre si a sua cruz e siga-me? (Mc 8.34; Mt 16.24) E não se refere esse renunciar também à própria vontade, à própria liberdade de escolher? 

Sim, mas também Jesus pediu o que desejava no fundo do seu coração humano: Se é possível, meu Pai, passe de mim esse cálice, sem que eu o beba. (Mt 26.39) Não precisamos e não podemos esconder diante de Deus o que em desejos e esperanças vive em nosso coração. Mas, renunciar então seria: não quereremos nós mesmos ser senhores do nosso destino, mas entregarmo-nos a Deus com todo o nosso coração, assim como é e com tudo que o preenche, para que Deus o tome e guarde em suas mãos, para que nós fiquemos com Deus, e mesmo pedindo o que o nosso coração nos manda pedir, contudo peçamos que seja feita a vontade de Deus, mantendo a certeza que não pode haver verdadeiro bem para nós nem verdadeira felicidade senão dentro da vontade de Deus. 

Jesus foi ouvido em sua prece, diz o nosso texto. Deus ouve, também onde não realiza o que nós pedimos. Deus ouve e vê a nossa confiança e não deixa sem resposta o coração humano que em sua ânsia e aflição procura antes e acima de tudo a Deus mesmo. 

E se o nosso texto termina dizendo que Jesus, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se autor da salvação eterna para todos que lhe obedecem, então entendemos que esse obedecer, com o qual aceitamos para nós a obediência de Jesus, inclui também que nos deixemos por Ele mostrar que essas duas palavras Sim, Pai que expressam o que era a vida de Jesus, são decisivas também para o nosso ser de discípulos de Jesus. Que este tempo da Paixão nos seja abençoado, nos fortaleça na nossa comunhão com Cristo e o seu modo de pensar para querermos também nós antes e acima de tudo que seja glorificado o nome de Deus entre nós.

 Pastor Ernesto Schlieper

3 de Abril de 1960 (Judica), Faculdade de Teologia, São Leopoldo

Veja:

Testemunho Evangélico na América Latina

 Editora Sinodal

 São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Ernesto Theophilo Schlieper
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 5º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Hebreus / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Testemunho Evangélico na América Latina / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1974
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19723
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