Lucas 1.46-55 -4º Domingo de Advento

Prédica

21/12/1969

Lucas 1.46-55  - 4º. DOMINGO DE ADVENTO
 

Então disse Maria: Minha alma enaltece o Senhor, e meu espírito rejubilou no tocante a Deus, meu Salvador, porque ele olhou para a humildade da sua criada. Pois - vejam - a partir de agora todas as gerações me considerarão bem-aventurada, pois o Poderoso me fez grandes coisas. Santo j o seu nome. E sua misericórdia vai de gerações em gerações sobre os que o temem. Agiu poderosamente com seu braço, dispersou os que no seu coração alimentavam pensamentos soberbos. Derrubou dos tronos os poderosos e ergueu os humildes. Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. Amparou a Israel, seu criado, a fim de lembrar-se de sua misericórdia, conforme falou aos nossos pais, quanto a Abraão e sua descendência, para sempre. 

Prezada Comunidade! 

Depois de amanhã ã noite será véspera de Natal. E cá estamos nós, hoje, começando já a sentir algo daquela atmosfera solene que sempre caracteriza esses dias de festa. Cá estamos nós, comemorando o último dos domingos de — Advento. Os assuntos abordados nos sermões dos últimos três domingos tiveram por finalidade ajudar a preparar-nos para o grande acontecimento do Natal; ajudar a colocar-nos numa atitude adequada para podermos compreender, aceitar e comemorar de maneira devida aquele grande evento. Como ponto final desta jornada de preparação, cabe-nos meditar hoje sobre outro aspecto, que ainda no foi tratado a fundo até o presente. 

Para celebrarmos devidamente o Natal, prezada comunidade, precisamos fazer um esforço mental para entendermos a seguinte verdade: Deus não age conforme as diretrizes que nós, homens, estabelecemos, mas exclusivamente — de acordo com a sua vontade livre e soberana. Isto é o que deveríamos aprender, hoje, do cântico de Maria que ouvimos há pouco.

Este cântico de Maria - também chamado de Magnificat - é o mais antigo e, simultaneamente, o mais violento e selvagem hino de Advento que conhecemos. Aqui não se percebe nada daquela Maria doce e meiga que vemos estampada nos quadros. Quem fala aqui não é uma mulherzinha frágil e romântica, mas uma mulher profética, comovida pelo Espírito de Deus. Suas palavras não transmitem um lirismo adocicado, mas falam das grandes coisas que Deus faz: de tronos e poderosos derrubados e de miseráveis que são erguidos do pó; de ricos que são despachados de mãos abanando, e de pobres e famintos repletos de bens. Um Deus revolucionário e subversivo! De tanto ouvir esta última palavra, muitos talvez não saibam que ela vem de subverter; o que significa: revolver, voltar de baixo para cima. Não pode haver expressão mais adequada para expressar o que Maria diz nesse cântico! Nosso Deus é um Deus subversivo porque subverte, põe de pernas para o ar, volta de baixo para cima toda a nossa escala de valores. 

Já vou explicar o que quero dizer com isso. Cada um de nós tem uma determinada escala de valores, na qual enquadra os seus semelhantes e a si próprio. E cada qual pressupõe automaticamente que esta deve ser, também, a escala de valores de Deus. Para alguns, a escala de valores espelha a estrutura político-social da nossa atualidade. Na ponta da escala estio os chefes políticos e militares da Nação, seguem-se os governadores e deputados, depois os grandes homens de empresa de nome conhecido; e provavelmente acrescentam-se ainda alguns astros do futebol, da televisão ou do cinema. Para outros, mais intelectuais, a escala apresentara grandes filósofos e pensadores, grandes figuras das artes - da literatura, da pintura, da escultura, da música, do teatro -, personalidades das ciências, educadores, etc. Já para outros, que levam uma vida mais piedosa e religiosa, a escala de valores destaca pessoas de grande projeção da igreja, grandes evangelizadores e pessoas das quais se sabe que são crentes fervorosos e fiéis assíduos. Assim cada um de nós tem uma escala de valores, que pode ser Urna das que mencionei ou outra variante qualquer. E esta escala apresenta um primeiro, um segundo, um terceiro, etc., e também um último lugar. Nós não arredamos pé da nossa escala. Basta que alguém a critique, dizendo que o nosso primeiro lugar nem é tão bom assim e deveria ir parar no décimo, e já assumimos posição de combate. Não admitimos que alguém mude um til na nossa escala.

É por isso, prezada comunidade, que, como disse de início, precisamos de um grande esforço para compreender a ação de Deus no Natal. Pois Deus não apenas muda de figura, mas subverte, volta de baixo para cima a nossa — escala de valores. Ele vem e vai direto aos últimos lugares. Em vez de fazer uso de um grande militar, político ou industrial, ele lança mão da mulher de um pobre marceneiro. Em vez de dirigir-se a sábios, filósofos e professores, chama um analfabeto pescador da Galileia. Em vez de procurar os crentes notórios e reconhecidos, os teólogos e assíduos frequentadores de igreja, ele vai às prostitutas e aos odiados cobradores de impostos. Deus ignora a nossa lista, passa pelas posições de destaque e vai aos elementos que estão lá embaixo - elementos, de cuja existência nem nos damos conta - e diz: É com esses que eu quero agir! Isso é o que eu queria dizer, ao afirmar ha pouco que Deus não age conforme as diretrizes que nós, homens, estabelecemos, mas exclusivamente de acordo com a sua vontade livre e soberana. 

Um exemplo claríssimo do que acabo de dizer é precisamente Maria. Imaginem: Deus se propõe a enviar seu Filho ao mundo na pessoa de um ser humano que esta por nascer. Neste seu Filho Deus fara uma revolução completa na sua maneira de tratar com os homens; neste seu Filho Deus se revelara de maneira definitiva aos homens, mostrando exatamente quem ele é e quais as suas intenções para conosco. Pois bem, segundo os nossos padres, segundo a nossa escala de valores, quem é que Deus deveria escolher como mãe deste seu Filho? No mínimo uma pessoa notoriamente piedosa, uma pessoa conhecida e de grande destaque nos meios eclesiásticos de então. Mas o que é que acontece de fato? Deus lança mão de uma pobre mulher de um simples trabalhador, de um marceneiro; uma mulher desconhecida, insignificante, sem a mínima projeção. Um verdadeiro absurdo! E por que Deus lança mão de Maria? Não devido a méritos humanos que a fizessem merecedora; não devido á sua piedade, que foi, sem dúvida, muito grande. Também no porque Maria se dispôs humildemente a aceitar a vontade de Deus. Mas única e exclusivamente porque Deus, em sua bondade, ama, escolhe e engrandece o pequeno, o in significante.

E ai esta o próprio Cristo; Cristo na manjedoura; uma criança; um bebê! Deus não se envergonha da pequenez do homem. Ele penetra em nosso meio, escolhe uma pessoa como seu instrumento e opera os seus milagres onde menos esperamos. Agindo contra as nossas diretrizes. O que nós, homens, damos por perdido, Deus encontra; o que nós condenamos, Deus salva; onde nós dizemos não, Deus diz sim”; onde nós desviamos o nosso olhar, orgulhosos ou indiferentes, para lá é que Deus olha com mais calor e amor. 

II

Mas tem mais. É bom sabermos que não podemos assistir a tudo isso indiferentes, como meros espectadores. A peça apresentada, em que Deus, o protagonista, vai aos pequenos, aos humildes, aos desamparados, traz uma mensagem que nos ataca diretamente e exige uma decisão. Aí nós só temos duas alternativas: aceitá-la ou rejeita-la. Aí não há indiferença, porque indiferença já é rejeição. Podemos deixar que essa mensagem entre por um ouvido e saia pelo outro, continuando a celebrar o Advento da mesma maneira pagã como até aqui; ou podemos aceitar o que nos é dito e tirar as consequências. Consequências profundas, que precisam transformar nossa vida. 

A maior consequência será voltar de baixo para cima a nossa escala de valores. Temos que fazer como Deus fez, voltando nosso respeito, nossa dedicação, nosso amor, para os que se encontram lá embaixo na nossa escala. Nenhum de nós é um grande poderoso. Embora talvez gostássemos de sê-lo. Grandes poderosos sempre só existem poucos. Mas cada um de nós é um poderoso em miniatura, que não perde chance de exercer seu poderzinho sempre que possível. Cada um de nos tem, em sua vida cotidiana, pelo menos uma pessoa que esta em posição mais baixa, em posição subordinada. Seja onde for: no âmbito familiar, na escola, na esfera profissional, no clube, no circulo de amigos e mesmo dentro da própria comunidade. E é nesse ponto que terão que surgir as consequências da mensagem deste cântico de Maria. Isto é, no nosso comportamento diante da empregada, dos filhos, do chofer de taxi, do engraxate, do continuo, da faxineira, do porteiro, dos funcionários, e assim por diante. Deus valorizou os pequenos e humildes. Se nós, que nos dizemos cristãos, ignoramos esta valorização, é porque ainda não atinamos, ainda não compreendemos a mensagem contida neste cântico de Maria. 

Que este cântico de Advento nos ajude a entender que o nosso caminho, se é que quer ser um caminho para Deus, não poderá andar pelas alturas, mas terá que ir realmente ás profundezas, aos pequenos, humildes e necessitados. E isso tem que acontecer. Deus não permite que zombemos dele. Deus não consente que celebremos o Advento, ano após ano, sem levá-lo realmente a sério. Deus cumpre o que diz; e há de derrubar todos os poderosos do seu trono, tanto pequenos como os grandes. 

Tomemos uma atitude e afastemos de nós, finalmente, toda violência e força, toda vaidade, todo orgulho, toda aparência, todo esnobismo, consentindo que Deus, e só ele, seja elevado! Então, sim, estaremos, de fato, celebrando Advento! Amém. 

Oremos: Senhor, dá que sejamos praticantes da tua palavra, e não somente ouvintes. Inquieta-nos com a mensagem que hoje nos deste. Ajuda-nos a aceitar o desafio que nos propões e a voltar de baixo para cima a nossa escala de valores, para que nos dediquemos àqueles que tu te dedicaste e não aos que nos são interessantes. Por Jesus Cristo. Amém.

Veja:
Nelson Kirst
Vai e fala! - Prédicas
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Nelson Kirst
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo do Natal
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 4º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 46 / Versículo Final: 55
Título da publicação: Vai e fala! - Prédicas / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1978
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19922
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Devemos orar com tanto vigor como se tudo dependesse de Deus e trabalhar com tanta dedicação como se tudo dependesse de nosso esforço.
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