Mateus 3.13-17

Auxílio Homilético

09/01/2005


Prédica: Mateus 3.13-17
Leituras: Isaías 42.1-7 e Atos 10.34-38
Autor: Albérico Baeske
Data Litúrgica: 1º Domingo após Epifania – Batismo de Nosso Senhor
Data da Pregação: 9/01/2005
Proclamar Libertação - Volume: XXX

Saudando as pastoras da IECLB que trabalham na Amazônia Legal;
Sua disposição e seu despojamento nos questionam e anima.


1. Recordando o Batismo


1 – Existem paróquias que celebram este domingo como dia comunitário de recordação do Batismo. Isto é um bom hábito; ele possui raízes na história litúrgica da Igreja Universal. Urge que sejamos lembrados e lembradas de que fomos batizados e batizadas. Naturalmente, tal evento anual único não substitui o cantus firmus da pregação do evangelho de Jesus Cristo. Este reside em convencer as pessoas para que se deixem batizar, dando elas assim publicamente razão a Jesus Cristo e não a si mesmas (cf., p. ex., At passim), ou em descrever às pessoas batizadas as conseqüências individuais e familiares, comunitárias e eclesiais, econômicas e sociopolíticas decorrentes do Batismo, exortando-as assim a vivenciar seu status (cf., p. ex., Rm 6 e 1 Pe).

Recordar uma vez ao ano que fomos batizados em absoluto é próprio do evangelho. Todavia, é melhor do que corroborar a idéia de que o Batismo seja um rito mágico de passagem para o bem-estar de recém-nascidos, uma cerimônia que ornamenta sua entrada na vida com arabescos religiosos, os quais as famílias solicitam ou exigem, e a comunidade, caso esteja presente, contempla sentimentalmente. Ato, pois, que parece não ter nada a ver com a gente quando se é adulto. O que é reforçado pelo hábito antievangélico de realizar batismos sem prédicas explicativas. Tudo indica que quanto mais bebês se batizam na IECLB tanto menos se prega sobre o Batismo.

2 – Essa situação revela às quantas andam proclamação e vivência do evangelho em nosso meio. A situação é séria, justamente quando se tem claro que “os efeitos de atuais omissões da igreja vêm sempre trinta anos depois” (K. Barth). Para enfrentá-la, pouco ajuda repristinar ou engenhar moldurações litúrgicas do Batismo na acepção igrejeira; menos ainda repetições do rito. Jeito apenas há no entranhamento paciente e persistente nos testemunhos neotestamentários e reformatórios a respeito do Batismo. Enfatiza-se como imprescindível para um estudo acurado e comprometedor, quanto aos primeiros, G. Barth (veja: Recomendações bibliográficas), e quanto aos segundos, M. Lutero (veja: ibidem).

Quem se enfronha aí toma pé no que é o Batismo e o que significa ter sido batizado para a vida que vivemos no corpo e em suas relações. Oxalá lutemos por clarividência teológica com respeito a esse meio da livre poderosa graça de Deus. Sem clareza exegética e alicerce confessional, contribuímos tão-somente para o lusco-fusco igrejeiro quanto ao Batismo. Com eles sentiremos a necessidade inadiável de catequese e pastoral batismais. No desempenho das mesmas, é central comunicar o que Deus faz com as pessoas que são batizadas. A prática igrejeira, corrente entre nós, no entanto, é declaratória e não existencial. O valor vital único do Batismo está sendo obscurecido, sim, suprido pela execução esquemática e artificiosa de uma cerimônia igrejeira. Consciências despertadas por testemunhos bíblicos e confessionais e aterrorizadas quando confrontadas com o Abtaufen [batizar por série, ao estilo vapt-vupt, de maneira formal e irrefletida, com o resultado de que as pessoas acabam ficando fora da comunidade] em vez do Hineintaufen [batizar de maneira consciente e compromissada para dentro de Jesus Cristo e sua comunidade] (E. Thurneysen) precisam ser confortadas. Aqui prestam auxílio “os da família da fé” (Gl 6.10) na África e na Ásia. Também, nesse contexto, está mais do que na hora de trocarmos nossa fixação no Hemisfério Norte pelo olhar atento para o Sul. Nosso norteamento afunda-nos sempre mais nas brumas concernentes ao Batismo, enquanto cristãos e cristãs da outra parte do Terceiro Mundo nos alertam e desafiam: “Coragem isto nos dará, fraqueza vencerá” (Hinos do Povo de Deus / HPD 1, 98.4).

3 – O testemunho desses familiares da fé é quase desconhecido em nossas plagas. Daí informações que estimulam uma pastoral batismal, tão premente entre nós (para detalhes, veja: Recomendações bibliográficas – W. Freytag e G. F. Vicedom):

a – O Batismo é mais importante do que o nascimento. Um europeu perguntou a um velho africano sua idade. Este respondeu: “Tenho dois anos”. O europeu, perplexo: “Como, dois anos?”. O velho, radiante: “Fui batizado dois anos atrás!”.

b – O Batismo nos assevera extra nos que Deus nos quer bem. Idéias profundas, até cristãs, declarações de amor a Jesus, além de permitir uma vida dupla, não nos asseguram a benevolência recriadora de Deus. Exclusivamente pelo Batismo público, com muita água e rodeado pela comunidade, ocorre a ruptura com a velha existência e, concomitantemente, o surgimento do novo ser. Eis o que testificam indianos. Zulus denominam o Batismo de “o grande vau, o único lugar onde se pode passar para o outro lado”: da velha vida para a nova, deste mundo para o reino de Deus, da morte para a vida.

c – O Batismo envolve a abrenunciação da vida antiga com seus esconderijos, ídolos e tramóias. Por isso, na véspera do Batismo, batizandos na África e na Ásia abrem de maneira total sua vida até então perante confessores particulares ou a comunidade reunida e pedem a absolvição em nome de Deus. E a comunidade preocupa-se poimenicamente com cada um dos batizandos.

d – O Batismo determina toda a vida. O mencionado ancião africano o entendeu. Irmãos e irmãs dele se dão nomes por ocasião do Batismo. Como: “Deus me carrega”, “uma pessoa nova”, “eu fui acrescentada ao povo de Deus”. Doravante insistem que se use esse nome. Não atendem pelo velho. Quando chamados pelo novo, lembram-se: crer em Jesus Cristo é viver de modo diferente do que todo mundo vive. E o pessoal que chama ou escuta chamar aquele nome está sendo constantemente questionado: que vida nós estamos levando? Um missionário papua explica: “Mediante o Batismo, Deus coloca as pessoas batizadas em sua mochila; assim lhe pertencem. Ele cuida delas em corpo e alma. Quando se perdem, ele as procura de novo”.

e – Batismo leva à vida eterna. Batizados de Papua-Nova Guiné testemunham após o Batismo aos não-batizados: “Antes do Batismo, temíamos a morte como vocês. Igual a esta pedra aqui queríamos ficar sempre em cima da terra. Nós não tínhamos nenhuma esperança de vida eterna. Agora sabemos que precisamos morrer, não porque fomos enfeitiçados, mas porque pecamos. Contudo, temos um amparo na morte, e ele nos preparou, mesmo pelo túmulo, um caminho ao céu”. Uma africana, crente em Jesus Cristo, morreu dizendo: “Eu vou agora para aquele que vi no Batismo”.

f – Batismo custa caro. Em vez de uma promessa verbal, o Batismo é uma ruptura existencial. Enquanto as pessoas simpatizam com Jesus Cristo, seus parentes, vizinhos e compatriotas não acham isso nada demais, até apóiam e compartilham suas lucubrações. No entanto, quando se deixam batizar, são hostilizadas, excluídas do convívio parentesco e social, deserdadas. Em países muçulmanos, famílias colocam anúncio fúnebre no jornal relativo a seu membro que foi batizado. Na Índia, sucede que batizados são considerados párias, que eles próprios odiavam antes, e suas mulheres os abandonam e seus filhos fogem deles.

g – Batismo inclui na comunidade. Pelo Batismo as pessoas referidas perderam a comunhão legada e, ao mesmo tempo, ganham parte naquela que rompe círculos étnicos, barreiras sociológicas e fronteiras políticas. Ser batizado é idêntico a ser membro do corpo vivo de Jesus Cristo, que recebe, abarca e vela os que o Batismo tornou míseros e sós. Um catequista africano fez a seguinte comparação: “A criança vive antes do nascimento no ventre da mãe e não entende nada do mundo. Assim também nós, que vivemos neste mundo, não entendemos o reino de Deus. Nele se entra através de um segundo nascimento, ou seja, o Batismo”. O Batismo é, pois, naturalização no reino de Deus.

h – Batismo é a palavra visível de Deus. Por isso a comunidade vigia para que a dádiva inefável de Deus não seja malbaratada. Sua assembléia examina os/as catecúmenos/as e decide quem será batizado. A comunidade conhece os pais que solicitam o Batismo para suas crianças e cuida para não serem batizadas crianças cujos pais são crentes em Jesus Cristo da boca pra fora. “Destarte muitos pais entre nós aprenderam que não se pode brincar com as coisas de Deus”, afirmam africanos e chineses.

i – Batismo compromete com a missão. Na Índia, um bispo fez com que os/as catecúmenos/as, que pediram o Batismo, colocassem, durante sua realização, a mão direita na cabeça e declarassem: “Ai de mim se não pregar o evangelho (1 Co 9.16)”. E um outro expressou: “Eu não posso crer na ação salvadora de Jesus por mim, se ela não se destina a todos”.

j – Eficácia dupla do Batismo. Um evangelista papua dirigiu-se assim aos que “esqueceram seu Batismo”: “No Batismo, Deus colocou sua mão em cima de vocês. Não a vêem, pois Deus é invisível. Contudo, ele é poderoso. Como conseguem se livrar de sua mão? Ora, vocês têm duas possibilidades: ou seguem no discipulado e a mão de Deus os acaricia, ou não seguem, então ela bate neles”.

2. A comunidade

1 – A comunidade com que o leitor e a leitora de PL convivem, ela pensa o que em relação ao Batismo e de que jeito o vivencia intra et extra muros ecclesiae? Ninguém, em culto e comunidade, pronuncie a palavra batismo/batizar sem ter presente o que as pessoas que aí estão associam com o termo. Enfatiza-se, pois, realizar enquetes comunitárias com a finalidade de descobri-lo. Já a disposição da Quarta Parte do Catecismo Menor coloca as perguntas básicas; também contribui o respectivo trecho de Nossa Fé – Nossa Vida. Então o que o povo com que o pregador e a pregadora lidam e eles próprios entendem por Batismo? Por que a gente o realiza ou o solicita? Quem batiza? Quem é batizado? Ter sido batizado implica o quê? Resumindo: Quem é Deus no Batismo, quem somos nós no Batismo? Procedendo nesta linha, começa-se a valorizar “o Santo, Venerabilíssimo Sacramento do Batismo” (Lutero).

É fácil formular tais perguntas de forma curta e grossa. Já mais difícil é ganhar o apoio do presbitério para a iniciativa e animar a comunidade a responder com desenvoltura. Dificílimo é, no entanto, ouvir bem e, depois, matutar no que se ouviu. Ora, quem se aproxima do Batismo em nossas paragens e analisa sua praxe mexe com fogo. Falar em questões políticas e nelas optar por determinada alternativa, perante a comunidade, constitui um foguinho em comparação com o fogaréu que a preocupação conseqüente com o Batismo pode provocar. Aí quem crer em Jesus Cristo, em geral, e as pessoas ordenadas para um ministério eclesiástico, em particular, estão sendo desafiadas, exigidas e comprometidas. Na certa: valorização do Batismo acaba com a paz igrejeira. É verdade, o Batismo custa caro – igualmente entre nós. Desse modo ele se evidencia meio da livre e poderosa graça de Deus. Que a obreirada, antes dos demais, seja bem calçada e assistida no sentido acima esboçado (cf. I.2s.).

2 – No afã de estimular o tino para o que se pode ouvir concernente ao Batismo e fortalecer a disposição de se expor às colocações e trabalhá-las, seguem manifestações recolhidas, escolhidas aleatoriamente.

a – “Ninguém nos precisa dizer o que é o Batismo – nós sabemos o que é praxe em nossa igreja.”

b – “Quem não é batizado é selvagem.”

c – “Quando nasce a criança, ela em seguida é batizada. Assim sempre foi e é em nossa família. Ser batizado como adulto é uma vergonha.”

d – “Batizamos o nosso Joãozinho para poder chamá-lo pelo nome.”

e – “Batizar faz bem ao bebê, inclusive vamos levar a água batismal para casa. Se o bebê passa mal, botamos na testa dele alguns pingos dessa água.”

f – “Batizar não faz mal, não. Melhor ainda é deixar-se batizar logo em mais duas ou três igrejas.”

g – “Nós [pais e padrinhos] queremos batizar o menino, a comunidade não tem nada a ver com isso.”

h – “Se vocês complicam com o Batismo, saibam que existem muitas igrejas que batizam sem fazer perguntas.”

i – “Afinal, o que meu Batismo tem a ver com meu ganha-pão?”

j – “Na história de Jesus com as crianças [Mc 10.13-6], a gente nota que abençoar não é batizar.”

k – “Puxa, aqui [At 8.26-40] é bem diferente do que em nossa igreja: aqui o Batismo fica no fim e na igreja, no início.”

3. O texto-base para a prédica

1 – O fato de que Jesus de Nazaré foi batizado por João Batista pertence aos dados históricos da vida de Jesus, que pessoa alguma, familiarizada com a tradição sinótica, contesta. Agora, o apaixonante é como cada um dos sinóticos, respectivamente as comunidades pós-pascais que eles representam ou às quais falam, interpreta tal fato inconteste. À medida que os sinóticos transmitem o que houve com Jesus, expõem “o Evangelho de Jesus Cristo” (Mc 1.1), que extrapola a história do homem de Nazaré. Eles são mais do que tradutores e transmissores; são testemunhas vivas que puxam e atualizam o que houve para sua hora e contexto, pois crêem e sabem que o próprio Jesus Cristo – o ubíquo, o onipresente e o monoagente – suscita e sustenta seu testemunho (Mc 13.31 par.; cf. Hb 13.6; Ap 4.9 par.), já que lhe apraz, através deles, alcançar todo mundo e o mundo todo (cf. Mt 28.18-20). (Veja para a questão hermenêutica que se coloca em qualquer época e ambiente: G. Eichholz, Tradition und Interpretation – Studien zum Neuen Testament und zur Hermeneutik. München: Kaiser, 1965. p. 11-34; mormente: p. 11-4, 21-6, 34 [Theologische Bücherei Band 29]).

2 – Mt 3.13-17: A perícope se subdivide em três partes: v. 13 – relação batizando-batizador; v. 14s. – diálogo entre os dois; v. 16s. – os acontecimentos que envolvem o Batismo de Jesus de Nazaré. O jeito mais transparente de descobrir o testemunho específico de Mateus referente ao fato de que João Batista batizou Jesus é compará-lo com os de Marcos (Mc 1.9-11) e de Lucas (Lc 3.21s.). A concentração restrita e exclusiva em Mateus evidencia:

a – O diálogo entre João Batista e Jesus de Nazaré (Mt 3.14s.) é matéria peculiar ao primeiro evangelista; se ele a delineia ou já lhe vem da tradição anterior, não importa. A pergunta do Batista (v. 14b) focaliza o que pessoas desde os primórdios da igreja até hoje remoem: o enigma que rodeia o Batismo de Jesus. Respondeu-se e responde-se de dois jeitos. O primeiro, sob o ponto de vista psicológico/ético, ressalta, por exemplo, a humildade e solidariedade de Jesus. O segundo, sob o ponto de vista dogmático, e aí em alusão antecipada ao v. 17, encontra, por exemplo, reflexos da polêmica entre discípulos do Batista e discípulos do Nazareno e de convicções cristológicas, sejam adocianistas ou redentoristas.

Em vez de voltar-se a tais conjeturas, corresponde à ausculta concentrada do testemunho mateíno entranhar-se na resposta de Jesus de Nazaré (v. 15). Por sinal, na primeira palavra que ele pronuncia conforme Mateus, chama atenção particular a expressão: “nos convém cumprir toda a justiça” (v. 15c). O que quer dizer “toda a justiça”? A concordância grega (A. Schmoller, Handkonkordanz zum Griechischen Neuen Testament. 15. ed. Stuttgart: Bibelanstalt, 1973, verbete dikaiosynae = p. 124, 2ª coluna) arrola sete textos que trazem o vocábulo “justiça”. Levando-os em devida conta, a acepção de “justiça” no primeiro evangelista poderia caracterizar-se como a seqüência da ação resgatadora que Deus traça, determina e impulsiona. E, ao mesmo tempo, Deus vela para que as pessoas se enquadrem em sua “justiça” (cf. Is 56.1), esperando e cobrando que andem “no caminho da justiça” (21.32). De certa forma, o v. 15c resume todo o testemunho mateíno. Jesus de Nazaré conhece “a justiça”, compreende-a, concorda com ela, assimila-a, entrega-se a ela e está decidido a trilhar “o caminho” dela. Ele é “manso e humilde de coração”, o obediente a Deus por excelência (11.29 [cf. 5.5]; 26. 42d – ambas as passagens só em Mateus). Razão pela qual para ele não há outra opção, a saber: “convém cumpri-la”. Mais perto do termo original – plaeroosai – seria “realizá-la completa e plenamente, de pronto e sem embargo nem senões” e, assim, erigir “a justiça” de vez em parâmetro. “Convém a nós” significa: a ele próprio, Jesus de Nazaré, e a João Batista – e à comunidade que o evangelista tem em mira (cf. 5.20,48).

Eis o testemunho atualizador de Mateus, seu proprium: o escopo poimênico-eclesial (cf. para o enfoque, p. ex., 7.21-9; 22.1-14; 25.31-46). O primeiro evangelista insiste no Batismo, porque Deus assim o quer; necessitas praecepti (K. Barth) qualifica o Batismo. Se Jesus de Nazaré vem, livre e espontaneamente, com a finalidade de se deixar batizar (3.13), seus discípulos não podem agir de modo diferente. Discípulos não simpatizam com ele, mas o seguem em tudo, inclusive rompendo com a sinagoga, representada por “fariseus e saduceus” (v. 7-12; cf. 23.13-36), isto é, procurando o Batismo.

b – Ao registrar “batizado Jesus, saiu logo da água” (v. 16a), Mateus descreve, de maneira objetiva e afirmativa, os fenômenos que ocorrem (cf. Ez 1.1-4). Para o evangelista, esses são acontecimentos que se enxergam e ouvem (v. 16b-17). Assim introduz a descrição deles com seu termo predileto: idou, que usa 62 vezes (cf. W. Bauer, Wörterbuch zum Neuen Testament. 5. ed. Berlin: Töpelmann, 1963. verbete idou = coluna 733); a interjeição idou é a versão grega popular da hebraica hinne, “eis [aí]” (v. 16b e 17a). O vocábulo expressa perplexidade em relação ao que se segue e confere gravidade/dignidade ao mesmo; enfatiza algo “totalmente inesperado” (Bauer, o. c.) e que, eo ipso, envolve, confronta e força a decidir-se. Já esse detalhe remete, novamente, ao escopo poimênico-eclesial de Mateus.

Corroborando o impacto, o evangelista junta o fender-se do céu com o descer da pomba. “Os céus foram abertos” (o original tem aoristo na voz passiva; recomenda-se acompanhar o texto editado por E. Nestle, que faz jus à maneira afirmativo-objetiva de Mateus) (v. 16b) e “o Espírito de Deus veio sobre ele [Jesus]” (v. 16d). Céu aberto assinala o caráter escatológico do Batismo de Jesus de Nazaré. O próprio Deus se auto-revela, fato ansiosamente esperado e ardentemente implorado por seu povo (cf., p. ex., Is 63.19). E, quando Deus se auto-revela, vem junto “o Espírito de Deus”. Jesus de Nazaré, Batismo e “Espírito de Deus” estão inter-relacionados. O evangelista salienta sobremodo o aspecto do último, pois, como testifica já antes, Jesus é “gerado do Espírito Santo” (1.20,18). O ressalto, no contexto do Batismo de Jesus, esmiúça, igualmente, o escopo poimênico-eclesial de Mateus: o Batismo, realizado na comunidade, acontece “com o Espírito Santo e com fogo” (3.11). Ele exprime com precisão seu testemunho, colocando que “o Espírito de Deus [sic]” vem sobre Jesus de Nazaré (v. 16c), aquele “Espírito de Deus” da criação (Gn 1.2) e da recriação por intermédio do “rebento de Jessé” (Is 11.1-10) / do “servo de Deus” (42.1-9; cf. 61.1-11). Agora e aqui, com e em Jesus, irrompe a nova criação. Mateus particulariza a imbricação entre Batismo e “Espírito de Deus” com as formulações de que Jesus, após ter sido batizado, “saiu logo [sic] da água” (v. 16a) e de que o Ressurreto encarrega os onze “a fazer discípulos e batizá-los em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo [sic]” (28.16.19). O Batismo coloca os batizandos no raio de ação do “Espírito de vosso [seu] Pai” (10.20-3), ou seja, da presença de Deus, que está agindo neles e mediante eles pelo mundo afora (28.18-20). Conseqüentemente, quem “falar contra o Espírito Santo” – aquele que determina e impulsiona a comunidade – “não lhe será isso perdoado, nem neste mundo nem no porvir” (12.32).

c – Objetividade e afirmação no testemunho mateíno chegam a seu auge no v. 17. “Uma voz dos céus, que dizia” (v. 17a), isto é, Deus quebra seu silêncio e fala – o que apenas ocorre no fim dos tempos. O próprio Deus proclama Jesus de Nazaré. Deus se manifesta de maneira direta e exclusiva: é “este”, não há outro. Deus mesmo faz “este” (v. 17b) conhecido e reconhecido. Jesus não se autoproclama, “ele só pode ser o que Deus dele faz” (A. Schlatter). Deus é insofismável: sua eudokia (11.26) incorpora; sim, realiza-se sua epifania. O que desdobra, por assim dizer urbi et orbi, denominando Jesus de Nazaré “meu filho” (cf. Sl 2.7) amado”, mais perto do texto original: “meu filho, o único que amo” (v. 17b). O que Isaque é para Abraão (Gn 22.2,12, 16) e o que “seu filho amado, que ainda lhe restava” é para o dono da vinha (Mc 12.6 par.), assim Jesus de Nazaré é para Deus. “Em quem me comprazo” (v. 17c) remete a Is 42.1. A combinação entre Sl 2.7 e Is 42.1 leva a concluir que “comprazer” e “escolher” interpretam-se mutuamente. Deus constata que “o meu servo”, prometido a tanto tempo, está aí; “este” é Jesus – adequado, pois, à leitura no culto de Is 42.1-7, também a de At 10. 34-8. Ora, Deus em absoluto se dirige a Jesus de Nazaré, mas a todo o mundo e ao mundo todo sobre “este”. A “este” as pessoas reagem de modo diferenciado (Mt 27.37-54). Deus garante “este” – o evangelho segundo Mateus inteiro o testifica, referências são desnecessárias. Em, com e sob a pessoa de Jesus e sua obra Deus está presente e entra em campo – e em ninguém e nada mais; em, com e sob a pessoa de Jesus e sua obra a vontade de Deus é cristalina e está consumada – e em mais nada e ninguém.

Unicamente em, com e sob a pessoa de Jesus e sua obra, “os céus estão abertos”, inicia o novo éon. Eis a Boa Nova de Deus – tão-somente em Jesus de Nazaré. Mateus – dentro de seu escopo poimênico-eclesial – alteia Jesus perante a comunidade destinatária como o “espelho do coração paterno [de Deus], sem o qual nada vemos senão um juiz encolerizado e terrível” (Lutero). Exorta-a a ficar bem junto de Jesus – embora apareça só em 17.5 o acréscimo: “a ele ouvi” –, vale que ele é “a única Palavra de Deus que deve ouvir, em quem deve confiar e a quem deve obedecer na vida e na morte”, e além dele não pode ter “outros acontecimentos e poderes, personagens e verdades como fontes de sua pregação e como revelação divina” (1ª Tese da Declaração Teológica da Igreja Evangélica Alemã, Barmen, 1934). Procedendo dessa forma, a comunidade torna-se filha do “vosso Pai celeste” (5.45.9; cf. 13.38). Logo, Mateus inculca na comunidade que Deus “não pode negar-se a si mesmo [...] por isso, quando seus filhos [e suas filhas] se apartam da obediência e tropeçam, faz que sejam revocados[as] pela palavra ao arrependimento [...]. E quando tornam a voltar-se para ele em genuíno arrependimento mediante fé verdadeira, ele sempre quer mostrar o velho coração paterno a quantos temem sua palavra [veja Jr 3.1].” (Declaração Sólida)

Para o evangelista, Jesus de Nazaré não precisa ser chamado como foram os profetas do Primeiro Testamento – ele “salvará o seu povo dos pecados deles”, é “Emanuel” (1.23; 28.20) desde sua concepção (Mt 1.18.20-3). O que foi preciso era que fosse proclamado como tal em público e com voz inconfundível, e disso Deus mesmo se encarrega. Que Jesus não pode ser comparado com os profetas, e muito menos ainda com os doze, se demonstra no fato de que não recebe envio. Conseqüentemente segue a prova inicial que atesta a autenticidade de sua existência: 4.1-11. Com o que Mateus alude, em conformidade com seu afã poimênico-eclesial, ao futuro imediato da congregação dos batizados.

4. Sugestões para o culto

1 – Continuando a linha de pensamento desenvolvida até aqui, o culto não pode deixar de focalizar o Batismo (cf., em termos, PL 24, p. 67-9). Festividade é inoportuna; extremamente oportuno é encaminhar para a compenetração. Ao que corresponde implorar a Deus que nos conceda a graça da metanoia (Mt 3.2), cujo primeiro “fruto digno” (v. 8) é o empenho comunitário pela redescoberta do “Santo, Venerabilíssimo Sacramento do Batismo”: sua praxe intrépida, refletida e diferenciada, que envolve existencialmente, e sua vivência cotidiana, alegre e consciente, em nosso ambiente.

2 – Um jogral, formulado por membros, que espelha o que se entende por Batismo na comunidade, dê a devida introdução ao “tema do culto”.

3 – As orações sejam voltadas ao Batismo. A “confissão dos pecados” enumere superficialidades, desleixos e abusos em relação ao sacramento, constatados in loco et concreto, entre pais e padrinhos, presbitérios e obreiros e obreiras. A “coleta” peça a Deus por clareza, instrução e decisão em nossas brumas relativas ao Batismo a partir de sua palavra. A “oração final” rogue para que Deus providencie que a IECLB descubra o “Santo, Venerabilíssimo Sacramento do Batismo” e anime a comunidade presente a tomar iniciativas concretas e corajosas nessa direção, esboçadas na prédica, tanto em âmbito local quanto sinodal.

4 – Como hinos ofereçam-se: HPD 1, 40; 42; 96; 100; 105; 137; 177; 188. O Povo Canta, 230s.

5 – Lutero pregou 47 vezes (sic) sobre Mt 3.13-7. Em nosso meio, nos últimos trinta anos, a perícope está sendo tratada pela quarta vez (as outras abordagens encontram-se em PL X, p. 206-15 [com muitas observações valiosas no texto em pauta e nos correlatos]; XVIII, p. 57-60; XXIV [24], p. 67-9).

O enfoque a respeito do “Batismo entre nós” (veja I.s.) e as informações exegéticas e reflexões teológicas anteriores (veja III.) podem orientar a(s) prédica(s) como segue. Os pontos arrolados não querem indicar uma ordem prioritária, apenas lembrar aquilo que se deveria rebuscar, investigar a fundo e contextualizar.

a – Fomos batizados e batizadas. Que importância tem esse fato em nossas vidas? Ele nos alegra – e custa algo?

b – É determinação de Deus que nos deixemos batizar. Quem fica distante ou hesita em se submeter, de livre e espontânea vontade, ao Batismo quer superar Jesus de Nazaré. Com o que em absoluto se justifica batizar, a torto e direito, qualquer bebê. Batismo não é meio apropriado para encher os templos aos domingos ou para aumentar o número de membros. Batismo é, isto sim, meio da graça livre e poderosa de Deus.

c – Batismo provoca ruptura com o estabelecido e estratificado religioso e social, com suas regras e ideologias, com suas forças mantenedoras e defensoras. A ruptura inicia por abolir o batizar como mera celebração igrejeira e social, esperada e aplaudida, sem conseqüências eclesiais e sociais. A ruptura prossegue em envolver a comunidade toda, responsabilizando-a pela prática batismal e pelo acompanhamento dos batizandos e das batizandas. A ruptura vai adiante à medida que o Batismo constituir o critério da vida no corpo em todas as suas dimensões. Chega de “tanto faz quanto fez”, “Maria vai com as outras”, compromissos religiosos múltiplos, achar que se é cristão e cristã quando se “ama” o próximo, discutir fés, mesclar fé em Deus com nossa boa e livre vontade, misturar a vida que se imagina com a vida que Deus dá.

d – Batismo coloca-nos perante a face de Deus. Seu Espírito nos prende aí. Deus fala de si e quer que o proclamemos – e não a nós e “nossa igreja”. Deus desdobra que ele próprio está presente em Jesus de Nazaré para sempre e para todos. Desta feita destitui os mais diversos “filhos de Deus”. Quem é Deus nota-se no jeito de Jesus e em ninguém outro. A “este” nos cabe seguir no “caminho da justiça” – em gratidão e alegria. Aqui o céu está aberto, olhamos além dos horizontes da IECLB e a presença de Deus nos é garantida.

e – Batismo atrai tentação. O caráter do Batismo revela-se em meio a atribulações. Seu valor está sendo comprovado nas aflições que assolam fé e vida da gente batizada. A tentação qualifica e acera a existência dos batizados e das batizadas.


     


Autor(a): Albérico Baeske
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 1º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 17
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2004 / Volume: 30
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 23556
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