1 Timóteo 2.1-6

Auxílio Homilético

07/09/2014

Prédica: 1 Timóteo 2.1-6
Leituras: Ezequiel 34.1-10 e Marcos 12.13-17
Autor: Leonídio Gaede
Data Litúrgica: 13º Domingo após Pentecostes (Dia da Pátria)
Data da Pregação: 07/09/2014
Proclamar Libertação - Volume: XXXVIII

1. Introdução

A primeira Carta de Paulo a Timóteo impressiona pela quantidade de frases que poderiam ter aplicação prática direta num programa de formação de liderança em comunidades nos dias de hoje. A orientação sobre exercícios espirituais (4.7b), a maneira de tratar as pessoas (5.1ss) ou o perfil do bispo e do diácono (3.1ss) são conselhos que podem ser bebidos direto da fonte. Evidentemente, precisamos fazer os devidos discernimentos entre culturas e épocas distintas, como, por exemplo, em relação aos versículos 11 a 15 do segundo capítulo.

Pensando em uma atividade de púlpito, talvez seja preferível procurar um núcleo de mensagem nessa carta. Então a questão da mediação única de Jesus Cristo entre Deus e as pessoas talvez seja o destaque (2.5). Esse tema traz a questão da doutrina correta, que pode ser um ponto de abotoamento com o texto de Ezequiel. O profeta coloca as coisas em seu devido lugar em relação aos governantes. Esses são pastores, e o que cabe a um pastor fica muito explícito em Ezequiel 34.1-10. Da mesma forma, no conhecido texto do evangelho, em que Jesus responde a uma pergunta sobre os impostos ao imperador, as coisas são colocadas em seu devido lugar quando Jesus responde: “Deem ao imperador o que é dele”.

2. Exegese

Proposta de tradução: “Assim peço que, acima de tudo, sejam feitas orações, súplicas, intercessões e ações de graça por todas as pessoas, pelos reis que governam sob o domínio do imperador e por todos os que têm habilidades que lhes dão autoridade. Que seja assim para podermos viver em calma, quietude, piedade e dignidade. Isso é bom e agradável aos olhos do Salvador, que é nosso Deus, o qual quer que todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao conhecimento da verdade. Porque existe um Deus, e um humano que une Deus e os humanos, que é o humano Cristo Jesus, que deu a si mesmo como dinheiro de resgate por todos, para que isso seja testemunhado no seu devido tempo”.

A comunidade de Éfeso, que era pequena, provavelmente foi fundada por Apolo. Paulo passou por lá e depois pediu a Timóteo que continuasse a edificação (At 19). A comunidade passava por alguma dificuldade (1Tm 1.3).

O texto da prédica está nesse contexto. Ele está inserido numa unidade maior, composta pelos capítulos 2 e 3, que poderiam receber o título “O ordenamento da vida em comunidade”. Paulo expressa-o assim: “Como devemos agir na família de Deus, que é a igreja do Deus vivo” (3.15). O pano de fundo histórico parece ser o perigo do desvio dos ensinamentos de Cristo. Mesmo que isso não seja dito expressamente, podemos entender que se trata da discussão com gnósticos (4.1ss). Nessa perspectiva, as regras “como devemos agir na família de Deus” podem ser reativas a teses falsas sobre o seguimento de Jesus Cristo e a vida em comunidade, que circulavam em Éfeso.

Em nosso texto está presente a regra da “oração em favor de todas as pessoas” (v. 1). A regra traz um conceito que é central na oração, a saber, que ela inclui pedidos, intercessões e agradecimentos. É relevante que não se trata apenas de pedir por outras pessoas, mas de pedir por todas as pessoas. Dessa forma, a questão se amplia: a intercessão não é só por parceiros ausentes, mas por inimigos presentes e pessoas que não conhecem Deus. É essa a regra que inclui na oração dos cristãos a intercessão pelo imperador.

No v. 2, a questão está formulada no plural (hyper basileon). Isso acontece porque a oração dos cristãos inclui o imperador, mencionando a forma como ele se faz presente junto a eles por meio de todos os que transmitem o poder do imperador nas unidades menores reino afora. Além disso, estão incluídas na oração as pessoas que detêm autoridade (hyperoche). Aí está mencionado um segundo público-alvo da oração de intercessão. A raiz da palavra usada no texto original carrega o sentido de “ter habilidade”. Orar pelos que têm autoridade é, pois, orar pelas pessoas caracterizadas por capacidades que fazem essas pessoas destacarem-se na comunidade. A raiz do termo grego é a mesma da palavra usada para fazer a diferença entre o ensino de Jesus e o dos escribas em Marcos 1.22. Jesus ensinava com exousia, que é algo diferente de uma autoridade artificialmente concedida. Não necessariamente esse algo diferente está presente numa pessoa que é nomeada para uma função que a distingue como autoridade.

Por um lado, o tema remete a Romanos 13.1-7 e 1 Pedro 2.13-17, em que governantes pagãos são incluídos na oração dos cristãos, pois, se existem, é pela vontade de Deus que existem. Por outro lado, a segunda parte do v. 2 traz uma justificativa diferente para a oração em favor dos governantes: “para que a comunidade possa desenvolver-se em calma, quietude, piedade e dignidade”. A Bíblia Nova Tradução na Linguagem de Hoje fala em “vida calma e pacífica, com dedicação a Deus e respeito aos outros”. O Novo Testamento Grego de Nestle-Aland traz, porém, quatro palavras que podem ser traduzidas conforme sugerimos acima. Também a tradução de Lutero para a língua alemã traz quatro termos que confirmam a nossa tradução: ruhiges, stilles, Frömmigkeit e Ehrbarkeit. Nesse sentido, a razão da oração pelo imperador e seus representantes e pelas pessoas com habilidades extraordinárias é diferente de Romanos e 1 Pedro. Aqui a oração ajuda a comunidade a desenvolver-se em serenidade.

O texto apresenta ainda uma segunda razão para orar pelos que representam o imperador e por quem tem habilidades especiais na comunidade: orar assim é bom e agradável aos olhos do salvador Deus, afirma o v. 3. Ser agradável aos olhos significa ser visto e consentido expressamente. Orando assim, Deus aprovará o desenvolvimento da comunidade.

Quanto ao v. 4, parece, de início, que não há muita diferença de conteúdo entre afirmar que Deus quer salvar todos (v. 4a) e que quer que todos cheguem ao conhecimento da verdade (v. 4b). A segunda parte tem, porém, decorrência prática para a comunidade, especialmente se considerarmos que existia a influência gnóstica. Basta lembrar que essa dizia que chegar ao conhecimento da verdade não era para todos. O v. 4 fundamenta, pois, a regra comunitária da oração por todas as pessoas como princípio de salvação universal. E o v. 5, que, de início, pode parecer apenas um adendo, completa esse princípio, negando o ensinamento de que existem dois deuses: um no mundo das ideias ou do espírito e outro no mundo da prática ou da matéria. Ao contrário disso, existe um Deus que criou tudo e todas as pessoas. E, confirmando a unicidade, existe um que é intermediador e que morreu por tudo e por todas as pessoas.

3. Meditação

Simplesmente resgatar a incumbência comunitária da oração já seria semeadura sufi ciente para um culto ou seminário de liderança. Não é raro ouvir das lideranças comunitárias queixas sobre as muitas tarefas que a incumbência de levar a comunidade adiante lhes dá. Estão envolvidas com a execução de formas diferentes de arrecadação de recursos para a manutenção da comunidade. Estão envolvidas com a organização dos espaços para as diferentes programações. Estão envolvidas com o incentivo à participação das pessoas, e assim por diante. A proposta de orar, e orar muito, promover sessões estruturadas de oração, corre o risco de ser vista como uma atividade a mais. Na verdade, porém, orar é, como se diz, “botar ordem na bagunça”. Podemos dizer que a incumbência da oração deveria constar no manual de planejamento estratégico da comunidade.

Mesmo que imaginar Deus lá em cima e nós aqui embaixo não seja condizente com a realidade Emanuel (Deus conosco), aqui pode representar uma ajuda criar a imagem de que na oração traçamos o sinal da cruz. O traçado vertical nos une a Deus, e o horizontal nos une ao contexto. No traçado vertical, examinamos a nossa condição pessoal diante de Deus, e, no traçado horizontal, acontece um exame geral da situação ao nosso redor em relação a Deus. É aí que não se pode deixar de incluir o imperador e seus representantes, bem como as pessoas dotadas de dons especiais ou com algumas capacidades salientes no meio da comunidade. O traçado horizontal na imagem da cruz ou a intercessão pelo contexto, incluindo os inimigos da fé cristã ou adversários da comunidade, não pode ser compreendido como uma legitimação, em princípio, da situação. Interceder não quer dizer legitimar. A oração inclui os inimigos e adversários porque percebe todos os atores que estão no jogo de forças em desenvolvimento. É bom dizer: não se trata de legitimar atores e nem de destruí-los em nível pessoal. Trata-se, muito antes, de criar condições para que a missão se desenvolva nesse seguimento do único Deus e seu único mediador, o Cristo Jesus, que é soter (salvador, derivado do verbo sozo – resgatar de perigo). Jesus é salvador porque há perigo. Qual é o perigo? A destruição do caminho rumo ao Pai, único Deus, que ele ensinou.

Se considerarmos a universalização da intercessão como um primeiro aspecto, vamos chegar a um segundo aspecto a ser considerado: a particularidade da comunidade com o alvo de viver em calma, quietude, piedade e dignidade. À primeira vista, pode parecer bastante introspectivo para quem gosta de uma comunidade engajada na realidade circundante e com a mensagem universal da fé cristã. É necessário, porém, que voltemos nosso pensamento à pequena comunidade de Éfeso, em cuja edificação Timóteo estava. Podemos imaginar o seguinte: assim como viver em calma, quietude, piedade e dignidade é uma boa condição para que uma mãe grávida entregue ao mundo uma criança saudável, assim aquela comunidade necessitava desses quatro pilares para ser erguida. Sem dúvida, também hoje existem comunidades que necessitam de condições assim para que possam ser reedificadas sem que o contexto as absorva.

E, finalmente, meditemos sobre um terceiro aspecto. Em nosso texto, Deus é Deus único não para abrir fogo contra a concorrência, mas para democratizar o acesso ao conhecimento da verdade. Penso que, em nossos dias, existem guias e líderes equivocados, pretendendo concretizar a fé no único Deus e único mediador, tentando apresentar suas comunidades como única possibilidade. Poderíamos dizer que tentam construir cercas ao redor de suas comunidades com palitos de picolé. Paulo não propõe o isolamento da comunidade para evitar seu contágio com as falsas doutrinas circundantes. A partir da revelação de Deus em Jesus Cristo (v. 5), ele propõe a busca de uma teologia sustentável diante das ameaças presentes. Essa busca é orante, porque a oração “põe ordem na bagunça” e é inclusiva.

4. Imagens para a prédica

Proponho a mesa como imagem principal da prédica. Uma mesa pode representar a comunidade. Suas quatro pernas são calma, quietude, piedade e dignidade. Enquanto a pessoa pregadora discorre sobre cada um desses quatro objetivos de vida da comunidade, as quatro pernas da mesa vão sendo identificadas com placas contendo as palavras. As placas com as palavras quietude e piedade podem ser as mais escondidas (fixas nas pernas da mesa, voltadas para o lado que o público não vê). A visibilidade da comunidade ocorre por meio da demonstração da dignidade de vida e da calma neste nosso mundo nervoso. Quietude e piedade são coisas que a gente faz com a direita e a esquerda não vê.

Depois que a pregação criou um sentido das quatro palavras para a comunidade, passa-se ao segundo momento: a cruz do crucificado é posta sobre a mesa, significando o Deus único e Mediador único entre Deus e os humanos. Ao redor da cruz pode ser organizado um círculo de bonecos recortados em tiras de papel, em que todos estão de mãos dadas (juntadas as pontas, ficam em pé). É a comunidade orante. Repentinamente, a pregação revela um segredo para a comunidade: os bonequinhos, simbolizando a comunidade, estão de mãos dadas ao redor da cruz, mas estão com as costas viradas para o lado interior do círculo. Estão olhando a partir da cruz para o contexto.

Como terceiro passo da prédica, espalham-se, então, sobre a superfície da mesa alguns símbolos que representam o contexto pelo qual a comunidade ora. Se houver uma equipe de liturgia ou um grupo comunitário que auxiliou na preparação do culto, as pessoas podem trazer os referidos símbolos e apresentá-los brevemente.

Quem dirige a pregação deve tomar o cuidado de não encerrar o momento sem relacionar o que está sobre a mesa com o que foi falado sobre o sentido das quatro pernas: a vida comunitária em calma, quietude, piedade e dignidade.

5. Subsídios litúrgicos

Que tal trazer como versículo de acolhida Mateus 10.16? Poderia ser introduzido da seguinte forma: Neste culto em que vamos meditar sobre “como agir na família de Deus, que é a igreja”, quero saudá-los com as palavras que Jesus disse a seus discípulos quando os enviou para a missão: “Escutem! Estou enviando vocês como ovelhas para o meio de lobos. Sejam espertos como as cobras e sem maldade como as pombas” (Mt 10.16).

A oração do dia pode ser inspirada em Mateus 11.25-30.

Sugiro que versículos do texto de Ezequiel sejam lidos para encerrar a prédica, antes da confissão de fé, no sentido de ilustrar o sentido da intercessão pelo contexto.

Para a oração de intercessão sugiro que as pessoas participantes do culto sejam incentivadas a conversar durante dois minutos entre si, por proximidade nos locais onde estão sentadas, sobre as situações pelas quais devemos interceder no lugar onde vivemos.

Bibliografia

BORNHÄUSER, Hans (Ed.). Neue Calwer Predigthilfen. Ano 2, A. Advent bis Himmelfahrt. 1.ed. Stuttgart: Calwer Verlag, 1979. p. 315-322.
GNOSTICISMO. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gnosticismo


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Autor(a): Leonídio Gaede
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 13º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Timóteo I / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 6
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2013 / Volume: 38
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 28664
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