2 Coríntios 1.18-22

Auxílio homilético

20/12/1987

Prédica: II Coríntios 1.18-22
Leituras: Is 1.10-17; Lc 14.25-33
Autor: Valdir Franck
Data Litúrgica: 4º Domingo de Advento
Data da Pregação: 20/12/1987
Proclamar Libertação - Volume: XIII
Tema: Advento

 

l – Introdução

Encontramos dificuldades em precisar os adversários com os quais a atividade missionária de Paulo entra em conflito em Corinto. Ao que tudo indica são judaico-cristãos (11.22) que vêm de fora (11.4), se apresentam à comunidade e reivindicam para si estarem falando como apóstolos (11.13; 12.11). Menosprezam e minimizam tanto a pessoa de Paulo bem como o desempenho de seu ministério. Acusam este de deficiente em convicção, sem presença pessoal marcante e desprezível na fala (10.1,10).

Parece evidente que a Comunidade, mesmo já conhecendo Paulo como missionário e também como autor de cartas, está impressionada pelas atitudes destas pessoas.

Na sua condição de cidade portuária, Corinto, se tornara o lugar de encontro entre as diversas culturas e um importante centro mercantil. A diversidade religiosa também se fazia presente. O desnível social chama a atenção. É principalmente do proletariado de Corinto, daqueles que nada são, os desprezados e marginalizados, que surge a comunidade cristã (1 Co 1.26ss).

Portanto, é num contexto marcado por tensões e conflitos culturais, sociais e religiosos que é colocada em dúvida a atividade missionária de Paulo. As intenções dos adversários não nos parecem claras. A mudança nos planos de viagem não pode ser motivo suficiente para o aparecimento de desencontro entre a comunidade e o apóstolo. Antes, cremos que a semente que germinava com a comunidade poderia estar sendo incômoda. A ideologia dominante estava sendo desmascarada. Os escravos são valorizados. Eles participam da comunidade cristã (1 Co 7.21; 12.3). Esta traz à luz o conflito entre ricos e pobres (1 Co 11.17-32). Nesta ótica, até é necessário provocar desentendimentos internos. É preciso esvaziar o conflito.

II - Análise do texto

Os versículos 18-22 estão inseridos na parte onde Paulo fala de seus planos de viagem (v. 15ss). A mudança dos planos (1 Co 16.5) levantou críticas em Corinto. Consideram-no inseguro. Suas palavras seriam sim e não ao mesmo tempo. Paulo não se delonga na defesa de sua pessoa. Decisiva é sua orientação em Jesus Cristo. Nela não se deu um sim e não. Em Jesus Cristo está o claro sim de Deus e nele se cumprem todas as promessas.

V. 18: É apontada a autoridade que determina a decisão de Paulo. Ele aponta para Deus. E Paulo confia que a partir do seu ser em Cristo ou estar em Cristo* (v. 22) há também nele autenticidade. A referência a Silvano e Timóteo quer enfatizar que também em sua proclamação vale o mesmo, pois testemunham o mesmo Cristo. Assim, Pauto evita falar somente a partir de suas próprias experiências.

V. 20: Jesus Cristo é o sim de Deus. Pauto pensa com certeza nas promessas veterotestamentárias, as quais falam da nova aliança (cf. 2 Co 3.12ss.; Gl 4.4ss.). No cumprimento dessas promessas fica claro que Deus mantém sua palavra. A comunidade confirma aquilo que Deus confirma em Jesus Cristo. O amém é expressão de uso litúrgico nos cultos. Paulo salienta que o amém da comunidade já é atuação de Cristo (1 Co 12.3b) e este amém expressa louvor a Deus.

VV. 21-22: Na dádiva do Espírito Santo, Deus torna a Cristo e a comunidade numa unidade. Paulo e a comunidade têm parte neste sim, o qual foi prometido em Jesus Cristo. É o próprio Cristo que mantém firme a relação entre Paulo e a comunidade. Assim, vivem em Cristo (Gl 2.20), pertencem a ele, e o batismo é o selo que os une a Cristo (1 Co 12.13; Gl 3.26ss.). No ato de pronunciar o nome de Cristo no batismo, tomam-se sua propriedade. Neste ato é obtida a dádiva do Espírito Santo.

Vv. 20-22: Estes versículos querem mostrar que também para Paulo é inconcebível um sim e não ao mesmo tempo. A partir do momento em que ele vive no discipulado de Jesus Cristo, suas palavras e ações estão fundamentadas neste claro sim de Deus.

Concluindo a análise do texto, vemos que sua importância, seu conteúdo básico, reside no grande sim de Deus em Jesus Cristo.

Ill - A resposta ao sim de Deus

Ainda hoje continuamos na afirmação, na confissão de que em Jesus Cristo acontece o sim decisivo e definitivo de Deus à humanidade. Isto é algo indiscutível. Nesta afirmação há consenso. Todos que se denominam cristãos são unânimes neste conceito. E, realmente, nele reside a questão-chave: aceitamos ou negamos o sim de Deus dado em Jesus Cristo.

Até aqui não encontramos dificuldades. Afirmações genéricas favorecem consenso. Elas projetam um mundo ideal. Porém, tendem a um ideal a-histórico, desvinculado das lides diárias. Fogem, esquecem as (orças que realmente são determinantes na condição de sociedade. Nesta ótica, é fácil e cômodo dizer e confessar que Jesus Cristo é o grande sim de Deus, e que nele está manifesto o amor de Deus a todas as criaturas. Faremos um lindo discurso, uma pregação comovente e empolgante. Seremos queridos por todos ao mesmo tempo, sejam eles ricos ou pobres, patrões ou empregados. E ainda estaremos convencidos de que respondemos bem ao grande sim de Deus. Eis uma tentação perigosa!

Mas, afinal de contas, quem ê este Deus que se manifesta decisivamente em Jesus Cristo?

Não podemos desvincular a resposta a essa pergunta sem considerar os acontecimentos decisivos onde Deus se tem manifestado na história. No Antigo Testamento, o evento decisivo na história de Israel foi o êxodo. Através dele, Deus se revelou como o libertador de um povo oprimido, de um povo escravo. Ali Deus se revela por meio de seus atos a favor de um povo fraco e indefeso.

No Novo Testamento nos é testemunhado que Jesus Cristo continua na leitura do tema da libertação dos pobres, fracos e indefesos (Lc 4.18-19; Is 61.1-2). E é na cruz deste Jesus que Deus revela o seu poder. Identifica-se ao extremo com as coisas fracas, aquelas que nada são (1 Co 1.26ss.).

É necessário ter presente estes conteúdos básicos acima referidos (êxodo-cruz). Somente assim, compreendemos com maior profundidade quem é Deus e como se revela. Pois é nestes conteúdos que reside a seta que aponta o caminho para o exercício do discipulado. E, em consequência, a eficácia de nossa resposta ao sim de Deus em Jesus Cristo. Sem esta seta, corremos o risco de negá-lo em nosso discipulado, apesar das nossas boas intenções.

Sabemos que não são somente estas que movem a sociedade em que vivemos. Neste caso, cremos que não teríamos esse desequilíbrio, esse desnível social gritante. Não teríamos milhões de pessoas na miséria e, por outro lado, uma minoria vivendo regaladamente. Ao falarmos do Deus do êxodo e da cruz, não podemos negligenciar que uns controlam a terra e seus frutos, a máquina e seus produtos. Outros estão reduzidos a vender seu trabalho para criar frutos e produtos. Existem pobres, porque seu fazer é adquirido por alguns poucos ricos. Decisivo é, pois, o trabalho. Já que este em sua forma elementar, é desenvolvido pelas mãos, pode-se dizer que tanto as coisas quanto a sociedade passam pelas mãos. Através delas alguém é feito pobre e outro se faz rico. Esta desigualdade entre dominados e dominantes perpassa todos os setores da vida, experiências do corpo e manifestações do espírito (Schwantes, p. 1 e 2).

IV - Avaliando a prática de cada dia

Não nos parece fácil uma avaliação objetiva de nossa prática diária. Como IECLB, procuramos desincumbir-nos da responsabilidade que nos cabe na resposta ao grande sim de Deus dado em Jesus Cristo. Buscamos um compromisso missionário que seja coerente. Apesar de alguns sinais promissores, não podemos esquivar-nos de nossa ineficácia constante. Isto se reflete tanto a nível de estrutura (instituição) como na base (comunidades).

Precisamos abrir-nos com maior liberdade ao Espírito do Deus verdadeiro que sopra a partir da periferia, dos escravizados e crucificados de nossos dias. Êxodo e cruz são conteúdos centrais de nossa missão. Sem referência a estes dois acontecimentos será impossível missão autêntica.

Permitir que os conteúdos acima mencionados dêem a direção de nossa atividade diária é decisivo. No ministério pastoral, como nos demais ministérios, mesmo os ainda não reconhecidos pela IECLB, somos mensageiros/as, porta-vozes do sim de Deus. Anunciar este amor de Deus de forma genérica, sem situá-lo e concretizá-lo a partir da mensagem, da periferia, é cômico e incoerente.

É o que também nós tantas vezes preferimos. Pessoas, comunidades adoram pastoras e pastores que assim exercem seu ministério pastoral. As autoridades constituídas, detentoras do poder, e grupos econômicos que favorecem e ajudam na manutenção do status quo têm em alta estima lideranças de comunida¬des e grupos que assim atuam. Pois, agindo assim, servem muito bem à ideologia da classe exploradora e, consequentemente, na perpetuação do seu poder.

Precisamos admitir que o exercício de nosso ministério tantas vezes tem sido uma negação daquele Deus que liberta escravos e que dá seu próprio Filho como demonstração extrema de seu amor. Dizemos sim, mas fazemos não. Também em nossas comunidades há muitas dificuldades para um firme e decisivo sim como resposta ao claro sim de Deus. Urge que seja concretizada esta tarefa entre nós. Temos que buscar ser comunidade desse Cristo a partir daqueles que nada são. A partir daqueles que não contam. Descer do nível das ideias e caminhar junto aos marginalizados de hoje (lavradores/as, meeiros, bóia-fria, indígenas, posseiros, negros, prostitutas, etc.), é a proposta, é o convite. Isto implica em abdicar de inúmeras regalias e do comodismo que nos são proporcionados em tantas paróquias. Só pregações não são suficientes. Muitas pessoas poderão até sensibilizar-se com a dor alheia. Poderão até concordar com nosso palavreado bem elaborado e corretamente estruturado. Mas no máximo conseguiremos tocar de leve o coração dos ouvintes. Eles até concordarão em destinar a coleta para alguma assistência social. Mas as estruturas de opressão permanecerão as mesmas.

Temos uma importante contribuição a dar e a receber nas organizações populares que buscam a transformação a partir de baixo. Nossa experiência eclesial deve ir além dos limites impostos por confessionalidade, doutrina, estrutura eclesiástica, etc.

Movimentos populares específicos, grupos de sem-terra, associações, sindicatos autênticos convertem-nos ao Cristo-Sim de Deus. Elas enriquecem a nossa experiência na caminhada como povo de Deus.
Pistas para a prédica

Advento aponta para a estrebaria. Em meio ao esterco de animais acon¬tece o grande sim de Deus. Ali nasce Jesus Cristo. Aquele que mais tarde inaugu¬ra a sua missão, dizendo: O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres (Lc 4.18-19). Portanto, Deus faz história a partir da periferia, da margem. Não nos resta outra alternativa a não ser que sejamos igreja/discípula a partir desta opção de Deus na história.

No discipulado, na missão, precisamos estar atentos às consequências práticas deste sim de Deus em Jesus Cristo. A partir de alguns exemplos, refletir a distância existente entre a teoria e a prática no discipulado. Alertar para o perigo de uma resposta genérica, desencarnada, a-histórica, desconsiderando os eventos do êxodo e da cruz. Chamar a atenção para o perigo de negarmos o amor de Deus quando acomodamos explorador e explorados sob o falso manto da igualdade e quando não permitimos que o amor divino fale alto e tenha consequências práticas na vida familiar ou comunitária e social.

Desafiar a comunidade para uma análise e estudo dos diversos mecanismos usados pela ideologia dominante a serviço dos interesses de uma minoria abastada (também o uso da religião!). Por outro lado, motivar na busca de alternativas e meios que possam favorecer sinais concretos de uma sociedade mais fraterna.

Temos no próprio Batismo a motivação para esta busca. Deus dá seu sim. Nos torna seus filhos e filhas. Movidos por este sim buscamos formas concretas de atuação que visem estabelecer justiça social. Apoiar e participar de movimentos populares, de sindicatos autênticos, etc. serão caminhos ou formas que ajudam a responder ao grande sim de Deus em Jesus Cristo, mais uma vez lembrado e celebrado neste período de Advento e Natal que se aproxima.

VI - Subsídios litúrgicos

1. Intróito: Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.

2. Confissão de pecados: Senhor, Deus, que demonstraste teu amor por nós em teu Filho Jesus Cristo. Confessamos que constantemente tratamos com desprezo este amor. Até falamos muito de ti, mas te negamos em tantos momentos na vida de cada dia. Parece que nos acostumamos em dizer que és Senhor. Porém, nos afazeres diários não permitimos que sejas, de fato, nosso Senhor. Egoísmo, ganância, orgulho nos afastam de ti. Assim não somos livres. Ficamos sem forças para lutar por um mundo mais justo e fraterno. Liberta-nos pelo teu perdão! Por isso te pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!

3. Anuncio da graça: Nisto se manifestou o amor de Deus em nós, em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele.

4. Leitura bíblica: Is 1.10-17; Lc 14.25-33

5. Assuntos para oração final: Agradecer: pela Palavra que nos renova como pessoas e comunidades e nos motiva ao compromisso junto aos escravos e marginalizados em nosso contexto social. Pedir: para que em nosso testemunho haja coerência entre teoria e prática; para que o grande sim de Deus sempre de novo nos possa inquietar e libertar para uma atuação missionária que seja definida a partir da periferia, da margem, do resto da nossa sociedade. Interceder: pelos escravos e marginalizados que podem estar sentados ao nosso lado e ao lado de poucos abastados que sustentam nosso trabalho nas paróquias; pelos explorados, pelos que vendem sua força de trabalho para enriquecer a outros; por todos os movimentos populares que lutam por uma sociedade mais justa e fraterna; pelas pessoas que sofrem e não são compreendidas em nossas comunidades por se engajarem decisivamente em movimentos populares que visam o bem-estar coletivo; pelas pessoas que silenciosamente lançam sementes do Reino de Deus, mesmo que passem desapercebidas por todos nós; petos trabalhos nos grupos de senhoras, jovens e crianças de nossas comunidades para que visem uma trans-formação social.

VII – Bibliografia

- BRAKEMEIER, G. A primeira carta aos Coríntios. São Leopoldo, 1973. (polígrafo).
- CONE, J. H. O Deus dos oprimidos. São Paulo, 1985.
- LOHSE, E. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo, 1980
- SCHWANTES, M. A questão do lugar vivencial na exegese bíblica. São Leopoldo, 1982. (Polígrafo).

Proclamar Libertação 13
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Valdir Franck
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 4º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 18 / Versículo Final: 22
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1987 / Volume: 13
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 11398
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Que todo o meu ser louve o Senhor e que eu não esqueça nenhuma de suas bênçãos!
Salmo 103.2
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