2 Coríntios 6.1-13

Auxílio Homilético

24/06/2012

Prédica: 2 Coríntios 6.1-13
Leituras: Jó 38.1-11 e Marcos 4.35-41
Autor: Humberto Maiztegui Gonçalves
Data Litúrgica: 4º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 24/06/2012
Proclamar Libertação - Volume: XXXVI

1. Introdução

Os textos indicados para este domingo mostram diversos contrastes. Há contrastes entre as dúvidas de Jó e as perguntas de Deus (Jó 38.1-11). Há contrastes entre a angústia dos discípulos no meio do temporal e a calma de Jesus (Mc 4.35-41). Finalmente, no texto da prédica, há contrastes entre a indignidade com a qual eram tratados os apóstolos e os frutos do evangelho (2Co 6.1-13). Contraste não é necessariamente uma incompatibilidade; pelo contrário, segundo o dicionário, trata-se da “oposição entre coisas ou pessoas, uma das quais faz sobressair a outra”1. Portanto as imagens ou atitudes contrastantes nesses textos têm por finalidade deixar mais evidentes as diferentes facetas e personagens que compõem o quadro.

As perguntas de Deus para Jó não desvalorizam o sofrimento e a angústia da personagem. Pelo contrário, Deus “compreende” Jó, no sentido de que o abraça, convidando-o a aprofundar sua visão e a estendê-la, olhando para as bases e para os limites da criação. No Evangelho segundo Marcos, Jesus não ignora o perigo – depois de tudo ele está no mesmo barco. No entanto, sua atitude contrastante mostra o significado de sua presença redentora e libertadora em meio às dificuldades da vida humana. O mesmo acontece quando o apóstolo Paulo mostra o caráter vital, pacificador e transformador do evangelho em meio a uma realida-de carregada de preconceito, exclusão e desprezo.

2. Exegese

A Segunda Carta aos Coríntios apresenta-se como uma compilação de fragmentos ou pequenas cartas, algo semelhante ao que acontece com a Carta aos Filipenses. José Comblin – in memoriam – aponta quatro partes:

a) 1.1-2.13+7.5-16: chamada de Carta da Reconciliação;

b) 2.14-7.4: chamada de Carta da Apologia;

c) 8-9: chamada de Carta de Serviço aos Pobres;

d) 10-13: chamada de Carta de Loucura.2

Diversos autores apontam para a particularidade do conjunto 6.14-7.1, que é indicado como uma primeira carta do apóstolo, que foi perdida (cf. 1Co 5.9)3, ou como o centro da primeira parte da epístola, rodeado por dois invólucros: um interno (2.14-6.13+7.2-4) e outro externo (1.8-2,13+7.5-16)4.

Alguns questionamentos podem ser feitos à delimitação do texto proposto para a prédica: 6.1-13. Os comentários apontam para problemas em ambos os extremos da perícope. Segundo Comblin, 6.1-2 apresenta-se como uma conclusão da epístola anterior, e os versículos 6.11-13 parecem ser uma nova conclusão5. Em 6.1-2, pelo menos um termo em grego parece remeter à perícope anterior: parakaloumen. Esse termo, que pode ser traduzido como “exortamos” ou “rogamos”, aparece tanto em 5.20 (parakalountos) como nesse versículo. Sendo assim, 6.1 seria o final da exortação à reconciliação da perícope anterior. O versículo 6.2, por outro lado, inicia com a palavra grega legei, isto é, ele/a disse, referindo-se claramente às Escrituras (Is 49.8). O assunto da salvação, presente na citação final, remete-nos novamente à questão da reconciliação, e não ao discurso apologético que segue nesse capítulo.

Por outro lado, o caráter apologético do texto, a partir de 6.3, também o vincula a outros textos dessa carta. Segundo explica Comblin, 6.3-10 praticamente repete 4.7-12. Além disso, dos seis termos usados em 6.5 (açoites, prisões, tumultos, trabalhos, vigílias e jejuns) cinco (trabalhos, açoites, prisões, vigílias, jejuns) encontram-se em 11.23-27.6

Será que devemos ler esse texto como mais uma apologia paulina na qual, como diz esse mesmo autor, “Paulo universaliza seu problema particular”, sentindo que “no seu caso (...) está implicada a própria concepção do evangelho”?7 Certamente essa é uma possibilidade hermenêutica bem segura; no entanto, parece-me que o texto e a vida nele contida oferecem-nos muito mais.

Se olharmos a partir dos contrastes, chama a atenção, por exemplo, a alternância entre “vós” e “nós”. Esse “jogo” é diferente nesse texto do que em 4.12 e 5.13, onde, segundo Quesnel, “a oposição é tão claramente marcada que o segundo não pode, em caso algum, ser incluído no primeiro”8. No caso de 6.3-10, há uma transição “nós-vós-nós”, de maneira que o contraste acaba gerando a inclusão final de “vós” em “nós” (seguindo o esquema do ministério da reconciliação, que se apresenta a partir de 5.14)9. A unidade observada por Quesnel é o que nos permite, nesse caso, incluir 6.1-2 dentro de uma hermenêutica que poderíamos chamar de “apologética da reconciliação” ou, como apontamos desde o começo, um contraste cuja função é destacar a unidade do conjunto e não apenas separar as partes. Outra característica importante no conjunto do texto é o uso das expressões “ministério” (diakonia) e “ministros” (diákonos) em 3.6; 8.9; 4.1; 5.18 e 6.3-4.

3. Meditação

Vamos primeiramente olhar para os contrastes e nuances que oferece o texto de prédica, partindo de 1Co 6.3-10 para alcançar sua conclusão (6.11-13) e entender sua ligação com a “Carta da Reconciliação” a partir de 6.1-2.

O primeiro contraste, em 6.3, é dado pela tensão com a “ofensa” (proskopen). Duas negações precedem a ofensa (“de modo algum” e “ninguém”), gerando o contraste entre ofensa e não ofensa. Essa expressão não é a mesma que “escândalo”, mas se aproxima do sentido de “tropeçar”, presente em Jo 11.9s. O verdadeiro ministério apostólico contrasta com ofensa ou tropeço, para quem esse ministério serve como “diaconia”. Portanto, é por meio desse contraste que os “ministros” são vistos como participantes do “ministério”, mesmo diante de tribulações e sofrimentos (6.4-7).

Em 6.6-7, há a introdução dos contrastes. Se, por um lado, essas pessoas que exercem o ministério “antiofensa” sofrem todo tipo de ataque e ofensa à sua dignidade, são capazes, pela ação do Espírito Santo, de transmitir o oposto, contrastando por meio da pureza ou sinceridade (cf. 11.3), do conhecimento, da paciência/longanimidade/perseverança/firmeza, da bondade/retidão/generosidade, do amor não hipócrita (literalmente), da palavra de verdade, no poder de Deus por intermédio dos instrumentos/ferramentas da justiça. Logo, em 6.8-10, há uma dinâmica maior de contraste, colocando lado a lado a glória oferecida e a desonra recebida; diante das calúnias recebidas, as palavras de reconhecimento; tratados como enganadores e sempre sendo verdadeiros; tratados como desconhecidos, mas sendo bem conhecidos.

Os contrastes já estão presentes no contexto da comunidade de Corinto: notoriamente dividida por classes sociais, com preconceitos diversos e sendo receptora das mensagens de diversos “apóstolos”, que atacaram o ministério do apóstolo Paulo.10 No entanto, esses contrastes não revelavam o sentido do evangelho; pelo contrário, às vezes escondiam a ação do Espírito Santo, deturpavam a verdade solidária de Cristo e igualavam a fé transformadora ao contexto opressivo e excludente da sociedade. A oposição dos açoites, prisões, tumultos, trabalhos, vigílias e jejuns contra pureza, conhecimento, paciência, generosidade, amor sincero, palavra de verdade e justiça; é o verdadeiro contraste que revela o poder de Deus e o sentido último da proclamação e da prática evangélica.

A passagem de “nós” (apóstolos que se entregam totalmente à missão do evangelho de Cristo) para “vós” (pessoas que vivem nesse tipo de organização social antievangélica, sendo vítimas e multiplicadoras de seus males) e para um novo “nós” (onde todas as pessoas descobrem o poder do evangelho e participam como comunidade de fé da tarefa apostólica da transformação da morte em vida) mostra o verdadeiro contraste promovido pelo evangelho.

Fica para nós fazermos uma análise semelhante entre os contrastes que promovem a morte e os verdadeiros contrastes que somos chamados a proclamar e a viver em nossas comunidades de fé.

4. Imagens para a prédica

Podemos falar/mostrar os contrastes contrários ao evangelho: açoites – estatísticas e/ou notícias sobre tortura; prisões – desumanização, drogas e outras dependências; tumultos – violência no futebol, manifestações socioculturais, repressão a mobilizações populares etc.; trabalhos – o trabalho escravo, o trabalho infantil, o trabalho em condições inadequadas, a informalidade e o subemprego; vigílias – saúde pública, pessoas que moram nas ruas, incêndios e desastres; e jejuns – fome, subnutrição, exclusão da terra etc.

Por outro lado, temos os contrastes do evangelho: pureza – nas crianças, na oração, no testemunho de pessoas idosas, nas pessoas discriminadas por qualquer razão; conhecimento – nos estudos bíblicos, nas escolas, na catequese, na teologia, no diálogo entre igrejas e religiões; paciência – no acolhimento e aconselhamento cristão, na esperança diante de adversidades; generosidade – em todas as práticas solidárias e diaconais da igreja, na contribuição com trabalho, tempo, talentos e tesouros para o desenvolvimento da missão; amor sincero – no perdão que recebemos de Deus e que partilhamos superando ódios e quebrando barrei¬ras; palavra de verdade – na prédica e em todas as formas de proclamação do evangelho; e na justiça – na participação nas lutas por justiça, paz e integridade da criação, na caminhada junto aos movimentos e organizações populares, na defesa dos direitos humanos e do direito dos povos.

5. Subsídios litúrgicos

Um contraste que pode funcionar bem, principalmente em celebrações noturnas, é conseguido apagando as luzes da igreja e usando velas. Para aproveitar isso, poder-se-ia iniciar o culto com as luzes apagadas e entrar em procissão com velas, não apenas pelo centro da nave da igreja, mas de diferentes direções, encontrando-se no altar (tudo acompanhado de um canto apropriado).

Outro bom momento para trabalhar contrastes é o da confissão/absolvição. A confissão poderia ser feita da seguinte forma:

Confessamos a tortura e toda forma de violência de que participamos ou diante das quais nos omitimos; queremos nos reconciliar e encontrar com Jesus a generosidade e o amor sincero...

Na absolvição, poder-se-ia seguir a seguinte forma:

O Senhor nos perdoe e liberte de todos os nossos pecados, falhas e omissões e que “a união vença a divisão, o perdão sare a culpa e a alegria conquiste o desespero”11.

Finalmente, no ofertório, poderiam vir (de um lado da nave do templo) pessoas com pratos vazios, símbolos de violência, morte, discriminação e (do outro lado) pessoas com pão, bandeiras ou símbolos da paz, símbolos de vida e inclusão e encontrar-se e abraçar-se na frente da mesa eucarística.

Notas:

1 Disponível em: http://www.dicio.com.br.
2 COMBLIN, José. A Segunda Epístola aos Coríntios, p. 9.
3 Idem, p. 13.
4 QUESNEL, Michel. As Epístolas aos Coríntios, p. 39.
5 COMBLIN, José. A Segunda Epístola aos Coríntios, p. 95.
6 Idem, p. 95-97.
7 Idem, p. 19.
8 QUESNEL, Michel. As Epístolas aos Coríntios, p. 44.
9 Idem, p. 42.
10 COMBLIN, José. A Segunda Epístola aos Coríntios, p. 9-13.

11 LIVRO DE ORAÇÃO COMUM IEAB. Santo Matrimônio, p. 188.

Bibliografia

COMBLIN, José. Segunda Epístola aos Coríntios. Comentário Bíblico NT. São Leopoldo/São Bernardo do Campo/Petrópolis: Sinodal/Imprensa Metodista/Vozes, 1991.
QUESNEL, Michel. As Epístolas aos Coríntios. São Paulo: Paulinas, 1983.


 


Autor(a): Humberto Maiztegui Gonçalves
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 4º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2011 / Volume: 36
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25583
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