A contribuição financeira e o culto da comunidade

01/06/2005

Cenário

Uma mesa coberta pelo cobertor (feito com retalhos de 20x20cm). Sobre a mesa, um vaso com flores e um cesto com alimentos (frutas, verduras, um pão), o cálice, a jarra e uma vela acesa.

Canto
Ó Pai, te agradecemos pelo vinho e pelo pão (Miriã)

Introdução
 È com grande alegria que recebi e aceitei o convite para falar nesse fórum. Esta é a primeira vez que dou um retorno à IECLB sobre a pesquisa que realizei, com seu apoio.
E isso me alegra de forma especial.
 Não sei se o que vou lhes trazer vai aliviar vocês. Acho que não. Vou apontar pistas no caminho, mas penso que pode aumentar o trabalho. Entretanto, não podemos esquivar-nos disso.
Achamos a raiz do recolhimento de ofertas no culto na prática litúrgica e diaconal das primeiras comunidades. Essa história esteva soterrada, entre outras coisas, por interpretações dadas a textos bíblicos que testemunham sobre a vida das primeiras comunidades. Assim, há que se resgatar o verdadeiro sentido e a história real desses textos.
Como ponto de partida, trago-lhes três pequenas observações ou histórias.
1. É curioso que a capela da EST encontra-se exatamente no mesmo local que o refeitório. A capela encontra-se no segundo, e o refeitório está no primeiro piso. Nesse refeitório, nas primeiras décadas de funcionamento da então Faculdade de Teologia, foram servidas as refeições aos estudantes de teologia, pessoas que se preparavam para o exercício do pastorado na IECLB. Não sei se o arquiteto e o engenheiro que trabalharam na obra fizeram isso com algum objetivo. Essa é, entretanto, uma feliz coincidência, porque liturgia cristã tem tudo a ver com comida, com refeições, com alimentação. Comunhões de mesa tem tudo a ver com comunhão de fé e comunhão eucarística.
2. Uma preocupação compartilhada pelo colega Martini acompanhou-me durante muito tempo em minha pesquisa. Numa reunião, quando ele ainda era pastor em Esteio/RS, ele disse que se perguntava com o que poderia fazer com as pessoas, em elevado número, que se achegavam semanalmente à casa pastoral, pedindo comida, dinheiro, medicamentos. A igreja e a casa pastoral em Esteio ficam relativamente no centro da cidade, e quase diariamente, vinham pessoas para pedir ajuda. Inicialmente, Martini ajudava com comida, e até com dinheiro da sua própria subsistência, mas isso passou a pesar-lhe. Além disso, verificava que ele tinha grandes chances de equivocar-se porque ideal seria que essas pessoas fossem visitadas, para conferir se o que ela dizia era verdade. O que fazer com os pedintes que vêm à igreja para pedir socorro? - era a questão.
3. No culto semanal da EST esta semana, a oferta estava destinada para a ADL - Associação Diacônica Luterana/ES. Um estudante que estudou lá até o final do ano passado, fez a motivação à oferta. Ele contou, de viva voz, sobre o trabalho da ADL, sobre as atuais dificuldades, sobre o valor que a instituição teve em sua vida e tem ainda hoje na vida dos estudantes e suas famílias. Ao final do culto, a colega pastora compartilhou que dobrou sua oferta depois daquele depoimento. O encontro direto com as pessoas que podem falar sobre o trabalho que está sendo realizado, esse encontro mobiliza pessoas, mobiliza recursos.

As comunhões de mesa de Jesus
Ao lado da minha pesquisa, o colega pastor Rodolfo Gaede Neto examinava as comunhões de mesa no ministério de Jesus, com resultados relevantes para a compreensão do tema com que eu estava me ocupando: a unidade de liturgia e diaconia. O tema da comensalidade de Jesus é um tema próprio e um texto do Rodolfo sobre o assunto foi publicado na última Tear - liturgia em revista. Vou fazer aqui alguns destaques. A pesquisa exegética e histórica do Rodolfo confirma que os estudos do NT que temos em nossas bibliotecas, também as caseiras, acumulam uma enorme dívida sobre o tema das comunhões de mesa de Jesus. Esse tema não é algo secundário nos Evangelhos, mas sim, um dos mais centrais. A comunhão de mesa é tema recorrente no ensino de Jesus, na história do convívio que Jesus proporcionou a pessoas, famílias e multidões, e é na imagem de um banquete que Jesus encontrou a analogia para o Reino por ele sonhado e inaugurado. A mesa que Jesus fomentou foi uma mesa aberta, que sacia a fome de pão e a sede de comunhão (expressão cunhada por Rodolfo), uma mesa que promove a igualdade, a reconciliação de povos e religiões, a superação de obstáculos culturais, eclesiais, sociais, políticos, econômicos e religiosos.

A comunhão de mesa é como que a marca registrada do ministério do Jesus. A chamada 'última ceia' foi, sim, a última de muitas comunhões de mesa com Jesus. Não foi, portanto, por acaso que Jesus fez da comunhão à mesa o seu memorial, o memorial de sua vida, morte, ressurreição, de seu imenso amor pela humanidade. O gesto de tomar o pão na mão, agradecer por ele, parti-lo e entregá-lo para os comensais era tão conhecido, que os discípulos à mesa com o Ressurreto Senhor em Emaús, o reconheceram no gesto. Vamos ler em Lc 24.30-31.

Rodolfo extrai conclusões sobre o tipo de comunhão de mesa que Jesus ofereceu às pessoas: a mesa do Senhor é uma mesa aberta, que acolhe pessoas estigmatizadas, onde os comensais exercitam a aceitação, a igualdade, a reconciliação, a comemoração da vida, onde ninguém é mais, ninguém é menos, isto é, não se consolida nem se distribui privilégios. Jesus, entretanto, lembra que pessoas podem auto-excluir-se da comunhão (como o filho mais velho no banquete ao irmão pródigo), que pessoas podem fechar-se para a comunhão que advém da partilha (como o rico que não permite que a comunhão de mesa se realize com o pobre Lázaro).
A Ceia do Senhor é o memorial, no qual Jesus, o próprio Deus, serve a todos, igualmente, matando sua fome de pão e sua sede de comunhão.

Fundamentos bíblicos que testemunham a unidade de diaconia e culto cristão
A reunião diária dos cristãos ao redor da mesa está registrada biblicamente. Ela teve o mesmo objetivo: saciar a fome de pão e a sede de comunhão. Essa reunião foi chamada, entre outros nomes, de ágape, palavra grega que significa amor. Imagens muito antigas registradas em catacumbas testemunham sobre esta forma de liturgia.

Não é de estranhar que as primeiras comunidades deram continuidade às comunhões de mesa de Jesus. Elas realizavam a refeição saciatória eucarística no seu seio. O objetivo dessas reuniões com refeições era o de promover a igualdade, exercitar a justiça. 

Dentre os textos bíblicos relevantes que testemunham essa reunião, destaque-se:
a) 1Co 11.17ss. É premente que este texto seja recuperado exegética, teológica e liturgicamente. É, sem dúvida, o texto mais antigo e o de maior autoridade que atesta a prática do ágape na sua forma original: uma refeição saciatória eucarística. A interpretação equivocada dessa perícope acentua exatamente o oposto do seu conteúdo mais central: a dimensão comunitária e diaconal da Ceia do Senhor.
Paulo admoesta veementemente a comunidade de Corinto, explicitando que as suas reuniões, ao invés de promover igualdade, causavam separações, fragmentação, cismas, o que tornava-a um espelho da sociedade de então, cheia de contrastes e divisões. A ceia saciatória eucarística, inspirada nas comunhões de mesa de Jesus, tinha o objetivo de promover a igualdade, superar os desníveis econômicos e a injustiça.
Os versículos 28 e 29 precisam ser compreendidos no seu teor original. Caso contrário, é exatamente ali que se perde o caráter diaconal e comunitário da Ceia do Senhor.
No v. 33, encontramos a escala ascendente do que representou concretamente a falha na partilha: pessoas ficavam fracas, depois doentes, e muitas, morriam. Para quem quer aprofundar o estudo deste tema, sugiro um artigo que se encontra em Estudos Teológicos, ano de 1996 .
b) At 2.41ss. Também este texto atesta sobre os ágapes. Atenção, vamos iniciar pelo versículo 41. A delimitação dessa perícope, muito posterior ao texto original, ofusca um conteúdo importante: a comunidade dos que eram batizados mantinha a tradição de reunir-se ao redor da mesa da palavra e da mesa eucarística.
A partilha de bens espirituais e materiais não acabou logo a seguir, como alguns historiadores afirmam. Essa partilha foi, isso sim, um ponto estável na liturgia e vida da comunidade, não só na comunidade de Jerusalém, mas nas comunidades cristãs que se formaram e se organizaram, seja lá onde fosse. O cuidado pelos presos, o zelo pelos idosos, pelas mulheres vítimas de violência, pelos órfãos e viúvas era uma parte inerente da vida comunitária das comunidades.
O que chama a atenção é que foi na reunião dos cristãos e a partir dela (da reunião litúrgica) que as comunidades implementavam sua ação diaconal. Com aquilo que reuniram ali na reunião, os batizados exercitavam a solidariedade.
c) 2 Co 8-9, Rm 15.25-32; Gl 2.1-10. Observe-se quão grande espaço é dedicado à oferta levantada em favor da comunidade pobre de Jerusalém nos escritos paulinos. Mas porque isso é tão importante para Paulo?
O apóstolo usa essa oportunidade para tratar a teologia da partilha. Nessa coleta cumpria-se o acordo, firmado no chamado 'Primeiro Concílio dos Apóstolos' e selado pelo aperto de mãos: as comunidades mais abastadas economicamente seriam solidárias para com as comunidades necessitadas (Gl 2.9-10). O objetivo principal da oferta está descrito, por duas vezes, em 2Co 8.13-14: para que haja igualdade e outra vez em Gl 2.9-10. As comunidades cristãs eram, assim, células de resistência, fomentando outra forma de comunidade, sem os contrastes e desníveis que davam status e separavam as pessoas.
A oferta em favor da comunidade pobre de Jerusalém tornava visível e possível a koinonia e a diakonia. O compromisso recíproco, que implica partilha de bens materiais, é um caminho legitimamente evangélico (do Evangelho).
Paulo usa uma forma interessante de motivação à oferta. Porque ofertar? Porque temos o exemplo em Jesus, que se fez pobre, para enriquecer a todos nós (2Co8); porque a doação de uma comunidade serve de incentivo para outra comunidade também engajar-se.
Quero destacar ainda outra dobradinha de palavras que aparece no texto de Paulo sobre a coleta. Em 2Co 8-9, Paulo usa as palavras 'generosidade' e 'justiça' . A partilha de bens não é primordialmente uma questão de bondade, mas é uma questão de justiça. O cristão vê na partilha um caminho para exercitar a justiça. Observe-se ainda que o termo que designa a total falta de consideração para com outras pessoas aqui no texto é 'avareza' (2Co 9.5).

O ágape: unidade de diaconia e culto cristão
Quando lemos sobre as primeiras comunidades, ficamos entusiasmados. Elas foram comunidades diaconais.
O ágape não é mero detalhe da vida litúrgica das primeiras comunidades. Ele é, isso sim, a própria forma do que hoje denominamos culto, a sua instituição maior, organizada e prevista. A partir do ágape, as comunidades saciaram 'famintos de pão e sedentos de comunhão'; reuniram recursos para amparar pessoas que passavam necessidade; planejaram sua ação diaconal intra e extra-eclesial, organizando a diaconia da adoção, a pastoral carcerária, o trabalho de sepultar náufragos; mantiveram o trabalho com visitação domiciliar e a hospícios, e, não por último, forjaram o diaconato como ministério da igreja cristã.
O ágape é a prova inequívoca e o testemunho mais eloqüente da unidade de diaconia e culto cristão. Nessa unidade, as ações comunitárias e solidárias estão amarradas, unidas, amalgamadas com a vida cultual. Quando essa unidade (liturgia e diaconia) se rompeu, ambas perderam. O culto perdeu, pois afastou-se de explicitar a essência diaconal do cristianismo; e a diaconia perdeu, porque afastou-se da liturgia para desenvolver-se longe, sem nem sempre identificar a motivação da ação solidária.

Ágape: uma metodologia
O ágape fez parte da metodologia para ensinar sobre vida cristã. Afinal, a solidariedade é algo a ser aprendido. Inclinar-se em favor de si mesmo é humano. Inclinar-se em favor dos outros, é divino. As primeiras comunidades usaram suas reuniões para ensinar àquelas pessoas que se preparavam para o batismo cristão (os/as catecúmenos/as) sobre a vida cristã. Segundo Hipólito, as perguntas que eram feitas ao padrinho sobre seu afilhado antes de autorizar-se o batismo eram: “Viveram com dignidade os catecúmenos? Honraram as viúvas? Visitaram os enfermos? Praticaram boas ações?( Hipólito, Tradição Apostólica 42.1-4. Documento do séc. III).
Ou seja, os preparandos para o batismo cristão participavam do ágape com o objetivo de aprender sobre a vida cristã, que implica a diaconia. Ser diaconal é assumir o movimento contrário ao da sociedade. Consumismo, partidarismo, cismas, contrastes sociais, privilégios, competição, tudo isso vai contra a vivência evangélica de considerar cada um superior a si mesmo (Fp 2.3), levar em consideração [diakríno] o corpo de Cristo (1Co11.29)

A inserção numa paróquia da IECLB
Com essas conclusões, realizei a pesquisa social. Atuei ao lado de um pastor da IECLB, assumindo as funções litúrgicas do diaconato nos cultos semanais durante dois anos. A comunidade era de região urbana, de porte médio, e tive a tarefa de zelar para que a perspectiva da diaconia estivesse sempre presente nos cultos. Para observar como isso repercutiria na vida da comunidade, fui observadora participante das reuniões mensais do presbitério e das da diretoria do grupo de mulheres (OASE). Além disso, realizei entrevistas de caráter qualitativo.

Alguns destaques
1. O culto é um espaço privilegiado formador da comunidade. Entretanto, sozinho, o culto não tem o poder de transformar paradigmas e mentalidades. Os outros espaços da comunidade (encontro de grupos) também precisam trabalhar a perspectiva da diaconal.
2. As pessoas são abertas a propostas novas.
3. Presbíteros que trazem de casa a prática da solidariedade, são os que propõe passos e ações diaconais, mas se eles não forem ouvidos, sua idéia cai por terra.
4. As mulheres implementaram sua ação diaconal. Motivos: a) Elas carregam em seu nome a incumbência de servir: Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas. Se nós não ajudarmos, porque nós somos OASE então? b) Faz parte da cidadania 'oasiana' desenvolver práticas diaconais, e desenvolvê-las é corresponder às exigências vindas da igreja. Os grupos de OASE precisam apresentar ações diaconais nos seus relatórios anuais e no seu planejamento. Elas não querem passar pelo 'despatriamento' diante dos outros grupos. Observe-se que é feito com as senhoras um trabalho continuado no sentido de prepará-las para ações diaconais (Regimento da OASE, parágr. 10). c) Na entrega pessoal dos enxovais para bebês, quando as senhoras encontram-se face-a-face com as mães carentes, elas recebem um forte impulso para continuar e para intensificar suas ações. O encontro face-a-face com o necessitado converte.
5. Dei-me conta que todos nós passamos por um processo no período da pesquisa, também meu colega pastor. Fui lembrete permanente da diaconia para ele. Algumas iniciativas, porém, que eram, potencialmente, frutos diretos da união de diaconia e culto, não foram reconhecidas e nem apoiadas, de modo que não passaram de boas idéias. Foi o que aconteceu com a oferta in natura, recolhida em vários cultos, e levada pelos próprios presbíteros para um lar público de idosos. Esta visita desencadeou uma vontade recíproca de aproximação entre a comunidade e o lar. Isso, entretanto, não ocorreu. Especialmente este fato me levou a refletir sobre a premência da formação diaconal na formação teológica.
6. Há um forte espírito associativo na comunidade: os membros pagam cada um seu quinhão (contribuição) e assim, têm direitos. Quem não paga, está fora. É tolerado como normal que pessoas que não contribuem encontrem 'a porta fechada', e lhes seja negada algo de que necessitam.
7. Em relação aos trabalhos tradicionais desenvolvidos pela comunidade luterana com seus membros, verifica-se que os homens são os que têm menos oportunidade têm de participar de espaços formadores. Isso é diferente quanto às mulheres, crianças e jovens.
8. Na decisão do destino das ofertas recolhidas no culto, a lógica que rege a decisão é a da oferta-reembolso ( oferta-se, com a certeza que este valor voltará em forma de benefício para a comunidade), ao invés da oferta-donativo (não haverá retorno de nenhuma espécie ao doador).
9. A comunidade não se auto-conhece. Ela não sabe quantos idosos há, quantos viúvos, quantos vivem com rendas muito baixas, quantas mães solteiras, ppds, etc.
10. Foi detectado um alto índice de depressão entre as mulheres que participam do grupo de mulheres.
11. Os homens mostraram ter mais dificuldade de romper o limite nós e os outros. Eles fazem uso freqüente das categorias os que são da igreja e os que não são da igreja.
12. Pratica-se a lógica da reciprocidade: dá-se uma mão agora, para receber-se uma mão depois. Os evangélicos ajudam os católicos em suas promoções, porque depois, o mesmo ocorrerá com a promoção dos evangélicos.
13. Verifiquei resistência em a comunidade hospedar pessoas nos prédios da comunidade, com base em uma má experiência ocorrida há muitos anos.
14. Na juventude evangélica, após a troca da liderança jovem, também brotaram iniciativas diaconais. Por quê? a) Os novos líderes eram filhos de uma das famílias que viviam e tinham como valor a solidariedade. b) O DNAJ tem fomentado ações diaconais no âmbito dos grupos de jovens.
15. Vi a soma de muitos poucos tornar-se em muito nos cobertores feitos por muitas mãos, e entregues a um asilo público da região.
16. Há preconceitos que oferecem barreiras à ação diaconal: 1) a ação diaconal custa dinheiro e, somente se houver sobras no orçamento, será levada em conta. Se alguma ação for empreendida, privilegiar-se-á os membros necessitados (diaconia interna). 2) Os pobres são relaxados e “briqueiros”, isto é, revendem o que lhes é dado, embolsando, a seguir, o dinheiro. Se forem ajudados, serão sustentados seus vícios de fumar e beber. 3) Pobre é pobre porque não trabalha.
17. Verifiquei uma tendência no presbitério: se houver um caminho para sermos isentos do dízimo, vamos por ele. O mesmo não ocorreu com as mulheres, que não aceitaram a oferta da isenção.
18. As mulheres, participando das reuniões do presbitério como esposas dos presbíteros, são persistentes e lembretes constantes. Elas lembravam e davam sugestões de como fazer a rampa para PPDs na igreja.
19. É preciso revisar o investimento dos recursos da comunidade. O jeito de administrar a comunidade, sem prever uma verba para cada departamento, ocasiona grupos 'mendigos' dentro da própria comunidade. Quem os adota em grande parte são as mulheres, sobrecarregando-as: culto infantil e juventude evangélica. O culto infantil, por necessitar de recursos para seu trabalho ordinário, acaba por lançar mão da oferta do encontro com as crianças para comprar cartolina, lápis de cor, chocolate para a páscoa, etc.
20. O encontro direto com o encontro com os necessitados surgiu como sendo uma chave fundamental para a sensibilização diaconal.
21. Pessoas dentre a comunidade fazem sugestões contextualizadas de como a comunidade poderia ser hospitaleira e cooperadora para com entidades públicas locais. Basta ouvir, reconhecer e apoiar essas idéias. Isto é, o clero não precisa ter as respostas de como a ação diaconal da comunidade deva ser. Pessoas vão ajudar nessa encarnação da intervenção diaconal localmente.
22. Há um potencial doador enorme na comunidade cristã. Cada pessoa mobiliza suas redes em favor de causas nas quais acredita.
23. A diaconia é entendida pelos presbíteros como uma opção, não como uma condição. Não tendo um setor organizado, pedintes de toda espécie e alcoolistas que entram na igreja em cultos (geralmente nos que ocorrem de noite!) são um problema e uma ameaça à comunidade.
24. A postura diaconal não é assumida no todo da comunidade. Ela é rapidamente transferida ('isso é coisa para as mulheres').
25. O modelo de comunidade que se tem como paradigma, é repetido geração após geração. As comunidades necessitam de modelos diaconais, para reverem seu paradigma.
26. Há uma prática muito interessante de diaconia de vizinhança, praticada pelas famílias ou por pessoas isoladamente, com a partilha de alimentos, realização de visitas a instituições e a prática da hospitalidade.

Conseqüências para o empenho diaconal da igreja cristã
E agora? O que podemos - e devemos - fazer?
Precisamos distinguir entre as conseqüências para as comunidades locais, daquelas que se dirigem para a instituição-igreja em nível sinodal e nacional, e ainda, as para a formação teológica. Cada pessoa que lê esse texto e participou da reflexão no fórum, achará caminhos possíveis. Compartilho algumas conseqüências que arrolei para cada âmbito.

a) trabalho a ser realizado nas comunidades:
- trabalhar o tema da oferta de gratidão e distingui-la das 'esmolas'
- trabalhar o tema da diaconia a partir de textos bíblicos
- perceber e apoiar as sugestões de ações diaconais vindas de gente da comunidade, evitando o aborto das mesmas
- incentivar a visitação para comunidades que tenham trabalhos diaconais pioneiros, encarnados em sua realidade
- trabalhar formação diaconal em todos os níveis, de forma prevista e planejada. A formação diaconal deve perpassar todas as faixas etárias. Cuidar para que os homens estejam incluídos, não apenas acidentalmente
- incluir na previsão orçamentária um apoio regular a todos os grupos
- promover encontros face-a-face com necessitados
- implementar outras formas de recolhimento da oferta nos cultos, não apenas em espécie (dinheiro)
- divulgar iniciativas diaconais e carregá-las em oração nos cultos semanais
- explicitar, em retiros de formação, temas ligados a diakonia, koinonia, desmascarando o espírito associativo que vigora no interior das comunidades. A consciência orgânica de ser a igreja corpo-de-Cristo precisa ser trabalhada
- promover cursos que instrumentalizam para a ação diaconal (visitação, por exemplo). Pessoas com tarefas integram-se intensamente à comunidade eclesial
- incentivar que mais mulheres assumam papéis de liderança na igreja
- identificar os obstáculos à diaconia, os preconceitos, e trabalhá-los
- visitar comunidades que desenvolvem ações diaconais, em busca de paradigmas novos
- ativar a rede de zoneadores como via de mão-dupla, isto é, não apenas para levar notícias, mas para detectar carências, necessidades, e identificar voluntários em potencial para trabalhos na comunidade
- passar as campanhas feitas na comunidade pelo Ofertório, nos cultos (campanhas de agasalho, de material escolar, de enxovais de bebês, etc). No ofertório, entregamos a Deus nossa oferta, e é das mãos de Deus que as pessoas recebem posteriormente ajuda
- Questionar comunhões de mesa que visem tão somente o lucro. As promoções na comunidade podem ser cruelmente excludentes
- Dar o passo do discurso para a ação. Sabemos falar bem, temos a mensagem. Intensifiquemos ações

b) trabalho a ser realizado nos níveis sinodal e nacional
- a igreja deve ser propositiva para as comunidades e fomentar: a) o conhecimento interno da comunidade; b) o conhecimento externo; c) a formação de redes e parcerias com o município, com ONGs e outros
- avançamos muito no que tange à liturgia e à diaconia na IECLB. Essas duas grandezas estão ligadas e isso pode ser mais explicitado (a espiritualidade na ação diaconal, e a diaconia na liturgia)
- rever, no plano de ofertas, aquelas que são ofertas-reembolso
- fomentar materiais de formação diaconal em todos os âmbitos, inspirado na formação pela vivência, como o foram os ágapes (material de Ensino Confirmatório, de Culto Infantil, para grupos, retiros de lideranças, para casais, ...)
- a postura diaconal intrínseca à fé cristão deve perpassar os documentos oficiais da igreja
- promover e achar formas de acompanhar ('cobrar') iniciativas diaconais (engajamento local, parceria com órgãos públicos e ONGs locais, entre outros)
- promover a formação também com os homens evangélicos
- insistir nas decisões conciliares que são diaconais, como a adequação das construções para PPDs
- apoiar os departamentos que trabalham com a perspectiva diaconal e com cursos de formação diaconal
- incentivar liderança feminina
- cuidar dos cuidadores
- não desistir do ministério diaconal e fomentar sua integração nas comunidades
- apoiar outras formas litúrgicas na IECLB que também fomentam a diaconia: a unção aos enfermos, a ceia aos ausentes, as orações diárias e ágapes.

c) trabalho a ser realizado nas casas de formação teológica
- trabalhar com a sensibilização à diaconia
- promover encontro face-a-face com o necessitado
- aterrizar, contextualizar o texto de 1Co 11.17ss na comunidade estudantil, preferencialmente em conjunto com a própria comunidade discente e docente
- cuidar dos cuidadores. Quem não foi servido, cuidado, não saberá fazê-lo com outros
- trabalhar teoricamente os fundamentos da diaconia, com todos os ministérios. Diaconia não é assunto apenas para candidatos ao ministério diaconal (risco da transferência!)

Concluindo
A diaconia é sempre fruto sacramental. Nossa ação é sempre ação-resposta à ação primeira de Deus. Só podemos ser servos, ser servas, lavadores de outros pés, depois que Cristo nos serviu, lavando nossos pés. Há em nosso continente, em nosso país, em nossas cidades, em nosso bairro muita fome de pão e sede de comunhão. A igreja cristã têm uma atribuição intransferível, e tem o privilégio de contar - como poucas instituições - com uma rede enorme em potencial, para agilizar e concretizar ações. O cobertor que está sobre a mesa quer apontar para o que é efetivamente o Ofertório do culto: é a soma de muitos 'poucos' feitos por muitas mãos, reunidos por alguns fios, que foi tornado um só, trazido e entregue nas mãos de Deus na mesa da comunhão, para beneficiar quem dele precisa. Vamos, pois, por mão na massa! E que Deus nos ajude!
 

Diácona Dra. Sissi Georg

Palestra proferida no Fórum Fé, Gratidão e Compromisso, Rodeio 12/SC 01 a 05 de junho de 2005


Autor(a): Sissi Georg
Âmbito: IECLB
ID: 36839
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