“A guerra abalou e revolveu tudo”

01/12/2013

“A guerra abalou e revolveu tudo”

 

1914 – 2014 : Centenário da Primeira Guerra Mundial

A guerra abalou e revolveu tudo. É o caos. Não há mais Fé, nem Moral, nem Ética e nem mesmo Estética. O grande conflito armado deu um golpe talvez mortal na sociedade dentro da qual os homens de nossa geração nasceram, foram educados, adquiriram seus hábitos e deram forma a seus sonhos.” Com estas palavras o escritor gaúcho Erico Veríssimo descreve as consequências da Primeira Guerra Mundial de 1914 a 1918. Um dos personagens do seu livro “O tempo e o vento” fala do golpe “talvez mortal” que abalou e revolveu tudo. Nós falamos da “Primeira Guerra Mundial” porque sabemos que houve uma segunda grande guerra de 1939 a 1945, a “Segunda Guerra Mundial”.

Há 100 anos, no dia 28 de junho de 2014, começou a Primeira Guerra Mundial. Naquele dia, na cidade de Sarajevo – hoje capital da República da Bósnia e Herzogóvina –, foi assassinado o arquiduque Francisco Ferdinando, sucessor do Império Austro-Húngaro.

Este assassinato foi o estopim para a guerra, que estava sendo preparada na Europa. Acordos entre as diferentes po- tências desencadearam em pouco tem- po a guerra. De um lado a Alemanha, a Itália e o Império Austro-Húngaro formaram a Tríplice Aliança. E do outro a França, o Reino Unido e a Rússia firmaram o acordo denominado Tríplice Entente. A esta se uniram outros 24 países – entre eles o Brasil - formando o pacto dos países Aliados. Já a Tríplice Aliança recebeu a adesão do Império Turco – Otomano e da Bulgária. Aproximadamente 10 milhões de mortos foi o resultado desta guerra.

Com a assinatura da paz entre a Alemanha e a Rússia em março de 1918, os Estados Unidos se aliaram aos países da Tríplice Entente. E no dia 11 de novembro a Alemanha se rendeu, depois da rendição da Áustria, da Turquia e da Bulgária. Exatos cinco anos depois do início da guerra foi assinado o Tratado de Versalhes no dia 28 de junho de 1919. Este tratado impôs severas sanções aos países derrotados. E estas sanções viriam a ser o estopim para a Segunda Guerra Mundial.

Consequências da Primeira Guerra Mundial

As conseqüências desta guerra foram muitas. Com ela o mundo foi modificado. Entre outros podem e devem ser destacados o fim dos impérios da Alemanha, da Áustria, da Turquia e da Rússia, bem como o papel dos Estados Unidos que começaram a exercer o seu poder no mundo inteiro. Na Rússia teve início a implantação do regime comunista e no Japão começou um enorme crescimento do seu poderio econômico e militar.

Esta guerra foi descrita como tendo sido a “grande guerra” ou “a guerra das guerras” e, de certo modo, a Segunda Guerra Mundial pode ser descrita como a “segunda etapa” da guerra que iniciou em 1914 e terminou – nesta perspectiva – no dia 8 de maio de 1945 na Europa e no mês de setembro do mesmo ano no Japão.

Não foi uma guerra religiosa. Dos dois lados lutaram católicos, protestantes, ortodoxos e muçulmanos. Mas o elemento religioso esteve presente de muitas formas. Na Itália e na França padres e pastores foram convocados para o serviço militar e foram forçados a lutar com armas nas mãos. Em outros países diver- sos padres e pastores se apresentaram voluntariamente e participaram de batalhas. Mas foi nas próprias igrejas - igrejas de todas as confissões - que o entusiasmo pela guerra foi cultivado. As igrejas eram muito bem freqüentadas nos primeiros anos de guerra, inclusive eram realizadas cerimônias religiosas especiais em dias de semana, com orações pela vitória. Capelães militares atuavam junto aos soldados. O lema que dizia “morrer pela pátria” foi ligado à palavra do Evangelho dita por Jesus: “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (João 15.13). Mas também proliferou a crendice, especialmente no uso de amuletos que, assim se acreditava, protegiam quem os carregava consigo.

A motivação da guerra foi o poder político, militar e, acima de tudo, o poder econômico. E seu resultado afetou o próprio mapa da Europa e do Oriente Próximo. Esta guerra marca o fim de uma era. O império Austro-Húngaro foi desmantelado sendo a Áustria reduzida a um pequeno país e no seu antigo império foram criados países independentes, como a Tchecoslováquia, a Hungria, a Polônia e a Iugoslávia. O Império Turco-Otomano foi dividido entre as forças ven- cedoras da guerra sendo que a Jordânia, a Palestina e o Iraque tornaram-se protetorados britânicos e a Síria e o Líbano passaram a ser domínio francês. A Turquia se tornou uma república. A Alemanha perdeu suas colônias na África, e os estados da Lorena e da Alsácia passaram a ser da França.

Consequências da Primeira Guerra Mundial em nossas comunidades

Que conseqüências a Primeira Guerra Mundial teve para as comunidades evangélicas luteranas no Brasil? Devemos considerar que a maioria das comunidades se entendia como sendo comunidades alemãs no Brasil. Eram formadas por imigrantes e seus filhos e netos. Eram pessoas que se consideravam teuto-brasileiras. Eram alemães – ou suíços, ou então austríacos – que adotaram o Brasil como sua nova pátria, mas sem esquecer a antiga.

O início da guerra pouco afetou as comunidades. Enquanto o Brasil manteve a neutralidade elas comemoravam as vitórias alemãs, recolhiam ofertas para socorrer os necessitados na Alemanha e inclusive realizavam “cultos de guerra” intercedendo pelos soldados que lutavam no front.

Isto mudou quando o Brasil declarou guerra à Alemanha no dia 25 de Outubro de 1917 (seis dias antes dos festejos dos 400 anos da publicação das 95 teses de Lutero). No mês seguinte – 17 de novembro – foi decretado o estado de sítio para os quatro estados do sul. A língua alemã foi proibida em todos os eventos públicos, inclusive os eclesiásticos, isto é, também nos cultos. Já em fevereiro de 1918 foi permitido o uso do alemão no culto litúrgico, sem a prédica. As Comunidades e os Pastores enfrentaram esta situação incentivando e realizando apresentações musicais e de coros. Estes “cultos litúrgicos” foram bem aceitos, verificando-se que o número de pessoas que freqüentaram estes cultos era maior que os que se faziam presentes nos cultos com prédica. O ensino confirmatório foi proibido neste mesmo ano e, consequentemente, na maioria das comunidades não houve confirmações.

Quem mais se ressentiu com esta legislação foram as escolas alemãs, intimamente ligadas às comunidades. Nelas exigia-se o uso do português e a grande dificuldade consistia justamente na falta de professores que pudessem lecionar em português.

As lideranças, tanto eclesiásticas como escolares, chegaram a lamentar o desinteresse do povo pela “pátria em guerra”. A nova pátria já estava sendo assimilada pelas pessoas que formavam as comunidades. E isto foi um passo na direção de transformação lenta das comunidades evangélicas alemãs de imigrantes em comunidades brasileiras que formariam a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

A situação financeira das comunidades, especialmente a das famílias dos pastores, sofreu mudanças. Eles, mesmo durante a guerra, continuaram a receber auxílios da Igreja da Prússia (por intermédio da embaixada holandesa). Mas a situação piorou muito depois da guerra, porque o empobrecimento da Alemanha fez com que a igreja da Prússia não mais pudesse enviar ajuda. E as comunidades no Brasil desconheciam a obrigação de se responsabilizarem pelo sustento dos pastores, ou porque não conheciam ou então porque eram muito pobres.

Ao longo de sua história a igreja sempre viveu dentro do contexto social, político e econômico. Assim também foi durante a Primeira Guerra Mundial, ou na “segunda etapa” da grande guerra.


O autor é Pastor emérito da IECLB e reside em Brusque/SC


Voltar para índice Anuário Evangélico 2014



 


Autor(a): Meinrad Piske
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2014 / Editora: Editora Otto Kuhr / Ano: 2013
Natureza do Texto: Artigo
ID: 34373
REDE DE RECURSOS
+
Deus é um forno ardente repleto de amor, que abraça da terra aos céus.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br