A navegação de Pedro Álvares Cabral: "Boa viagem?"

01/12/1999

A navegação de Pedro Álvares Cabral: ¨Boa viagem?¨

• Joaquim H. Fischer •

Consta nos livros de História, e todo mundo sabe: Há 500 anos, Pedro Álvares Cabral ¨descobriu¨ o Brasil. Você sabe também como ele e seus homens navegavam? Com quantos navios? Quem os tripulava? Quanto ganharam pela participação? De que se alimentavam durante a travessia? São aspectos pouco conhecidos do descobrimento do Brasil.

Cabral partiu de Lisboa em 9 de março de 1500 com 13 embarcações, meras ¨cascas de noz¨ para os nossos padrões. Uma caravela redonda, p. ex., media 30 m de comprimento por 6 m de largura. Uma das embarcações sumiu no mar logo no início. As outras 12 chegaram a Porto Seguro, na Bahia, depois de 44 dias, em 22 de abril, uma quarta-feira. Lá permaneceram por 10 dias. Um navio levou a notícia do ¨achamento¨ do Brasil diretamente para Portugal. Em 2 de maio, os 11 restantes seguiram viagem rumo à índia. Em junho e julho de 1501, apenas seis navios voltaram à Lisboa. Uma viagem demorada — e perigosa. Naquelas navegações, em média dois terços dos tripulantes, juntamente com seus navios, foram comidos pelo mar, como se dizia.

Os custos da expedição eram altíssimos, com a construção, manutenção e abastecimento dos navios, salários e adiantamentos para os comandantes e as tripulações e os presentes para o governante de Calicute, na índia, com o qual Portugal quis estabelecer relações comerciais. A expedição era um empreendimento do rei. Mas a coroa privatizou uma parte da expedição. Aliou-se ao capital privado de mercadores e banqueiros. Consequentemente, teve que dividir com eles também o lucro.

13 navios

Os comandantes dos navios foram nomeados pelo rei de Portugal, alguns poucos devido à sua experiência marítima, a maioria, porém, devido a seus laços de parentesco com famílias nobres e ricas, como o próprio Cabral. O comando técnico da frota cabia a pilotos experientes. Cabral era o comandante supremo e chefe militar. É provável que nunca antes tenha comandado um navio pelo mar.

Os 13 navios de Cabral foram tripulados por aproximadamente 1500 homens. Parece pouco, mas correspondia, na época, a 2,5% da população de Lisboa. Eram marinheiros (¨gente do mar¨), geralmente bem treinados e experientes; soldados (¨gente das armas¨), mal treinados, recrutados entre as camadas mais baixas do povo; profissionais necessários para a manutenção dos navios; religiosos. Mulheres eram indesejadas por superstição. Os navios estavam providos de canhões e a respectiva munição, pedras e bolas de ferro. A frota foi ¨uma espécie de quartel flutuante¨.

Na nau capitânia de Cabral viajavam em torno de 190 homens: Cabral e sua guarda pessoal, provavelmente um pelotão de sete soldados, 80 marinheiros, 70 soldados, sete serviçais, oito frades franciscanos, oito intérpretes, oito futuros funcionários da feitoria que seria criada na índia e ainda dois degredados que seriam deixados entre os índios no Brasil.

Mantimentos

A comida foi rigorosamente controlada por um escrivão-notário. Cada um recebeu 15 kg de carne salgada por mês, substituída, nas épocas de jejum, por arroz, peixe e. queijo, mais cebola, vinagre e azeite, e 400 g de biscoitos por dia, duros e salgados, ¨via de regra todo podre de baratas e com bolor muito fedorento¨. Esses mantimentos foram distribuídos crus uma vez por mês. As refeições foram preparadas diariamente em pequenos fogos no convés. Os comandantes podiam levar galinhas e ovelhas vivas para melhorar e variar sua alimentação. Os líquidos, armazenados em pipas e tonéis de madeira, foram distribuídos diariamente, na razão de 1,4 litros de vinho e igual quantidade de água por pessoa.

A remuneração da tripulação foi excelente para os comandantes e boa para os demais. Cabral recebeu 10.000 cruzados, equivalentes a 400 ducados. Correspondia ao valor de 1,4 kg de ouro, 40% do valor da construção de um dos navios maiores. Tinha direito ainda ao lucro da venda de determinada quantidade de pimenta e de outras especiarias. Em Lisboa, a pimenta valia sete vezes o preço de compra na índia. Os marinheiros receberam 10 cruzados por mês e o lucro de uma quantidade menor de pimenta e de outras especiarias. Os soldados ganharam cinco cruzados por mês e o lucro de uma pequena quantidade de pimenta. Todos tinham direito, ainda, aos bens sequestrados dos que se opuseram aos portugueses. Os casados receberam adiantado o salário de um ano para a manutenção de suas famílias, e os solteiros, um adiantamento de seis meses. Quem conseguisse sobreviver a todos os perigos no mar e na terra, a tempestades e doenças, ao voltar podia ter a certeza de subir econômica e socialmente.

Desgraça

Finalmente, o comandante supremo, Pedro Álvares Cabral: nasceu em 1467/68 no norte de Portugal. Seus antepassados do lado do pai tinham servido à coroa como militares ou funcionários. Seu pai, apelidado de ¨Gigante da Beira¨, pois tinha mais de 1,90 m de altura, casou com D. Isabel Gouveia, mulher riquíssima. Pedro era o segundo dos sete filhos do casal. Tomou-se mais rico ainda do que o pai ao casar com D. Isabel de Castro, neta dos reis de Portugal e da Espanha e sobrinha do maior conquistador luso do século 16, Afonso de Albuquerque. Depois da viagem ao Brasil e à índia, Cabral recebeu do rei uma pensão anual, mas caiu em desgraça na corte, não se sabe exatamente por quê. Nunca mais comandou outra expedição ultramarina. Tampouco manteve vínculos nem com o Brasil nem com a Índia. Não sabemos nada sobre os últimos 20 anos de sua vida. Morreu por volta de 1520. Um destino amargo para o famoso ¨descobridor¨ do Brasil.

Agora você talvez possa imaginar um pouco melhor como eram as viagens dos portugueses pelos mares no final do século 15 e início do século 16. Muitas outras coisas interessantes a respeito você pode ler no livro de Eduardo Bueno, A Viagem do Descobrimento; a verdadeira história da expedição de Cabral, o primeiro volume da coleção ¨Terra Brasilis¨, publicado em 1998 no Rio de Janeiro, pela Editora Objetiva. Para finalizar, uma pergunta: Será que alguém, sabendo das condições de vida naqueles navios minúsculos, superlotados e sujos, poderia ter desejado a Cabral: ¨Boa viagem, Pedro¨?


O autor é pastor aposentado da IECLB e reside em São Leopoldo, RS


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Autor(a): Joachim Fischer
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2000 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999
Natureza do Texto: Artigo
ID: 33062
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