Atos 4.5-12

Auxílio Homilético

29/04/2012

Prédica: Atos 4.5-12
Leituras: João 10.11-18 e 1 João 3.16-24
Autora: Helga R. Pfannemüller
Data Litúrgica: 4º. Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 29/04/2012
Proclamar Libertação - Volume: XXXVI


1. Introdução

Em João 10.11-18, Jesus diz: “Eu sou o bom pastor”. No Antigo Testamento, o próprio Deus é o pastor, aquele que guia, protege e alimenta o seu povo. Em certos períodos da história, ele delega essa função aos reis (Ez 34). Quando Jesus se declara o bom pastor, ele reivindica para si esse papel, como aquele que foi enviado e autorizado pelo próprio Deus. Jesus polemiza com as lideranças do povo, que agem como mercenários que não têm cuidado com as ovelhas, mas apenas consigo mesmas. Em nome desse pastor falam também os apóstolos, entrando igualmente em conflito com as lideranças que se sentem ameaçadas.

Em 1 João 3.16-24, diz-se que crer “em nome do seu Filho, Jesus Cristo” (v. 23) é o mandamento que recebemos de Deus. Essa fé em Jesus Cristo, juntamente com a disposição de “dar nossa vida pelos irmãos” (v. 16), são os sinais de comunhão e obediência a Deus.

2. Exegese

2.1 – Contexto (Atos 3.1-4.4)

O trecho da pregação está inserido num bloco maior, que começa com a cura de um coxo no capítulo 3. Pedro e João encontram o coxo pedindo esmolas no portão do templo de Jerusalém e o curam em nome de Jesus Cristo. Depois de curado, o homem entrou no pátio pulando e louvando a Deus, o que causou admiração e espanto nas pessoas que estavam ali. Pedro então discursa ao povo, testemunhando Jesus e atribuindo à fé do coxo a real autoria do milagre. O capítulo 4 mostra, em seguida, a prisão dos apóstolos pelo chefe da guarda do templo, juntamente com alguns sacerdotes e saduceus. O motivo era simples: os dois apóstolos estavam ensinando ao povo que Jesus havia ressuscitado dos mortos (4.2). Ora, os saduceus (partido da aristocracia sacerdotal e leiga, ao qual o chefe da guarda do templo também pertencia) lutavam contra a crença na ressurreição, pois acreditavam que ela levaria as pessoas a uma fé entusiasta, que as deixaria incapazes para a vida. Por isso eles não podiam permitir que ela se espalhasse entre os crentes. A prisão aconteceu à noite. Como já não havia tempo suficiente para um interrogatório, os apóstolos foram colocados na prisão até o dia seguinte.

Nesse ponto, o autor mostra como as coisas de Deus acontecem com força surpreendente. A prisão dos apóstolos não consegue evitar o surgimento dos frutos do discurso e da pregação de Pedro, apesar de toda a hostilidade. Lucas fala de 5.000 homens que se converteram. O Espírito estava sobre os apóstolos, e os sinais serviam de prova para as suas palavras.

2.2 – O testemunho de Pedro

O texto de Atos 4.5-12 começa com uma boa-nova: o Senhor crucificado faz resplandecer sua vitória divina sobre as trevas que se abateram sobre seus enviados. Esse é um consolo poderoso para todos os que passam por uma situação parecida. Na manhã seguinte, Pedro e João são colocados diante do Sinédrio de Jerusalém, o tribunal supremo de Israel (v. 5). Os três grupos que compõem o Sinédrio são nominados: as autoridades dos judeus (sumo sacerdote), os líderes do povo (anciãos) e os mestres da lei (escribas).

No v. 6, alguns integrantes do primeiro grupo são mencionados pelos seus nomes. Podemos perceber aqui que os apóstolos ficam diante dos mesmos homens perante os quais Jesus ficou quando foi preso: Anás e Caifás (Jo 18.13). A investigação não está voltada para o anúncio da ressurreição, porque o próprio Sinédrio não era unânime sobre esse tema (At 23.6-9), mas para a cura do coxo: “Com que poder ou em nome de quem vocês fizeram isso?” (v. 7). Teria sido usado um poder demoníaco, e dessa maneira teria sido profanado o templo de Deus?

Nós conhecemos Pedro como o discípulo que, na hora da maior necessi¬dade, negou seu Senhor três vezes. Agora nós podemos ouvir como esse mesmo homem, que antes se esquivara de medo até de uma empregada, faz uma corajosa e ousada confissão de Jesus diante das maiores autoridades do povo. E o motivo para isso é evidente: “Ele estava cheio do Espírito Santo” (v. 8). O Espírito Santo apoderou-se do apóstolo e venceu todo o seu temor, dando-lhe coragem para a confissão. Ele o faz falar o que tem que ser dito nesse momento, em conformidade com a promessa do Senhor: “Quando levarem vocês para ser julgados nas sinagogas ou diante dos governadores e autoridades, não fiquem preocupados, pensando como vão se defender ou o que vão dizer. Pois, naquela hora, o Espírito Santo lhes ensinará o que devem dizer” (Lc 12.11-12). Na hora da verdade, o Deus vivo não deixa os seus servos entregues a si próprios. A causa do Senhor é de sua própria responsabilidade, e ele faz isso por intermédio de seu Espírito. Por isso ninguém tenha vergonha quando estiver na situação de abrir sua boca para o seu Senhor, seja diante de tribunais ou em qualquer outra situação! “Estejam sempre prontos para responder a qualquer pessoa que pedir que expliquem a esperança que vocês têm” (1Pe 3.15).

2.3 – O conteúdo da confissão

A palavra de Pedro responde diretamente a pergunta feita pelos juízes e com isso acentua o incomum desse processo judicial: “Os senhores estão nos perguntando hoje sobre o bem que foi feito a este homem...” (v. 9). Assim como seu Mestre, que outrora causou escândalo devido a seus atos de ajuda ao próximo, os apóstolos agora vivenciam algo parecido. A prova para o bem que foi feito estava visível para todos na sala do julgamento: “o homem que havia sido curado” e “estava ali de pé” é a testemunha presente (v. 14).

Mas o apóstolo não demora muito na crítica a esse ato singular. Em vez disso, vai direto ao essencial. Ele responde a pergunta feita e proclama o nome de Jesus, cujo poder (en touto, no v. 10, se refere ao “nome”) possibilitou que o coxo fosse completamente curado. O apóstolo não deixa dúvidas quanto a quem ele está se referindo: a Jesus de Nazaré, aquele que foi levado à cruz pelas autoridades ali reunidas, mas que foi ressuscitado pelo Deus dos mortos. E então Pedro acrescenta uma prova escriturística às autoridades que conheciam as Escrituras (Sl 118.22), uma palavra que as comprometia gravemente: “A pedra que os construtores rejeitaram veio a ser a mais importante de todas”. A palavra bíblica que, conforme Mateus 21.42, Jesus mesmo já aplicara a si torna-se, na boca do apóstolo, uma pesada acusação contra os senhores juízes ali reunidos. Afinal, eles eram os construtores de Deus. Sua tarefa era edificar o povo, o templo de Deus. O que mais teria uma liderança para fazer? Mas eles rejeitaram a pedra mais importante e com isso fracassaram em sua tarefa. Apesar disso, Deus tornou essa pedra Jesus de Nazaré a pedra mais importante na construção de sua comunidade. Deus não deixou que seu plano fosse arruinado por seus servos desobedientes. Mais do que isso, ele interferiu e fundou sua comunidade sobre o desprezado Jesus de Nazaré. A obra do Senhor aperfeiçoa-se não mais nos altos e presunçosos senhores daquele tempo (e nos senhores de sempre), mas no humilde e excluído servo de Deus.

Com isso, o apóstolo acusado amplia o conteúdo de sua confissão. Agora ele desvia a atenção do caso especial da cura do coxo para aquilo que, pura e simplesmente, vale depois da intervenção de Deus: “A salvação só pode ser conseguida por meio dele” (v. 12). A obra feita no coxo clareia a relação primordial na qual Jesus se coloca diante de toda a humanidade. Nele está a salvação, e em nenhum outro! É Ele que reconcilia e perdoa, dá o Espírito Santo e a vida eterna. E ninguém pode fazer isso senão ele próprio. Na cura do coxo, fica claro que o fim dos tempos profetizado é a vinda plena da salvação messiânica descrita em Isaías 35.6: “Os aleijados pularão e dançarão, e os mudos cantarão de alegria ...”. Em Jesus, como Cristo, isso se torna realidade humana. Ele não traz apenas alívio para a miséria humana, como o que aconteceu com o coxo, mas Ele é a nossa ajuda total.

Isso que é ressaltado no v. 12b, quando ali aparece: “Pois não há no mundo inteiro nenhum outro nome que Deus tenha dado aos seres humanos, por meio do qual possamos ser salvos”. Aqui ressoa o “somente” da mensagem da Reforma. Que Jesus é o único caminho e o único meio de salvação fica claro quando não existe nenhum outro nome o qual podemos invocar para a nossa salvação. Certamente existem entre os seres humanos homens e mulheres respeitáveis, personagens extraordinários. Nós podemos agradecer a Deus pelas pessoas piedosas que ele nos deu, pois podemos aprender bastante com elas. Mas nenhuma delas pode nos salvar nem contribuir minimamente para a nossa salvação.

3. Meditação

O texto proposto levanta vários temas para a pregação. Se tomarmos a narrativa em si (cura, pregação, prisão, testemunho no tribunal, confronto com as lideranças religiosas), então poderemos refletir sobre a continuidade da obra de Jesus por intermédio daqueles que ele enviou. Os apóstolos foram enviados por Jesus para ser testemunhas de defesa no processo contra ele. Esse processo não foi encerrado com a execução de Jesus, mas ele continua pelo fato de Jesus ter sido ressuscitado por Deus. Ele está vivo e atuando por meio de seus seguidores e enviados. Ele reivindica para si uma autoridade e um poder que somente o próprio Deus tem. E isso os líderes judeus não querem aceitar. A história de Jesus continua em seus enviados. O poder que se manifesta em seus atos (curas) e em sua pregação (v. 4) questiona o poder da liderança que condenou Jesus. Duas formas de poder estão em disputa. Num lado, temos o poder baseado na tradição e nos meios de coerção física, representado pelo Sinédrio e seus guardas. No outro lado, está o poder do Espírito Santo, que usa pessoas “iletradas e incultas” (v. 13) para tocar o coração (At 2.37) e transformar a vida de pessoas. Esse poder manifesta-se justamente por intermédio dos mais fracos e medrosos, ou seja, Deus não precisa de “recursos humanos” (força, honra, poder político) para realizar seus propósitos. Assim como Jesus foi rejeitado e perseguido, assim também serão seus mensageiros. Sua mensagem e sua própria existência questionam os poderes instituídos, em primeiro lugar o poder religioso. Quando os que estão nas margens, na periferia (da sociedade e da comunidade), abrem a boca para anunciar e viver a boa-nova da salvação em Jesus Cristo, aqueles que estão no “centro” (e no comando) sentem-se ameaçados. A história da igreja é rica em exemplos.

Por causa disso, o caminho dos discípulos de Jesus sempre será um caminho de sofrimento. Analisando as leituras propostas para o 4º Domingo da Páscoa, podemos perceber que, no caminho de sofrimento de Jesus, são oferecidas a nós novas perspectivas para nosso próprio caminho de sofrimento. Pois esse Jesus se empenha com sua própria vida por todos os que nele confiam. A partir do conteúdo do testemunho de Pedro, uma outra ênfase da pregação poderia ser: Em que nos agarramos quando o nosso próprio testemunho de Jesus Cristo nos causa dificuldades? A partir da leitura de João 10.11-18, podemos afirmar que Jesus não deixa nenhuma dúvida em quem nós podemos confiar na vida: nele, o bom pastor. Ele faz a nossa ligação com o Pai e assim nos deixa participar da força de vida que vem de Deus.

Num mundo que se torna cada vez mais complexo, muitos buscam segurança e orientação ao mesmo tempo em que são forçados a ser independentes de modelos e papéis pré-fabricados. Não é à toa que os consultórios psiquiátricos estão cada vez mais cheios e que ouvimos a palavra depressão com cada vez maior frequência também entre nossos membros. A miséria de muitas pessoas de nosso tempo consiste, em grande parte, no fato de que as pessoas não têm mais um lugar onde elas podem sentir-se seguras, aliviadas. Continuamente são força-das e afligidas pela pressão do trabalho e dos resultados do mesmo. O ser humano precisa de um equilíbrio, de palavras que o fortaleçam e encorajem. Também nas comunidades da IECLB existe essa necessidade. Se, como pregadores e pregadoras, levamos essa necessidade a sério, tomamos como tarefa da prédica o fortalecimento da esperança. E a esperança cristã é fortalecida quando as pessoas são lembradas de que existe apenas um caminho: “não há salvação em nenhum outro” (v. 12). Numa época em que todos os caminhos são válidos, em que tudo é relativo, as pessoas ficam inseguras diante de tantas possibilidades. O evangelho é claro: apenas um caminho. Isso não é uma imposição, mas uma oferta graciosa de Deus.

Por isso é importante acentuar a figura de Jesus não só como um modelo entre tantos outros a ser seguido em nossas vidas, mas como o único capaz de fazer alguma diferença nelas. Normalmente, as pessoas trilham um caminho para chegar a algum objetivo. Na fé é diferente. Pois, se estamos com Jesus, já estamos ao mesmo tempo no objetivo. Quem, ao caminhar, fixa seus olhos num ponto de chegada pode até se sentir mais seguro, mas tem um campo de visão limitado. Quem está a caminho não consegue estar seguro de si mesmo, pois precisa contar com algumas surpresas. No entanto, as surpresas não precisam causar medo, pois saber que Cristo é nosso caminho nesta terra é saber que ele se espalha embaixo dos nossos pés e nos carrega no caminhar.

Nesse sentido, o texto de Atos encoraja-nos e nos fortalece ao anunciar o episódio vivido por João e Pedro, que, em meio a toda hostilidade, são tomados pelo Espírito de Deus e testemunham com coragem e ousadia o seu Senhor. Assim como os apóstolos, podemos ter a certeza de que não são envergonhados nem desonrados aqueles que se confiam ao cuidado e ao socorro do bom Pastor.

4. Imagens para a prédica

Certa vez, o famoso equilibrista francês Blondin exibia a sua arte nos Estados Unidos. Ele atava uma corda em pontos altos e equilibrava-se sobre ela com a segurança de quem estivesse andando numa rua asfaltada. O seu maior espetáculo foi quando amarrou as pontas da corda sobre as margens do conhecido salto Niágara, preparando-se para atravessá-lo. Todos pensaram que, dessa vez, o artista seria certamente tragado pelo abismo. Porém Blondin mostrou-se à altura de sua arte. Por último, levou um carro de mão e equilibrou-se com ele sobre a corda, transpondo todo o Niágara. O aplauso foi estrondoso. Sorrindo, Blondin aproximou-se de um menino que pulava de entusiasmo e gritava com os outros:
– Muito bem! Viva!
– Menino, você crê que sou capaz de voltar com o carrinho pelo mesmo caminho e transpor novamente o salto?
– Naturalmente, creio! – disse o garoto.
– Muito bem – respondeu Blondin. – Já que você crê em minha habilidade, então senta no carrinho e eu o levarei para o outro lado.
– Não! Isso não! – gritou o garoto, escondendo-se atrás de sua mãe.
– Se você acredita na minha habilidade, por que então não quer confiar em mim? – perguntou Blondin.
(Alcides Jucksch, Amor sem Fronteiras)

A fé verdadeira é mais do que uma afirmação. É um entregar-se a Cristo e confiar em sua promessa. Nas situações adversas de nossa vida, não precisamos temer, pois Deus enviou Jesus Cristo para cuidar de nós. Em seus braços podemos encontrar descanso, alívio e a força necessária para o anúncio do seu nome.

5. Subsídios litúrgicos

Sugiro que, na hora da prédica, o pregador ou a pregadora comecem contando o contexto a partir do capítulo 3 do livro de Atos. O texto-base da prédica poderia ser lido após essa explicação.

Hinos (HPD 1):
264 – Nome sobre todo nome
221 – Senhor, porque me guarda a tua mão confio em ti
76 – Espírito Verdade

Bibliografia

NIESEL, Wilhelm. Meditação sobre Atos 4.1-12. In: EICHHOLZ, Georg. Herr, tue meine Lippen auf. 5. ed. Wuppertal-Barmen, 1965 (Vol. 4). p. 369-374.
ROLOFF, Jürgen. Die Apostelgeschichte. Göttingen/Zürich, 1988 (NTD 5). p.79-83.
 


Autor(a): Helga R. Pfannemüller
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 4º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 5 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2011 / Volume: 36
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25591
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