Como as dunas de areia

01/12/1997

Como as dunas de areia

Elio Eugênio Müller

Da forma como o vento movimenta a areia das dunas, que hoje podem estar aqui e amanhã ali, à mesma semelhança se movimentam muitos dos membros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, que tentam se estabelecer no Nordeste.

Localizá-los e acompanhá-los torna-se uma tarefa que apresenta dificuldades aparentemente insuperáveis e se revela como um dos grandes desafios da nossa Igreja neste final de milênio.

Há quem afirme que é pura perda de tempo essa busca de membros tradicionais da IECLB, em geral sulistas e de origem germânica, que vêm em busca de novas oportunidades sejam na área profissional ou empresarial. Alegam que os sulistas de origem germânica não sabem construir comunidade de Cristo nesta realidade social. É bom frisar que, até aqui, poucos têm sido os membros da IECLB que se deram bem no Nordeste e que pudessem fixar-se em caráter mais definitivo nesta região.

Os demais, que podem chegar aos 80%, vêm e vão de novo. Isto representa fragilidade para toda e qualquer proposta de trabalho, pela incerteza em contar com determinados líderes por muito tempo, na edificação de vida eclesial.

Riqueza na bagagem

O Plano de Ação Diaconal Missionária da IECLB no Nordeste, lançado pela Comunidade Evangélica de Confissão Luterana — Recife, em 1995, porém, quer acreditar que vale a pena apostar nestes migrantes do sul para engajá-los na tarefa missionária.

E, qual é o motivo desta esperança? O principal, certamente é a grande riqueza que muitos destes membros trazem em sua bagagem e, às vezes, não o sabem. Trata-se da experiência comunitária eclesial que eles tiveram lá no sul, com base na confessionalidade luterana. Desta forma, em potencial, eles podem transformar-se em multiplicadores, capazes de transmitir esta vivência comunitária, na proposta de estabelecer Núcleos Comunitários da IECLB, mas que sejam abertos e acolhedores para o povo nordestino. Será a maneira de proporcionar aos nordestinos a possibilidade de também se tornarem participantes da Igreja de Cristo que se baseia nessa confessionalidade do ¨sola gratia¨,¨sola fide¨ e ¨sola Scriptura¨, (Somente a graça, somente a fé, somente a Escritura).

Com certeza esta pode e até deverá ser a nossa particular contribuição no contexto sócio-religioso nordestino, marcado por um sincretismo crescente. É como

Dom Lucas Moreira Neves, Bispo Primaz da Igreja Católica, no Brasil, nos disse em Salvador, BA: ¨É necessário que o cristão seja consciente de sua confessionalidade e não fique misturando tudo. Não se pode praticar o ecumenismo de uma realidade que é da confusão de doutrinas¨.

Como fazer missão?

O trabalho missionário praticado por grupos, comunidades ou Igrejas é bastante estreito e estabelecido sobre a ordem de Jesus, contida em Marcos 16.15: Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho.

Trata-se, em geral, de um mero empenho proselitista e que sistematicamente se concentra na conversão da pessoa, para a salvação da sua alma.

O Plano de Ação Diaconal Missionária da IECLB no Nordeste entende que, apenas fazer uma tal missão, nessa visão tradicional, não tem sentido. É preciso atentar para o que Jesus também disse: ¨O que fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste¨ (Mateus 25.40). É necessário esse empenho diaconal missionário, para dar aos núcleos e comunidades da IECLB um caráter bem claro de doação e serviço, voltado aos que ficaram à margem da vida. Este é o testemunho de fé em Jesus que tem a capacidade de ser convincente numa sociedade onde tanta gente sofre sob os efeitos do capitalismo selvagem (concentração de renda), do exagera do e crescente individualismo, da intolerável insensibilidade diante da miséria alheia e do crescimento de movimentos religiosos exclusivistas e agressivos.

Sinais do trabalho

O primeiro momento do Plano de Ação Diaconal Missionária da IECLB no Nordeste teve um tempo bastante festivo. Foram localizados membros da IECLB em diversos locais nordestinos: Gravatá — PE, Natal — RN, Campina Grande — PB, Fortaleza — CE, Praia de Pau Amarelo — Paulista — PE, Maceió — AL, Arapiraca — AL, Petrolina — PE, Aracaju — SE e Paulo Afonso — BA. Para cada local foram designados líderes com a orientação de, no mínimo, estabelecer um núcleo comunitário.

Fato interessante é que os membros de Fortaleza e Natal quiseram, logo, ir mais longe. Com o número de membros localizados acreditam que podem ser paróquia da IECLB e contar com um pastorado próprio. Já os membros dos núcleos de Maceió e Arapiraca decidiram unir-se, porém desejando apenas ser uma comunidade filial do Recife. Os demais locais mencionados permanecem ainda como núcleos comunitários.

No Recife está estabelecida a Comunidade-Mãe deste plano. Há diversos anos que ela já vem desenvolvendo um importante trabalho de conscientização das bases, com uma ação diaconal-missionária concentrada na Favela Chão de Estrelas, através do Projeto ¨O Caminho¨. Desta forma a CECL — Recife se coloca como motor deste plano, com condições de atuar como multiplicadora, na transmissão de experiências nesse empenho que alia a missão à diaconia. Em 1996, a Comunidade do Recife conseguiu, com sucesso, dar o seu primeiro passo até Gravatá, fixando uma ação na Favela Riacho do Mel. Já o segundo passo para Natal — RN, ficou apenas na tentativa para o desenvolvimento do Projeto ¨Potiguar Solidário¨.

Tempo festivo tem sua hora

Agora, o tempo mais festivo já passou. É necessário que em cada núcleo e em cada comunidade os líderes e os membros coloquem os pés sobre o duro chão da sofrida realidade nordestina. Pode ser constatado que, quem vem do sul, corre o risco de só ficar olhando para as belas praias ou então na busca de possibilidades profissionais pessoais ou empresariais, sem conseguir ver e nem sentir os grandes sofrimentos que são enfrentados pela maioria do povo nordestino. É possível que alguém fique no Nordeste por muitos anos, porém sempre passando ao largo daqueles que jazem no lado de fora, às margens da riqueza da cidade. Existem tantos ¨lázaros¨ que gemem de fome e sofrem sob a inclemência da miséria, das mais aviltantes e bem perto dos locais onde ocorre o nosso culto divino, ou se realizam nossos banquetes comunitários ou familiares.

Romper uma tal situação com certeza significa cruz. E, no Nordeste, a cruz parece ser bem mais pesada. Seria por causa do forte calor que normalmente está acima dos 30° Celsius e durante o ano todo?

Conclusão

Quem já se deu o tempo de observar o trabalho de fixação das dunas de areia na praia? As nossas comunidades no Nordeste podem aprender com estes trabalhadores. Para que os membros da IECLB não continuem à semelhança de dunas, movidas pelo capricho dos ventos, será necessário encontrar gente nativa do lugar, para que eles se tornem IECLB. Somente assim será possível uma adequada fixação das nossa comunidade no Nordeste.

Existe ainda um outro problema que também não deve ser ignorado. Trata-se da nossa mentalidade de luteranos e sulistas que, migrando ao Nordeste, ao formar um núcleo comunitário ou mesmo uma comunidade de fé, nos posicionamos de maneira inadequada em relação à população inativa. Se não ocorrer uma mudança nessa postura, nenhum nordestino conseguirá sentir-se à vontade na IECLB, pois é ele quem está em sua própria terra natal. É exatamente ele quem deveria sentir-se em casa, na vida comunitária da IECLB, no Nordeste.

AQUI VOCÊ TEM LUGAR (tema da IECLB para o biênio 97/98) deveria servir para promover essa mudança de mentalidade que se faz necessária. O nordestino não só deveria encontrar lugar em nossas comunidades nordestinas bem como deveria poder também ir assumindo uma liderança cada vez mais efetiva na atividade eclesial. Seremos, então, quem sabe ainda como dunas de areia. Porém, seremos dunas que vão sendo fixadas ao terreno. É ali que a vegetação (vida) consegue se desenvolver para apresentar uma paisagem nova, capaz de servir como atrativo para todos os que por ali andam.


O autor é Capelão Militar do Comando Militar do Nordeste, da Bahia ao Maranhão, e reside em Recife, PE


Ver ìndice do Anuário Evangélico - 1998
 


Autor(a): Elio Eugênio Müller
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 1998 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1997
Natureza do Texto: Artigo
ID: 33116
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