João 6.(22-23) 24-35

27/08/2000

Prédica: João 6.(22-23) 24-35
Leituras: Êxodo 16.1-5(6-11) 12-21 (22-30) e Efésios 4.17-24
Autor: Mauro Schwalm
Data Litúrgica: 11° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/08/2000
Proclamar Libertação - Volume: XXV
Tema: Pentecostes


1. Observação preliminar

Já há dois estudos em Proclamar Libertação (PL) acerca do texto de João 6.(22-23)24-35. Um deles no PL VIII (p. 151 ss. — ênfase: necessidades huma¬nas) e outro no PL XIX (p. 217ss. — ênfase: promover novas relações). Em ambos os estudos há material valioso para a compreensão do texto. Convém verificar! Penso que os vv. 22-23 podem ficar fora da leitura. O texto já é bastante extenso e a história é conhecida e fácil de ser recontada. O aspecto presente nestes versículos pode ser incluído na pregação com base no v. 24. Todo o capítulo 6 do Evangelho de João está inter-relacionado. É parte de um todo temático maior!

2. Primeira aproximação: o movimento da narrativa

O movimento neste texto denota procura, encontro (físico) versus desencontro (de opiniões). O diálogo que segue é marcado por cobranças/expectativas. Há uma proposta de saída: chamado à fé em Cristo como Filho de Deus, o pão do céu para a vida eterna. O pano de fundo é o milagre da multiplicação dos pães, embora também haja relação clara com a travessia do lago, destacada no espanto da multidão! Cristo como o pão da vida é tema também dos vv. 47-58.

Vv. 22-24: Estes versículos iniciais dramatizam a busca por Jesus. A multidão tem suas razões para procurar por ele! Quais seriam essas razões? Os vv. 22-24 silenciam a este respeito. Mas é possível depreender do contexto: Jesus alimentara a multidão anteriormente. E a ausência de Jesus é estranhada: não o viram passar para o outro lado! Este enfoque realça também o andar sobre as águas''!

V. 25: Encontro, cobrança, espanto! A multidão manifesta seu assombro: quando (como) vieste parar aqui? Preserva-se no ar o mistério da travessia!

V. 26: Resposta! Jesus supõe (sabe) por que o procuram (comeram pão). Ele os desarma (e em decorrência os descontenta/arma...): falta-lhes entendimento, compreensão! Jesus não tapa o sol com a peneira. Vai direto ao cerne da questão. Mas convém perguntar se todas aquelas pessoas realmente o procuravam apenas por causa da multiplicação dos pães...

V. 27: Jesus apresenta sua perspectiva: o realmente importante é o alimento que ele pode oferecer! É o alimento que não perece. Ele é tal alimento e o oferece! Estaria Jesus relativizando a necessidade do pão?

V. 28: A multidão manifesta estar disposta a aceitar esse alimento. Será'.' Há que se perguntar se realmente compreenderam o que Jesus quer dizer! Mas a multidão pergunta: o que fazer?

V. 29: A resposta de Jesus vem de forma simples e absoluta: crer naquele que Deus enviou, o Cristo! Assim ele aponta indiretamente para si mesmo.

Vv. 30-32: As pessoas entendem o recado, mas a multidão quer mais: quer mais milagres! Não terá a multiplicação dos pães sido suficiente? Nem a travessia misteriosa do lago...? A multidão quer um chão firme sob os pés; quer evidências de que vale a pena crer; quer certeza acerca do caminho proposto... Relembram o passado (maná do deserto). O passado se torna arma em suas mãos, arma de chantagem. Mas Cristo insiste: o verdadeiro pão do céu é dado por Deus!

V. 33: E esse pão não é outro senão o próprio Cristo (Jesus: eu, que vos falo!), através do qual se pode obter vida, e vida verdadeira.

V. 34: A multidão afirma que quer desse pão! Chega até a dizer: queremos sempre desse pão! (Gula? gula espiritual? Em que pão estavam pensando, realmente?) Como interpretar esse sempre? Como sinal de sua disposição sincera em alimentar-se sempre desse pão dado por Cristo? Ou seria mais um exagero irrefletido e expressão de egoísmo, de uma preocupação com o próprio alforje ?

V. 35: Aqui há uma manifestação explícita e direta na boca de Jesus que encerra a discussão e dirime dúvidas: eu sou o pão da vida! = fim da fome e da sede (físicas, espirituais?!). Na interpretação deste versículo é colocada em jogo a nossa própria fé. Quem o interpretar magicamente, será instrumento de opressão!

3. Meditação

a) No versículo 60 vem a manifestação clara da dificuldade suscitada pelas palavras de Jesus no transcorrer do cap. 6, o que inclui os versículos que nos ocupam: esse discurso é muito duro! São os seus discípulos que reagem c expressam suas inquietações. Comer pão, ainda que multiplicado, ou mesmo o maná, é compreensível e aceitável. Entra no corpo pela boca e alimenta, sustenta as forças físicas. Mas que alimento é esse que se identifica com uma pessoa, com seu corpo e sangue?

A multidão procurou Jesus movida não só por sua cobiça. Procurou-o também por causa de sua própria religiosidade! O maná no deserto foi sinal de libertação, salvação. Ter para sempre o pão necessário para a vida era interpretado como realização das esperanças escatológicas de Israel. O segundo Messias deveria repetir o sinal do primeiro Messias (Moisés) e demonstrar assim que era o salvador esperado (Schneider, p. 148). Havia, portanto, certa dose de seriedade na busca das pessoas! Só que sua busca estava viciada por uma expectativa equivocada, a qual Cristo não pretendia perpetuar. A sua missão não era idêntica àquela refletida nos desejos religiosos do povo e seus líderes!

b) Vivemos num tempo de mobilização de massas em nome da fé (também cristã). Mas hoje a tendência está em oferecer e desejar apenas o pão espiritual, até mesmo de forma gulosa e glutona, sem atentar para a carência de pão para o corpo. Seria este um fenômeno inverso? Estariam as multidões hoje num caminho mais acertado, cumprindo o propósito de Cristo em suas buscas espirituais? Estariam assim isentas da necessidade do chamado de Cristo, que convida a receber o pão da vida? Tenho minhas dúvidas! Creio que muita correria e questionamento acerca de onde estaria o mestre Jesus, hoje, estão relacionados com uma cobiça ainda maior: o desejo de manipular Deus! O desejo de possuir Deus! E quando se acha que se tem Deus, é muito fácil e rápido o passo seguinte: achar que se é Deus...

Cristo continua a chamar a atenção através de suas palavras. A pergunta o que fazer e a resposta de Cristo são centrais! O que está em jogo não é realizar as obras de Deus (que Deus quer — v. 28), mas crer na obra de Deus realizada em e através de Cristo (v. 29). E aí, sim, abre-se a perspectiva para vida abundante, não só em termos espirituais, mas também humanos e concretos! Afinal, equivoca-se quem acha que pode crer e continuar vivendo como se isto não fizesse diferença nenhuma na forma como administra sua vida. Também não serão sinais fantásticos que garantirão alguma coisa, perante Deus, e sim a entrega confiante em suas mãos! Recentemente ouvi alguém afirmar em uma entrevista sobre sua experiência em uma Igreja Neopentecostal: Eu só estava atrás das bênçãos! Supostamente essa pessoa mudou seu entendimento depois. Porém parece-me ser este precisamente um dos grandes problemas da euforia espiritual de muitos movimentos em nossos dias: assim como a multidão que procurou por Jesus queria pão e sinais, muitas multidões querem hoje apenas uma satisfação mediada por uma espiritualidade desencarnada e intimista, com o agravante de separarem o joio do suposto trigo antes do tempo... tarefa que nem lhes cabe (reflete-se aí o desejo de ser Deus?!). Há aí um imediatismo utilitarista e perverso idêntico, que carece de constante correção!

c) Há duas dimensões, portanto, a serem refletidas. A vida abundante e plena oferecida por Cristo encontra-se através da fé, sim! Mas uma fé sensível as necessidades humanas fundamentais! Se a minha fé não me ajudar a olhar de forma diferente para a realidade que me cerca, de tal modo que me faça buscai caminhos que resgatam a dignidade da vida, então ela está equivocada. Ao evitar o enfoque nos sinais que ele poderia realizar e nas obras a serem realizadas pelos seus seguidores, Jesus preserva a imprescindibilidade de Deus em termos salvíficos! Mesmo quem se considera entre os salvos, depende da graça e da misericórdia divinas. Depende deste alimento a ser renovadamente buscado!

4. As leituras

A passagem do Antigo Testamento, Êx 16. l -5(6-11), 12-21 (22-30), está em sintonia direta com o texto da pregação, uma vez que relata o episódio do alimento recebido pelo povo de Israel quando de sua peregrinação (maná e codornizes), e ao qual a multidão faz referência em seu diálogo com Jesus. Precisamente este trecho do AT torna-se argumento para a reivindicação da multidão, em face da multiplicação dos pães. A leitura do mesmo proporcionará um elo de ligação muito importante no todo do próprio culto! Pessoalmente creio que os versículos entre parênteses podem ficar fora da leitura. Já o texto de Ef 4.17-24 é mais complexo e sua relação com o conteúdo da pregação é mais difícil de ser estabelecida. No entanto, pode-se dizer que, ao conclamar para deixar para trás as coisas antigas e assumir o novo que procede de Deus, lembra a dimensão presente no chamado do próprio Cristo ao falar de si como o pão do céu, que dá a vida eterna: a relação com Deus (e como decorrência a relação com o semelhante) precisa dar- se em novas bases!

5. Com vistas à pregação e celebração

a) Quando preguei sobre este texto coloquei um pão inteiro diante da comunidade, em lugar bem destacado, o qual tomei em minhas mãos quando falei de Cristo como pão da vida, durante a pregação. [A frase que usei foi a seguinte: Este pão (erguer o pão) serve como símbolo para a dádiva de um outro pão, tão necessário quanto este no nosso dia-a-dia (repousar novamente o pão). O pão de farinha e fermento alimenta a nossa vida até a morte! Mas o pão que vem de Deus quer nos alimentar apesar da morte, para a vida eterna! Quem recebe desse pão que vem de Deus, carrega em si algo de novo e diferente. Algo que se manifesta e revela num estilo especial de viver.] Este gesto pode parecer simples, mas comunica muito! O mesmo pão foi partido posteriormente na celebração da Santa Ceia. Creio que seria muito importante poder celebrar a Santa Ceia no dia em que este texto for pregado! Poder- se-á relacionar de fornia muito fecunda e significativa o tema da pregação com a celebração posterior1

b) Falei sobre as buscas das multidões de hoje; tematizei os acertos c mós dessas buscas; (alei das cobiças presentes nessas buscas; não só em lermos espirituais, mas nas grandes mobilizações humanas desvinculadas da fé, também; promessas sintonizadas com as expectativas das pessoas cativam e alcançam sucesso! A tendência é que sejam bem-sucedidas as promoções que exigem pouco e oferecem muito (afinal, a lei da vantagem está acoplada ao indivi¬dualismo característico de nosso tempo).

c) Jesus também oferecera algo que cativara a multidão. Foi intensamente procurado por causa disso. Poderia ter tido o maior sucesso, adaptando-se às expectativas daqueles e daquelas que o buscaram. Mas apontou para outros rumos. Equilibrou as necessidades: ao lado do pão material, para o corpo, o pão espiritual, para saciar as fomes e sedes (v. 35!) que brotam de dentro. Ele se apresenta como este pão!

d) Ambos os pães precisam ser repartidos! Jesus deu sinal claro de sua preocupação com ambos! Ofereceu o pão concreto, real, que se pode degustar, e ofereceu a si mesmo como o pão (que pode ser degustado na Santa Ceia) da vida. Ao oferecer o primeiro, leva a sério nossa humanidade. Ao oferecer o segundo, lembra que somos vocacionados para sermos mais, a partir da fé: mais humanos, mais solidários, mais atentos às necessidades que se abrem à nossa volta, desde o pão de cada dia (corpo) até o consolo que reconforta e reanima (espírito).

e) Encerrei a prédica com as seguintes frases: Estai- alimentado em e por Cristo deveria nos levar a um estilo de viver mais coletivo, mais sensível às necessidades comuns. Quando começamos a sentir que estamos perdendo essas qualidades, é porque está na hora de se alimentar novamente em Cristo e de Cristo. Pois este pão mata a fome c a sede de vida! Vida que se vive voltado não unicamente para si mesmo, mas para as necessidades do maior número possível de pessoas. Nossa fé quer integrar e não separar! Há um antes e um depois -no ato de comer pão: sacia-se a fome e podemos continuar nossa vida de forma satisfatória. Como continua nossa vida depois de recebermos o pão que vem de Deus? É meu desejo que ela seja diferente, que ela seja melhor! Amém!

f) Sugestão de hinos que poderiam ser cantados, cuja mensagem sintoniza com o tema da pregação: Hinos do povo de Deus (HPD) 165; HPD 176; HPD 184; O povo canta (OPC) 57; OPC 243.

g) Proposta para o Intróito: Salmo 104.13-15.

h) O anúncio da graça poderia se basear no Salmo 91.14-15.

Bibliografia

GIESE, Nilton. João 6.(22-23)24-35. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal /IEPG, 1993. v. XIX, p. 217-219.
MEINCKE, Silvio. João 6.35 |sic). In: Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1982. v. VIII, p. 151-156.
SCHNEIDER, Johannes. Das Evangelium nach Johannes. Berlin : Evangelische Verlags-anstalt, 1976.
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Proclamar Libertação 25
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Mauro Schwalm
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 11º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 24 / Versículo Final: 35
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1999 / Volume: 25
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 12827
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Jesus Cristo diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.
João 14.6
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