João 13.31-35

Auxílio homilético

17/05/1992

Prédica: João 13.31-35
Leituras: Atos 13.44-52 e Apocalipse 21.1-5
Autor: Guilherme Lieven
Data Litúrgica: 5º Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 17/05/1992
Proclamar Libertação - Volume: XVII

 

O oposto da morte não é a vida, mas o amor.
Cazuza]

1. Introdução

Estamos diante do desafio que se faz novo a cada dia: anunciar — comunicar — a Boa Nova às minorias cristãs. Como parte delas, vivemos intensamente a situação de combate contra a fome, a falta de moradia, de emprego, terra para plantar e colher, lar, integridade física, dignidade da cidadania, recursos naturais, educação, lazer, saúde, vida comunitária, etc. Refiro-me ao desafio de anunciar a Boa Nova a partir de uma leitura da manifestação de Deus na realidade das minorias cristãs — Deus presente que se revela em amor na resistência à morte. O poeta proferiu corretamente: O oposto da morte não é a vida, mas o amor. No combate descobrimos o amor (ágape) como a estratégia viável de luta, como o princípio ético de sustentação da busca comum (comunitária) por mudanças que vence e transforma situações de morte.

Este é o tema que o nosso texto dá ao 5° Domingo da Páscoa. O amor como resistência basilar à derrota aparente, como práxis transformadora através do combate cotidiano das minorias marginalizadas.

O Evangelho de João, com todas as controvérsias exegéticas e peculiaridades conhecidas, no texto 13.31-35, nos presenteia com uma nova proposta ética para os seguidores de Jesus Cristo, o novo mandamento do amor.

Todo presente vem sempre bem empacotado. Convido o leitor para desembrulhar comigo o presente de João.

2. Texto

2.1. Contexto

O texto faz parte do discurso de despedida de Jesus apresentado e teologizado por João em 13.1 — 14.31 (cf. Jürgen Becker). Por sua vez, este discurso se encontra no bloco que revela a glória de Jesus (Jo 13-17), relacionada diretamente com a Páscoa, onde o amor de Deus se mostra na derrota, no sofrimento. E, pela fé no Verbo que se fez carne (Jo 1.14), os seguidores de Jesus são chamados a dar a vida uns pelos outros pela prática do amor.

2.2. Perícope

Nossa perícope conta com três aspectos interligados:

Vv. 31-32: Glorificação de Jesus. Chama a nossa atenção o fato de João anunciar a glorificação de Jesus após a denúncia da traição de Judas.

V. 33: Jesus vai embora. A glorificação anunciada tem a ver com a despedida de Jesus.

Vv. 34-35: O Mandamento do Amor. Jesus deixa uma proposta de vida, um princípio ético para os que ficam.

2.3. Versículos

V. 31: A glorificação de Jesus (Filho do Homem) é um fato; aconteceu. A traição de Judas (a traição ao grupo, às propostas e práticas de Jesus) caracteriza-se em vitória, é o motivo para a glorificação. A derrota do grupo, lida com os olhos da fé no enviado — o Deus que habitou entre nós — transforma-se em glória. Desta forma, aquele que enviou, Deus, também foi glorificado. Por este versículo podemos ler que toda a rejeição ao Verbo que se fez carne é glorificação. Trata-se do amor de Deus revelado em sua paciência com os que não crêem.

V. 32: Deus glorificará Jesus em si mesmo. Aqui temos uma alusão ao acontecimento da cruz. Em Jo 12.23; 17.1 encontramos apoio para esta afirmação. No en¬tanto, está claro tratar-se de dois momentos da glorificação. Podemos falar de uma parcial (v. 31) e de outra completa, realizada na crucificação. O nosso texto valoriza muito a glorificação por estar enunciado numa proposta peculiar da interpretação das derrotas do Filho do Homem (do encarnado). O escândalo de Deus explícito na encarnação (Jo 1.14) se encerra na glorificação que se dá pela derrota da cruz. O oposto da derrota, da morte, é o amor de Deus implícito na glorificação de Jesus Cristo.

V. 33: Só mais um pouco... Estamos no contexto da despedida de Jesus. A paixão é o limite da permanência do enviado ao mundo, da encarnação. A referência ao que disse aos judeus, encontramos em Jo 7.30-36. Para onde eu vou, vocês não podem ir. A unicidade do enviado com aquele que enviou se completará na glorificação. A divindade de Jesus está ressaltada. Os discípulos não têm acesso a ela pelos mesmos meios. Em Jo 15 vamos encontrar a outra forma de ligação dos discípulos com Jesus. A diferença entre os discípulos e Jesus motiva, portanto, uma nova proposta apresentada no versículo a seguir.

V. 34: Um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Encontramos paralelos nos textos Jo 15.13,17; l Jo 2,7; 4.7,11; 5.1. Este mandamento difere do mandamento do amor ao inimigo (Mt 5.44), do amor ao próximo (Lc 22.31). A ordem é amar uns aos outros. Pressupõe um grupo, uma comunidade. A necessidade de amar uns aos outros vem da condição de marginalizados. A maioria não reconhece Jesus como o Verbo encarnado. A minoria que aceita e reconhece o amor de Deus é ridicularizada e rejeitada. Necessário se faz carregar os fardos uns dos outros (Gl 6.2). Amar uns aos outros é a única saída para suportar ativamente (no amor) a rejeição e consequente opção pela proposta do Deus glorificado. Em vez de se dispersarem com a traição de Judas, os discípulos permanecem firmes na fé, sustentando uns aos outros no amor, firmes na fé no Deus que opõe à morte o amor (como eu vos amei).

V. 35: A prática do amor, a sustentação mútua, a releitura da derrota (como vitória), concretiza-se em identidade dos seguidores de Jesus. O grupo, ou comunidade de seguidores, será reconhecido através da prática do novo mandamento do amor. O amar uns aos outros, a prática do novo mandamento, assume a função de resistência contra a rejeição de Jesus Cristo como enviado de Deus. (Também At 13.44-52 testifica esta rejeição.) A resistência, por sua vez, passa a ser identidade viva dos seguidores de Jesus.

2.4. O presente do texto

O novo mandamento do amor: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, toma forma de um princípio ético para um grupo ou comunidade perseguida, marginalizada, derrotada, rejeitada. Esta condição histórica do grupo não cria dispersão, desânimo. No amor resiste, no combate revela sua identidade: seguidores do enviado — glorificado pelo mesmo motivo: rejeição. A fé naquele que amou primeiro, o glorificado na derrota e no sofrimento, motiva o grupo seguidor a viver o mandamento do amor como necessidade da resistência.

Este novo mandamento é um presente para quem quer anunciar e praticar o amor como o oposto da morte. Enquanto que o mandamento do amor ao próximo traz consigo a dimensão escatológica de ser bom, não julgar, servir, perdoar para obter recompensa no juízo final — brinquedo esquecido. E já o amor ao inimigo pressupõe uma ética própria de uma minoria vencida, derrotada, que necessita desta estratégia como instrumento de sobrevivência .(Theissen p. 121).

Esta novidade revelada em nosso texto, no entanto, não pode se transformar em curiosidade do conhecimento. Deve ser comunicada e articulada também como proposta em nossa realidade. Serve de instrumento mediador da leitura pela fé da realidade das minorias cristãs em que se faz presente a manifestação viva do amor de Deus. Todo presente precisa de utilidade — daí o motivo da alegria de quem o recebe.

3. Meditação

3.1. O novo mandamento da desgraça

Os arautos modernos da sociedade velha instituíram um novo mandamento da desgraça: Vivei (desgraçadamente) intensamente cada momento, não importa a sua desgraça; pois ela é a sua morte. Ora, viver o momento, conforme esta proposta, é anular a história e abordar a esperança. E mais, anula a identidade social, econômica, histórica, cultural, comunitária; torna-se princípio ético do individualismo vitimado pela exploração múltipla dos deuses glorificados pela desgraça.

Sabemos, no entanto, que a resistência das minorias marginalizadas passa por uma articulação de forças imanente nas relações coletivas; onde a história codificada pela identidade social, econômica, cultural e comunitária anuncia a esperança, o alvo, o objetivo. Aquilo que pela fé denominamos novo céu, nova terra, Reino de Deus.

3.2. O novo mandamento do amor

Nosso desafio é ser arautos do novo céu, nova terra, onde as coisas velhas são vencidas (Ap 21), arautos da esperança. Nosso texto, Jo 13.31-35, propõe anunciar o mandamento que vence a morte pelo seu oposto — o amor; que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros (v. 34). O amor de Deus na obra salvífica do enviado Jesus Cristo é o paradigma (como eu vos amei.) para a resistência dos que optam — os marginalizados, derrotados — por esta proposta: amar uns aos outros. Resistência esta caracterizada pela opção, pela aceitação/fé da via de vencer a morte pelo amor, personali¬zada em Jesus — o Verbo encarnado, enviado pelo Pai.

Nosso anúncio pressupõe uma leitura da revelação de Deus na realidade das minorias cristãs. Estas, traídas (por Judas); rejeitadas econômica, cultural, social e comunitariamente; crucificadas na privação de seus direitos às condições básicas de vida; glorificam o Filho do Homem, e Deus ó glorificado nelas. O amor de Deus, rejeitado, revelado na prática do mandamento novo, assume o lugar de princípio ético nas relações de resistência e combate contra a realidade de morte. Simultaneamente esta prática passa a ser identidade dos que optam por ela.

A história de resistência das minorias cristãs tem testemunhado que este amor (ágape) não é egoísta, corporativo, mas estratégia que exige comunidade, força coletiva, solidária, que se auto-regula pela vivência e seguimento ao paradigma — Jesus Cristo. A fé, portanto, ocupa este lugar de dar ao Deus do amor o poder de corrigir a distorção da prática do amor, fazendo-o valer somente como força transformadora, anúncio do novo.

Por isso, referimo-nos ao amor dos que sofrem ao praticá-lo (martiría), ao amor que exige comunhão, solidariedade, situação comum para objetivos comuns (koinonia); ao amor que é serviço, solidariedade no assumir os fardos uns dos outros da condição histórica (diaconia). Anunciar este amor para as minorias rejeitadas, traídas e sofridas, como parte delas, implica viver intensamente com elas a esperança que se revela na resistência viva contra a morte. Assim sendo, sabemos o mandamento do amor como princípio dos derrotados que sobrepõe às propostas dos arautos da desgraça. Aleluia.

4. Celebrando o oposto da morte

Convido você a saudar a comunidade com o texto de Ap 21.1. Pois o nosso texto motiva anunciar a esperança. Aquela resultante da resistência da comunidade à rejeição, marginalização, dispersão.

O evento celebrativo pode espelhar no seu todo a proposta de Jo 13.31-35: a prática do amor como combate à realidade de morte, revelando a glória de Deus presente na vida comunitária dos que celebram. Nesse sentido, louvar a Deus através de um breve texto baseado em Fl 2.5-11. Basear a confissão de pecados, por sua vez, em Jo 1.6-14; ou comparar o descompromisso com o mandamento do amor, à atitude de Judas. O anúncio da graça pode ser feito com versículos de Jo 15.12-17. Na oração da coleta, invocar o Espírito de Deus glorificado nas derrotas que são revertidas em esperança, resistência tranformadora. Invocar a liberdade para ouvir a Palavra que anuncia o amor de Deus. Proponho fazer as duas leituras indicadas para o 5° Domingo da Páscoa: At 13.44-52 e Ap 21.1-5. Este último pode ser lido com a comunidade.

A prédica pode ler o que vem acontecendo na comunidade, em primeiro pia no, analisando o combate à situação de morte, ou de seus efeitos na vida interna  e externa da comunidade.

Considere que este se dá em múltiplas formas. No geral, as comunidades são heterogêneas nos diversos sentidos. Em segundo plano, pode escolher uma faceta da manifestação coletiva da comunidade, onde se apresem a uma certa hegemonia, com isso, proposta e objetivos concretos, e anunciar o manda mento do amor como força da resistência que vence. O segredo do anúncio da Boa Nova que o nosso texto indica, está em revelar a presença de Deus nas iniciativas da comunidade, ou de parte dela, onde a prática do amor (como propõe o manda mento) é a identidade da proposta transformadora/salvífica e, ao mesmo tempo, dos que a exercem. Para mim este seria o último ponto da prédica. Não querendo interferir no estilo, eu colocaria no início da prédica, partes da conclusão, na tentativa de estimular o acompanhamento à reflexão.

Na oração final, além do tradicional escopo da sua pregação, não pode esquecer de clamar pelas minorias marginalizadas — aquelas do conhecimento da comunidade; no caso clamar pela própria comunidade mencionando desafios concretos.

Espero ter contribuído para a sua pregação. Acredito, entretanto, que o Espírito de Deus do amor pode torná-lo(la) muito mais criativo(a).

5. Bibliografia

BECKER, J. Das Evangelium nach Johannes, Kapitel 11-21. 2. ed. revisada, 1984.

BONHOEFFER, D. Ética. São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1988.
DUSSEL, E. Ética Comunitária. 1. ed., Petrópolis, Vozes, 1987.
FEUERBACH, L. A Essência do Cristianismo. Campinas, Papirus, 1988.
GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento. São Leopoldo/Petrópolis, Ed. Sinodal/Vozes, 1976.
LOHSE, E. Introdução ao Novo Testamento. São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1972.
THEISSEN, G. Sociologia da Cristandade Primitiva. São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1987.
 


Autor(a): Guilherme Lieven
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 5º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 31 / Versículo Final: 35
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1991 / Volume: 17
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13061
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