Efésios 4.30-5.2

Auxílio Homilético

04/08/1991

Prédica: Efésios 4.30-5.2
Leituras: 1 Reis 19.1-8 (9-13a) e João 6.41-51
Autor: Ulrico Sperb
Data Litúrgica: 12º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 04/08/1991
Proclamar Libertação - Volume: XVI

1.O Espírito Santo fica triste?

O cabeçalho de nossa perícope pede para não deixarmos o Espírito Santo triste. Mas como isto pode acontecer? Em Is 63.10 o profeta diz que o povo entristeceu o Espírito Santo, porque se afastou dele. Na Carta aos Efésios o autor diz que podemos entristecer o Espírito Santo, se fizermos as maldades arroladas nos versículos 25 a 29 e 31, do capítulo 4. Vemos, portanto, que entristecemos o Espírito Santo com duas atitudes: quando nos afastamos dele e quando praticamos maldades, sendo que a segunda é uma decorrência da primeira.

Nossa perícope começa com o v. 30, por isso podemos encará-lo como cabeçalho do que se segue. E o v. 31 mostra como podemos deixar o Espírito Santo triste. No próximo item veremos este aspecto. Por ora, temos que constatar que o Espírito Santo deve estar muito triste, por causa dos problemas do convívio humano.

O Espírito Santo está presente em toda a nossa vida, como podemos constatar no v. 30:

— No passado, quando fomos batizados (selados).
— No presente, quando não devemos entristecê-lo.
— No futuro, quando estará conosco no dia da redenção. A leitura do Evangelho prevista para o 12° Domingo após Pentecostes explica este aspecto, com base na Santa Ceia: Jo 6.41-51.)

2. O processo da violência

No v. 31 o autor pede para afastarmos de nós o esquema que gera violência. Quando de alguma forma nos sentimos agredidos, começa dentro de nós um processo de reação que normalmente culmina em violência, no círculo vicioso da vingança. O processo é o seguinte:

— Nossa primeira reação, quando somos agredidos por alguém, é a amargura. Sentimos o gosto amargo da ofensa. Ficamos abalados.

— O 2° momento é quando surge a cólera (a irritação). Nossa cabeça começa a ferver. Nossos pensamentos ficam bloqueados e não conseguimos passar por cima do que nos aconteceu.

— Segue-se o 3° passo, que é a ira (raiva). Algo dentro de nós explode. A válvula de escape não aguenta.

— No 4° passo dessa cadeia de reação, partimos para a ação: apelamos para a gritaria. Começamos a gritar e xingar.

— O 5° momento é a blasfêmia (agressão com palavras). Agora não só nos defendemos, mas começamos a agredir e revidar com palavrões a quem nos agrediu.

— Todo esse processo culmina no 6° passo, que fecha o círculo vicioso da vingança: a malícia (maldade). Agora queremos destruir a quem nos agrediu. Em nossa mente instala-se o desejo de acabar com as pessoas que nos fizeram mal. Queremos dar o troco. Pior ainda: nossa vingança deve ser pior do que aquilo que sofremos. (A leitura do AT — l Rs 19.1-13a — mostra este processo e suas consequências.)

O autor da Carta aos Efésios pede que afastemos, deixemos longe de nós esse processo que gera a violência. Com ele não só entristecemos o Espírito Santo, mas também tornamos a vida insuportável. Dentro desse processo de vingança, estamos fora do Espírito Santo, portanto, afastados da vida divina.

3. O princípio da não-violência

Em lugar do processo da violência, a fé cristã defende o princípio da não violência. Os três versículos que se seguem em nossa perícope descrevem os seis pás sós deste princípio, que são a antítese dos seis passos da violência. Quando somos agredidos, podemos reagir da seguinte forma:

— 1° passo: ser benignos. Em lugar da amargura, podemos reagir com bondade. Não deixar nos abalar. Agarrar-nos ao que é bom. Permitir que o Espírito Santo nos aconselhe.

— 2° passo: ser compassivos (ter um coração bondoso, ser misericordiosos). Ao invés da cólera, permitir que a compaixão dirija nossos pensamentos.

— 3° passo: perdoar. Enquanto que a ira clama por vingança, o perdão constrói a paz. Nós vivemos porque Cristo nos perdoou. Quando perdoamos, nós e nossos agressores temos chance de viver.

— 4° passo: ser imitadores de Deus. Esta é a única passagem bíblica em que a comunidade é chamada a imitar Deus. Em Mt 5.48 Jesus diz algo semelhante. Mas o pensamento da imitação de Deus em Ef 5.1 é único. Vimos que a la ação no processo da violência é a gritaria. A 1a ação no princípio da não-violência é imitar Deus. É fazer o que Deus faz: não partir para o confronto, mas ir ao encontro de quem nos agrediu.

— 5° passo: andar em amor. O autor de Efésios usa várias vezes o termo andar (2.2; 2.3; 2.10; 4.1; 4.17; 5.8; 5.15). Andar, nesta carta, é sinônimo de estilo de vida (way of live), maneira de viver. Andar em amor é contraposto à blasfêmia. Ir ao encontro da outra pessoa em amor, sem intenção de agredir.

— 6° passo: o sacrifício. A última consequência do círculo vicioso é a malícia. A quebra deste círculo vicioso é o sacrifício da própria vida, como última consequência que resta para quem segue a Cristo. A entrega da vida é o coroamento do princípio da não-violência (cf. também Jo 15.13). Na terminologia dos sacrifícios isto é um aroma suave para Deus (Gn 8.21; Êx 29.18). Com este pensamento o autor chega à antítese do v. 30. Lá ele nos pede para não entristecermos o Espírito Santo. Agora nos mostra que o sacrifício é algo que agrada a Deus.

Resumindo, podemos apontar os seis momentos:

Do processo da violência                            Do princípio da não-violência
Amargura                                                                   Benignidade
Cólera                                                                         Compaixão
Ira                                                                                 Perdão
Gritaria                                                                         Imitação de Deus
Blasfêmia                                                                    Amor
Malícia                                                                          Sacrifício

4. Nossa fé nos leva a um bom convívio

Vimos que em lugar do círculo vicioso da violência, a fé cristã oferece a alternativa do princípio da não-violência. Às pessoas que estão presas ao esquema da vingança é proclamada a libertação, através de um novo andar, de uma nova maneira de viver.

Essa oferta é válida para todos os níveis do convívio humano: familiar, profissional, comunitário e social.

A não-violência não pode ser confundida com passividade, mas deve ser identificada com pacificação (Mt 5.9: pacificadores são construtores da paz). Por isso falamos também em não-violência ativa.

Temos que cuidar para não ficarmos no plano individual, ao falarmos sobre esta perícope. Ela oferece uma boa perspectiva para a vida e o convívio na sociedade como um todo.

Imitar Deus, andar no amor pode levar ao sacrifício da vida, no tipo de sociedade em que vivemos. Nós estamos expostos ao capitalismo voraz. E capitalistas vorazes não hesitam em matar. Ainda que mudem os termos, foi o mesmo tipo de gente que matou, crucificou, sacrificou Jesus. Para manterem seu capital, muitas pessoas usam a violência.

Esse tipo de sociedade é muito perigoso e assassino. Mas também existe o perigo de se incrementar o processo da violência, quando se quer combater os capitalistas vorazes com meios violentos.

O princípio da não-violência ativa é usado por vários movimentos populares, para alcançar transformações sociais que visam uma vida digna para todas as pessoas. Podemos citar os movimentos dos sem-terra, de defesa dos povos indígenas, de defesa do meio ambiente, de clubes de mães, dos meninos e meninas de rua...

Todos esses movimentos sofrem agressões por parte dos capitalistas vorazes. São iilaqucs como os descritos no v. 31.

Todos esses movimentos, entretanto, reagem frente aos ataques conforme os passos indicados em 4.32 e 5.1-2. E infelizmente é grande a lista das pessoas que tiveram que sacrificar a própria vida nesta caminhada do amor.

A grande imprensa e os meios de comunicação de massa normalmente sacrificam os movimentos populares e as pessoas que participam deles. Tanto é que nas comunidades há muitos preconceitos contra tais movimentos. E, no entanto, são eles que mais praticam aquilo que o autor de Efésios indica como o caminho cristão para solucionar os problemas de convívio. A fé cristã nos leva a um bom convívio.

5. Um esquema para a prédica

— Partir da pergunta: o Espírito Santo fica triste? (Que tal deixar as pessoas responderem?)

— Mostrar o processo da violência. (Refletir e dialogar sobre como reagimos. quando somos agredidos(as).)

— Oferecer o princípio da não-violência ativa. (Refletir e dialogar sobre a proposta que se baseia na fé cristã.)

— Concluir com a reflexão sobre como nossa fé nos leva a um bom convívio. Ressaltar o aspecto dos movimentos populares, para não ficar no exemplo longínquo de Mahatma Ghandi, como paradigma da não-violência.

6. Subsídios litúrgicos

Intróito: Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. (Mt 5.9.)

Confissão de pecados: Nosso Deus! Tu cuidas de nós de uma maneira paternal e também maternal! Mas nós nos comportamos como se não fôssemos teus h lhos e tuas filhas. Ou como crianças mal-educadas. Perdoa-nos por te deixarmos triste com nosso jeito de ser e conviver. Perdoa-nos por não conseguirmos romper com o eterno círculo vicioso da vingança, da violência, da falsidade e da maldade. Em nome de Jesus Cristo nós te pedimos: tem piedade de nós, Senhor!

Absolvição: Cristo diz: Em verdade, em verdade vos digo: Quem crê, tem a vida eterna. (Jo 6.47.)

Oração de coleta: Nosso Deus! Muito obrigado por tudo que nos dás! Pedimos-te agora que nos dês o teu Espírito Santo, para prestarmos bem atenção ao que nos tens a dizer, através da leitura bíblica. Dá-nos a tua força para não sermos apenas ouvintes, mas também praticantes. Ajuda-nos a andarmos em amor. Por Cristo Jesus, teu Filho, nosso Irmão. Amém.

Leitura bíblica: l Rs 19.1-8(9-13a) ou Jo 6.41-51.

Oração final: Nosso Deus! Tu és um Pai e uma Mãe para nós! Tu conheces nossos problemas de convívio. Tu sabes quais são as dificuldades e os problemas só ciais que nos atingem. Tu vês como muitos movimentos bons, que buscam unia vi da digna, sofrem perseguições e blasfêmias. Por tudo isso nós sofremos, mas Iam bem somos culpados. Nós refletimos hoje sobre o poder destruidor do círculo vicio só da violência. Mas também sobre a oferta do princípio da não-violência ativa. Por isso agora te pedimos por nós, pelo nossos familiares, pelas outras pessoas com as quais convivemos, pelas autoridades e pelas pessoas que são responsáveis pelo andamento de nosso país. Não queremos que teu Espírito Santo seja entristecido. Ajuda a todas as pessoas a agirem e reagirem com bondade e compaixão. Ajuda-nos a perdoarmos aos nossos devedores e a quem nos tem ofendido. Somente com tua ajuda podemos ser teus imitadores e tuas imitadoras. Pedimos que Jesus Cristo nos acompanhe, para andarmos em amor. E, se for necessário, dá-nos coragem para enfrentarmos o sacrifício, ao invés de sacrificarmos nossa fé. Que a nossa maneira de viver possa ser um aroma suave para nosso querido Deus. Amém.

7. Bibliografia

STAAB, K. An die Epheser. In: Regensburger Neues Testament. Vol. 7, Regensburg, 1959.

SCHNACKENBURG, R. Der Brief an die Epheser. In: Evangelisch-Katholischer Kommentar zum Neuen Testament. Vol. 10, Neukirchen-Vluyn, 1982.
SAMPLEY, P. J. The Letter to the Ephesians. In: Proclamation Commentaries. Philadelphia, 1978.
TAYLOR Jr., W. F. Ephesians. In: Augsburg Commentary on the New Testament. Minneapolis, 1985.


Autor(a): Ulrico Sperb
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 12º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 4 / Versículo Inicial: 30 / Versículo Final: 32
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1990 / Volume: 16
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 13888
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