João 16.22-28

Auxílio homilético

20/05/1979

Prédica: João 16.22-28
Autor: Günter Wehrmann
Data Litúrgica: Domingo Rogate
Data da Pregação: 20/05/1979
Proclamar Libertação - Volume: IV


I - Texto e contexto

A limitação da perícope considero problemática, pois, como é sugerida (vv. 23b-27), ignora o contexto em favor do tema do Domingo Rogate (= rogai). O tema básico do texto não é a pergunta pela oração. Trata-se, antes, de uma meditação do evangelista sobre a alegria definitiva, prometida aos discípulos na hora da despedida. Essa alegria é anunciada em meio e contra o choro, a lamentação e a tristeza (vv. 20 e 22a). É uma alegria que ninguém poderá tirar (v. 22c), sendo caracterizada de maneira dupla:

1) Até agora foi falado aos discípulos em figuras obscuras, que davam motivo para perguntas; na alegria definitiva, porém, não mais haverá necessidade de perguntar (v. 23a). Aí haverá acesso livre a Deus e nos será falado de maneira aberta a respeito de Deus (v. 25).

2) Até agora os discípulos não oravam em nome de Jesus (v. 24a), mas a partir de agora (v. 24b) ou a partir daquele dia (v. 26a) podem pedir ao Pai em nome de Jesus. Acontece que o Pai ama os discípulos por causa de Jesus (v. 27) e dá-lhes alegria completa (v. 24c). Este amor de Deus eles experimentarão, se amam a Jesus e crêem que ele veio do Pai e voltou para o Pai (vv. 27-28).

Observando esse contexto, sugiro que se amplie a perícope para os vv. 22-28 (cf. Bauer).

II — Tradução

V. 22: Assim também vós: Agora tendes tristeza, mas outra vez vos verei, e o vosso coração alegrar-se-á, e a vossa alegria ninguém poderá tirar.

V. 23: Naquele dia. não me perguntareis mais nada. Em verdade, em verdade vos digo, se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la dará em meu nome.

V. 24: Até agora, nada pedistes em meu nome. Pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa.

V. 25: Estas cousas vos tenho dito por meio de figuras obscuras; vem a hora, quando não vos falarei por meio de figuras obscuras, mas vos falarei abertamente a respeito do Pai.

V. 26: Naquele dia pedireis em meu nome; e não vos digo que rogarei ao Pai por vós.

V. 27: Pois ele mesmo, o Pai, vos ama, porque vós me amastes e tendes crido que eu vim de Deus.

V. 28: Vim do Pai e entrei no mundo; outra vez deixo o mundo e vou para o Pai.

III — Considerações exegéticas

1. Naquele dia (vv. 23a e 26a) e vem a hora (v. 25b): Estas expressões (cf. Bultmann) apontam para a existência escatológica; outro autor (cf. Gerlach/Preuss), mais claramente, diz que não apontam para o fim dos tempos, mas são apenas designações para a nova vida na fé. Mas este tipo de escatologia puramente presente é uma limitação fatal. Certo é que a partir da Páscoa e de Pentecostes muita coisa mudou. O Espírito Santo guiará a toda verdade (cf. v.13). Ele nos põe num caminho, no qual gradativamente crescemos mais e mais no conhecimento. Porém, mesmo assim vale o agora... e então... de 1 Co 13.12. Assim é evidente que o já agora e o então determinam a nossa existência de hoje na fé.

2. PAROIMIA aparece no NT no sentido de enigma ou figura obscura apenas em Jo 10.6; 16.25.29 ( o contrário de PAROIMIA é PARRESIA = falar abertamente). Porém, observa-se que os enigmas de Jesus não são tão obscuros que não possam ser entendidos intelectualmente. Portanto, conclui-se que o enigma não consiste tanto na palavra, mas muito mais no ouvir. Assim as palavras enigmáticas permanecem obscuras para aquele que quer compreendê-las apenas intelectualmente, sem se comprometer; porém, tornam-se reveladoras para aquele que se compromete na nova existência escatológica de fé (cf. Bultmann, p. 452 e Peisker, p 589).

IV – Meditação

1. As nossas ansiedades e saudades

a) O texto fala em chorar, lamentar, e diz que os outros se alegram e gozam da gente; fala em dor de despedida. Nós podemos ampliar essas experiências: doença, câncer, hospital, medo; meu filho é toxicômano; o matrimônio está desmoronando; injustiça, fome etc.; perguntas e mais perguntas sem resposta: Por que aconteceu...? Qual é o sentido de...? Eu rezo, mas a oração não sobe nem até o teto! Nada muda!... Muda tu, Senhor!

b) Sinto falta de rumo, orientação e sentido; sinto falta de compreensão, aceitação e comunhão; sinto falta de alegria e vida que não passam; sinto falta de uma resposta que não provoca logo uma nova pergunta. Estou cansado de tudo; não mais aguento as tantas contradições nesta vida; estes altos e baixos me derrubam; sinto-me como uma casca de noz em alto mar, jogada pelas ondas. ... Você conhece isso, caro leitor? Quem sabe, muitos ouvintes estão lutando, em torno de um dos pontos citados acima.

2. Jesus nos vê e nos verá (cf. v. 22a e b).

a) Agora somos compreendidos e amados apesar ou por causa de todas as contradições. Nós, quando estamos lá em baixo, nos sentimos sós, abandonados, não compreendidos e não aceitos. Realmente acontece muitas vezes que ninguém se dá o trabalho de descer na minha lama. Ou quem sabe, nem eu esteja pronto para me esvaziar (cf. Fp 2.7) e descer ao mundo escuro e assustador do meu próximo.

Jesus, porém, está aí percebendo a nossa tristeza e não ignora a nossa situação (v. 22a). Ele nos vê, não de maneira indiferente, mas de maneira engajada. Ele não precisa descer até nós. pois ele mesmo está aqui em baixo. O crucificado está entre nós Ele nos compreende, mesmo se ninguém nos compreender, nem eu a mim mesmo. Ele me vê, compreende e aceita. Por isso é que me entrego a ele! Este é o primeiro passo para a transformação.

b) Por isso é que podemos falar com Jesus.

Agora podemos compartilhar tudo com ele. Isto é oração!

Reza-se muito na cristandade e até nas religiões pagãs! E quem quer duvidar da sinceridade de tantas orações? Mas muitas vezes tais orações querem usar Deus como quebra galho. Podemos usar a ilustração da carreta carregada com os nossos desejos e anseios, e nós sentados em cima querendo que Deus dê um jeito nas coisas.

Isto, porém, não é orar em nome de Jesus! Orar em nome de Jesus sabe apenas aquele que vive com ele, aquele que se entrega a ele, aquele que se deixa guiar, orientar e dominar por ele, aquele que deixa dominar-se até nos seus anseios e desejos, aquele que se deixa guiar pelas rédeas de Jesus. Aí leva-se a sério a implicação do seja feita a tua vontade (cf. como Jesus mesmo orou em Mt 26.39c). Sabemos que o Pai enxerga mais longe que o filhinho de três anos, e sabe melhor o que é bom e útil.

No mais, na convivência com Jesus experimentaremos a verdade de Rm 8.28. Tanto através de sofrimentos como através de alegrias, Cristo nos quer puxar para mais perto de si. Fica claro que orar em nome de Jesus não é apenas uma fórmula vazia, mas uma maneira de ser e viver!

Mais uma palavra: Se eu falo com minha esposa somente quando estou em dificuldade, ou se falo com ela só através de palavras decoradas, ou se até pergunto: Quantas vezes devo falar contigo e ouvir-te? - então estou demonstrando que não a amo. Mas o mesmo vale a respeito do nosso relacionamento com Cristo. Se eu o amo, falo de tudo com ele e ouço o que ele me tem a dizer, sinto a necessidade de compartilhar com ele alegrias, sucessos, fracassos e ansiedades.

3. Jesus é o garantidor de verdadeira alegria (v. 22) Alegria que não passa; alegria que ninguém e nada nos poderá tirar. É por isso que todo ser, sim, toda criação, está ansiando (cf. Rm 8.19-23). Nosso texto fala duas vezes em naquele dia (vv. 23 e 26) e uma vez em vem a hora (v. 25). É claro que com isso. aponta para o fim dos tempos. Para ilustrar aquela alegria que não passa, medite sobre Ap 21.3-6, principalmente v. 4; Deus mesmo enxugará dos olhos toda lágrima! Ou medite sobre 2 Pe 3.13 ou Jo 14.2 e 3 (estar em casa = não mais sofrer saudades)!

Então nada precisaremos perguntar, pois não mais haverá pergunta, nem saudade, nem falta.
Mas não omitamos que aquela alegria escatológica. aquela esperança, determina a nossa vida de hoje, já! Pois Cristo esta presente em meio de nossas lutas e contradições Como? Isto é muito importante ser demonstrado e ilustrado com um testemunho pessoal!
Quero fazê-lo aqui:

Vinha eu acompanhando um homem doente de câncer, falando-lhe da nossa esperança; isso fez com que ele decidisse submeter-se a uma cirurgia; a data foi marcada para uma 4? feira; mas naquele dia o seu estado piorou e os médicos desistiram da cirurgia; na 6? feira à noite faleceu Sofri profundamente com os familiares. À noite me encontrava sozinho em casa, pensando nas tarefas do dia seguinte: Às 14h teria de falar com jovens sobre o tema namoro, noivado e casamento; às 16h teria de sepultar o amigo irmão; e às 18h teria de dar a bênção matrimonial a um casal de noivos com o qual tive diálogos sinceros e profundos. Como poderia eu aguentar essas experiências aparentemente contraditó-rias?... Como poderia dar-me totalmente em cada situação específica?...Impossível!

Escutei, então, uma parte da música Deutsches Requiem de Johannes Brahms. A certa altura uma soprano cantou: Agora vós tendes tristeza, mas sede consolados; pois a vossa tristeza será transformada em alegria - e a vossa alegria ninguém vos poderá tirar.... Faltam-me as palavras adequadas para descrever aquilo que experimentei. Cristo me compreendeu, aceitou, fortaleceu, me deu ânimo para viver, e me fez ver que há uma constante em todas as contradições desta vida (Cristo quer nos puxar mais para perto de si ...). Assim consegui alegrar-me com os alegres e chorar com os entristecidos, podendo mostrar-lhes que o nosso Salvador vive aqui entre nós e que ele é a nossa alegria, hoje e eternamente.

Observando-se os passos seguidos acima, na meditação, pode-se perceber como uma prédica poderia ser estruturada. Importa que se ouça o evangelho que nos abre um futuro com alegria completa. Esta esperança determina a nossa vida de fé hoje. Observe-se essa consequência! Assim se evita a interpretação moralista!

Sugiro os hinos 176 e 250, do Hinário da IECLB.

V – Bibliografia

- BAUER, A. V. Meditação sobre João 16, 23b-27. In: Homiletische Monafshefte. Caderno 6. 1973.
- BULTMANN, R. Das Evangelium des Johannes. y ed., Göttingen. 1958.
- GENSICHEN, H. W. Meditação sobre João 16, 23b-27. In: Gepredigt den Völkern. Vol. I. Breklum, 1960.
- GERLACH, W. e PREUSS, H. R. Meditação sobre João 16,23b-27. In: Fredigtstudíen. Vol. 1/2. Stuttgart, 1973.
- PEISKER, C. H. Artigo PAROIMIA. In: Theologisches Begriffslexikon zum NT. Vol II /1. Wuppertal. 1969.
- SCHLATTER, A. Das Evangelium nach Johannes. In: Erläuterungen zum NT. Vol III. Stuttgart, 1962.


Autor(a): Günter Karl Fritz Wehrmann
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 6º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 22 / Versículo Final: 28
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979 / Volume: 4
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14584
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