Lucas 6.36-42

Auxílio Homilético

30/06/1985

Prédica: Lucas 6.36-42
Autor: Werner Brunken
Data Litúrgica: 4º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 30/06/1985
Proclamar Libertação - Volume: X

l — Tradução

Podemos basear-nos na tradução de Almeida. Só no v. 38 não está, no original, a palavra generosamente. O correto é no colo. A frase toda fica assim: Dai, e vos será dado; boa medida, bem amassada, sacudida, transbordante vos será dada no vosso colo (na dobra do avental), porque com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também.

II — Contexto

A presente, perícope pertence ao Sermão da Planície, de Jesus, que começa com o v. 17 e vai até o v. 49. O texto apresenta paralelos com o Sermão da Montanha (Mt 5 a 7 — principalmente 7.1/5; 5.48). O sentido do v. 39 encontramos em Mt 15.14. O sentido do v. 40, em Mt 10.24s. Vemos assim uma afinidade muito grande entre Lucas e Mateus.

A perícope consiste de partes da segunda e da terceira unidade do Sermão da Planície: os vv. 36-38 pertencem à unidade 6.27-38 e os vv. 39-42 pertencem à unidade 6.39-46.
O v. 36 é o elo de ligação entre os vv. 27-55 e 37-42. É o resumo dos vv. 27-35 e mostra o objetivo e a possibilidade dos vv. 37-42.

Mesmo sendo cortada parte das duas unidades citadas, a perícope Lc 6.36-42 tem o seu sentido completo, que podemos definir como segue: A misericórdia de Deus leva os seus discípulos a serem misericordiosos no convívio com os outros.

As palavras do Sermão da Planície foram dirigidas por Jesus a seus discípulos.

III — Exegese

V. 36: O Pai é misericordioso.Trata-se aqui de uma verdade bíblica que expressa uma das qualidades da santidade de Deus. Como Lv 19.2 pede que sejamos santos, porque Deus é santo, assim coloca: O Pai é misericordioso, por isso os seus também são misericordiosos. O motivo de amar os semelhantes está baseado na misericórdia de Deus. Ser misericordioso pertence ao ser de Deus: Deus é aquele que se compadece. Por ser Deus misericordioso, amor e misericórdia devem fazer parte do ser e viver dos seus discípulos. Pois quem foi aceito por Deus em sua misericórdia, não pode mais deixar de ser misericordioso no seu agir para com os outros. Misericórdia é uma qualidade da vida cristã, que encontra sua raiz em Deus, que demonstrou-a na pessoa de Jesus Cristo.

Vv. 37-38: Estes versículos querem ser compreendidos a partir do v.36. É mostrado num exemplo o que é ser misericordioso. O discípulo não está aí para julgar e condenar, mas para perdoar. Não se trata aqui do julgamento no tribunal, mas do conviver dos discípulos de Jesus. O julgamento e a condenação no seio da comunidade cristã iriam colocarem dúvida a validade da misericórdia de Deus. Entretanto, se na comunidade cristã for exercitado o julgar e o condenar, isto teria como consequência o julgar de Deus em relação à comunidade (compare Mt 7.1-5). Os discípulos de Jesus que julgam e condenam, mas que ao mesmo tempo vivem da misericórdia de Deus, precisam estar conscientes que Deus também julgará e condenará. Por isso, viver da misericórdia de Deus é perdoar. Cabe aqui a comparação com as palavras de Mt 19.21-35 - o credor incompassivo. As palavras do v. 38 reforçam esta atitude cristã: não condenar e julgar, mas perdoar, libertar, dar. Quanto mais os discípulos viverem no perdão, mais experimentarão a misericórdia de Deus. Este recompensa a misericórdia vivida: quem mais dá, mais recebe.

V. 39: Jesus se dirige com uma pergunta aos seus discípulos. A pergunta levanta a questão dos guias na comunidade. Trata-se de uma parábola conhecida, que nega a alguém que mesmo não vê o direito de guiar. Em Mt 15.14 as mesmas palavras se dirigem aos guias do povo judeu. Em nossa perícope trata-se de palavras poimênicas nos discípulos. Pois no momento que alguém dentre eles assumisse um lugar de liderança, ele precisava estar preparado. Teria que agir pela misericórdia de Deus, sem querer orgulhar-se do seu cargo, servindo como Jesus serviu. Jesus aponta, portanto, para o perigo que existe de querer guiar alguém sem estar consciente da misericórdia do Deus.

V. 40: Também estas palavras encontramos em Mt 10.24. Mas, enquanto em Mt as palavras querem encorajar os discípulos para o sofrimento no seguir a ele, em nossa perícope tudo está concentrado no ensino. O discípulo (aluno) não pode ser mais do que o Mestre. Toda avareza e orgulho lhe são tirados. O discípulo tem no seu Mestre o exemplo a seguir. O Mestre é misericordioso, e nesta misericórdia consiste o seu agir, o seu ensinar.

Vv. 41-42: Estas palavras encontramos também em Mt 7.3-5. Elas apontam para o agir numa liderança sadia. Na comunidade cristã muitas vezes há a necessidade de se chamar a atenção nos casos de erros cometidos, mas deve haver cuidado para que tudo aconteça dentro da misericórdia de Deus e não em espírito arrogante e orgulhoso. É preciso sentir-se junto com o outro os seus problemas; não ficando à distância e desprezando o outro, mas vivendo com ele os seus erros e reconhecendo pessoalmente os próprios defeitos. A figura fala do argueiro no olho do acusado e da trave no olho do acusador. Só quando o acusador se coloca diante do Deus justo com seus defeitos, é capaz de ajudar o outro para libertar-se do argueiro. Vivendo na misericórdia de Deus, pode-se ajudar o outro, sem pretensões de querer ser mais, mas sempre no sentido de libertar ambos para viverem na misericórdia de Deus.

IV — Escopo

A misericórdia de Deus nos leva a sermos misericordiosos com os outros em todos os sentidos.

V – Meditação

É importante que no início da perícope esteja a mensagem do Deus misericordioso. A misericórdia de Deus é o princípio de todo o agir dos seus filhos. Só a partir da manifestação de Deus em Jesus Cristo pode haver para nós um caminhar conforme a sua misericórdia.

1. No Novo Testamento lemos que só a Deus compete o direito de julgar sobre as pessoas. Diante do julgamento de Deus todos precisam comparecer (Mt 25.31-46; Rm 14.10-12; 2 Co 5.10). Mas, mesmo no julgamento, Deus não abandona sua qualidade misericordiosa. A justiça de Deus está envolvida pela sua misericórdia. Onde pessoas se acham no direito de julgar sobre outros, aí entram no campo que compete a Deus.

2. Querer estar acima dos outros é uma qualidade da natureza humana. As pessoas querem aparecer. E para poder aparecer, justificam-se a si mesmas e julgam e condenam os outros. Quanto mais as pessoas procuram ser as tais, tanto mais passam a desprezar os outros.

Jesus não traz uma justiça que julga, mas que liberta, que salva, que é carregada pela misericórdia de Deus. A justiça de Deus não produz separação, mas comunhão. Na misericórdia de Deus ninguém quer ser mais do que o outro, pois todos vivem da qualidade misericordiosa de Deus. A sua misericórdia proíbe o julgar, condenar. Ela coloca o amor, o perdão e a salvação como norma de sua ação.


3. Esta misericórdia cria uma nova visão. Usando a figura do argueiro e da trave, Jesus mostra o absurdo quando pessoas se comparam. É lógico que cada um procura tirar vantagem para si nesta comparação e se vê sempre melhor do que o outro. Nesta situação a misericórdia de Deus aponta para mim e mostra-me o quanto sou errado no meu proceder, apontando para a trave no meu olho. Só quem aprender a ver a sua própria vida pela misericórdia de Deus, poderá ajudar outros a afastar o argueiro dos seus olhos. Sem esta nova visão a pessoa permanece cega.

4. As colocações anteriores não descartam a possibilidade de apontar para as pessoas que vivem erradamente. Mas cada um, ao julgar, deverá sempre ter presente que está no mesmo barco e sujeito aos mesmos erros, e que só pela misericórdia de Deus pode haver um relacionamento sadio para com os outros.

Esta solidariedade de culpa cria uma nova comunhão. Não está um acima do outro, mas um ao lado do outro. Partindo desta crítica misericordiosa, que descobre os erros e os aponta, mas que não condena, vamos andar com o outro o seu caminho nesta vida.

VI — Sugestão para prédica

Introdução: Falar sobre a pessoa humana, que não foi criada para viver só, mas em sociedade. Ninguém é uma ilha, mas parte de um continente. Partindo daí surge a pergunta sobre como lidamos um com o outro — com aqueles que são diferentes do que nós na sua raça, na sua religião, na sua posição social. O que podemos ser para os outros, partindo da misericórdia de Deus? O que os outros podem ver e perceber em nós quando convivem conosco?

A vida dos cristãos é a Bíblia dos descrentes. E este livro é lido criticamente. Como agimos, uns com os outros? Quando vivemos na misericórdia de Deus? Jesus nos deu o exemplo nas suas palavras e atitudes. Quem vive no poder de Cristo, espalhará a misericórdia recebida.
Como isto pode acontecer?

1. Quem vive da misericórdia de Deus não pode julgar e condenar — Não se trata aqui do julgamento no tribunal, mas do conviver diário. Trata-se da conhecida figura das gavetas. É o perigo que cada pessoa enfrenta de classificar os outros e engavetá-los. Um ditado neste sentido: É mais fácil passar um camelo pelo fundo da agulha do que libertar alguém que foi engavetado por nossos julgamentos. Este tipo de julgamento farisaico destrói a comunhão. Quem recebeu e experimentou a misericórdia de Deus e não a pratica, desliga-se novamente desta misericórdia e passa a ser julgado por Deus.

2. Quem vive da misericórdia de Deus aprende a ver os outros com novos olhos — Quanto à figura do argueiro e da trave devo estar consciente de que eu preciso mudar antes de querer mudar os outros. A misericórdia de Deus tem o efeito de fazer cada um olhar primeiro para si mesmo e reconhecer a própria fraqueza. Pois só vendo a mim mesmo nos meus erros é que terei compaixão para com o outro. Quem age na misericórdia recebida, será rico em ter compaixão com os outros, será rico em amor e bondade.

3. Oração de Francisco de Assis — Senhor, fazei-me um instrumento de vossa paz — serve muito bem para ilustrar o que é viver na misericórdia de Deus.

VII —Subsídios litúrgicos

1. Introito: Diz Jesus Cristo: Sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai Celeste.

2. Confissão dos pecados: Senhor! Confessamos diante de Ti e na presença de todos, que não conseguimos ser perfeitos. Bem pelo contrário, julgamos e condenamos os outros que pensam e vivem de modo diferente do que nós. Acreditamos ser donos da verdade. Perdoa-nos este nosso orgulho e fraqueza pelo sangue de Jesus Cristo, que conosco usou muita misericórdia. Por isso pedimos-te: Tem piedade de nós. Senhor!

3. Anúncio da graça: Diz o Senhor: Os montes se retirarão e os outeiros serão removidos; mas a minha misericórdia não se apartará de ti e a aliança da minha paz não será removida. Por isso podemos dizer com alegria e cantar: Glória a Deus...

4. Oração de coleta: Eterno Deus! Muito obrigado por podermos estar reunidos em teu nome e experimentar a tua misericórdia, que tens para conosco. Concede que recebamos a tua Palavra como orientação para a vida. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.

5. Leitura bíblica: 1 Pe 2.1-10

6. Assuntos para a oração final: agradecer a Deus pela misericórdia manifestada em Jesus Cristo; pedir que nos prepare para viver nesta misericórdia; noite mundo de tanta miséria, há necessidade de ter sempre mais pessoas que tenham compaixão para com a miséria dos outros em todos os níveis; onde isto acontecer, haverá mais compreensão, mais comunhão, mais justiça; pedir por orientação para não julgar e condenar, mas perdoar e aceitar; vivendo na misericórdia de Deus haverá maiores chances de vida plena.

VIII – Bibliografia

- GRIJP K van der. Meditação sobre Lucas 6.36-42. In: Proclamar Libertação, v. 4. São Leopoldo, 1979.
- RENGSTORFF, K. H Das Evangelium nach Lukas. In: Das Neue Testament Deutsch v. 3. Göttingen, 1958.
- SORG, T. Meditação sobre Lucas 6.36-42. In: Neue Calwer Predigthilfen. v. 1 B. Stuttgart, 1979.
- VOIGT, G Meditação sobre Lucas 6.36-42. In: Der schmale Weg. Göttingen, 1978.
- WENDEBOURG, E. W. Meditação sobre Lucas 6.36-42. In: Calwer Predigthilfen. v. 11. Stuttgart, 1972.


 


Autor(a): Werner Brunken
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 36 / Versículo Final: 42
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1984 / Volume: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14659
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