Marcos 2.1-12

Auxílio Homilético

13/10/1985

Prédica: Marcos 2.1-12
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: 19º Domingo após Trindade
Data da Pregação: 13/10/1985
Proclamar Libertação - Volume: X

l — Observações exegéticas

A perícope faz parte de uma série de controvérsias que Jesus teve com os fariseus e escribas. Marcos agrupou essas discussões de Jesus com seus adversários especialmente em 2.1 a 3.6, onde se pode perceber que os adversários não querem reconhecer a autoridade de Jesus — na nossa perícope é o poder de perdoar pecados — que prvoca a reação das autoridades religiosas culminando, inclusive, com a decisão de matá-lo (3.6). Os milagres em si nunca provocaram incompreensão ou reação, pois faziam parte do mundo dos contemporâneos de Jesus. Por outro lado, Jesus também não fez milagres apenas por fazê-los, mas o intuito maior sempre foi o de apontar para o Reino de Deus, de trazer a realidade do Reino de Deus para seus ouvintes, de mostrar, em casos isolados, mas bem concretos, como é a nova vida que Deus oferece e para qual Jesus veio convidar.

O que se pode perceber claramente é que a perfcope, a 1a de toda a série, é uma composição ou fusão de dois acontecimentos dis¬tintos e provavelmente separados, a saber: A cura do paralítico (vv. 1-5.11.12) e a controvérsia sobre perdão dos pecados (vv. 6-10). Há exegetas que procuram fazer esta separação de forma mais minuciosa ao dellimitarem a cura do paralítico para os vv. 2-5a.11 e a controvérsia sobre o perdão dos pecados para os vv. 5b-10. A fusão dos dois acontecimentos para um bloco só pode ter sido feita pelo evangelista Marcos ou já antes. Essa segunda hipótese é reforçada pela ideia de que a comunidade primitiva procurava fundamentar em Jesus a sua autoridade de perdoar pecados que o judaísmo lhe negava. Em todos os casos, o perdão dos pecados é a questão maior do texto.

A cura de um paralítico em Cafarnaum como é conhecida a perícope, encontramos nos três evangelhos sinóticos (Mt 9.18 o Lc 5.17-26) sem maiores diferenças ou pormenores. Permanecendo no nosso texto, podemos observar que a falta mais precisa de data e a localização muito vaga (numa casa — a sua? do alguém outro? em Cafarnaum) reforçam o argumento de que não há interesse no milagre, na sua historicidade. Conseqüentemente o interesse está no caráter paradigmático do relato; o que Jesus faz serve para mostrar a nova realidade que irrompeu entre o povo com a sua vinda e com a sua presença. Esta sua presença manifesta-se não apenas através dos seus atos bem concretos que mexem com a base da vida das pessoas, como também através de suas palavras, do ensino (v. 2). O que Jesus ensina se refere a toda a sua vida e por isso não é possível separar palavra e - ação em Jesus. A sua palavra traz e provoca ação; a sua ação, baseada na palavra, traz e provoca reação. Esta reação pode ser de admiração (v. 12) e aceitação, como também pode ser de questionamento e rejeição (vv. 6 e 7).

O esforço dos quatro homens que carregam o paralítico e o trazem até diante de Jesus é realçado na perícope. Este esforço, unido à esperança de que seriam atendidos, é vista por Jesus como fé (v. 5). Desdobrando essa fé, na qual o paralítico pode estar incluído, poderíamos dizer que ela é a expressão de diversos fatores: o esforço, a dedicação, a solidariedade e a esperança de ser ajudado. Tal fé provoca a resposta e a ação de Jesus. Podemos observar em diversos outros textos que o esforço por um lado, e a esperança de receber ajuda por outro lado, são vistos por Jesus como expressão de fé, que é ouvida e leva à transformação (Mc 1.32ss; 1.40ss; 5.21ss; 7.24ss; 8.22ss; 11. 20ss e outros).

O v. 5 quase nos induz a ver uma certa relação entre doença e culpa, pois o paralítico, bem como todos seus companheiros, certamente esperavam por uma cura — assim como Jesus anteriormente já fizera com muitos (1.32-34). Jesus, porém, lhe perdoa os pecados. Ao contrário de João (5.14 e 9.2), que aponta para uma relação entre doença e culpa, os evangelhos sinóticos não o fazem. Na perícope, onde alguns querem ver essa relação, Jesus não pergunta por causa ou origem da doença, e também não faz nenhuma exigência para curar, tampouco para perdoar. A nossa perícope não nos permite ver relação entre doença e culpa; ela apresenta duas situações de dificuldade que são solucionadas prontamente por Jesus: Essa sua prontidão, manifesta no perdão incondicional dos pecados, provoca reação. Conforme compreensão farisaica, perdão só poderia ser conseguido mediante esforço no cumprimento da Lei e quem perdoava era Deus. Jesus quebra com essa compreensão ao perdoar pecados agindo, portanto, em lugar de Deus. Essa sua ação é considerada blasfêmia, ofensa a Deus. Os adversários de Jesus, aqui os escribas, não aceitam de Jesus esta autoridade com a qual ele age, ao passo que Jesus se autodenomina de Filho do homem. Este título cristológico, ou messiânico, é a única autodesignação de Jesus. Ele se entende como Filho de Deus, isto é, nele começou o tempo em que Deus está distribuindo gratuitamente a sua graça para todos que a desejam e aceitam. Jesus se coloca, agora, no lugar de Deus ao perdoar pecados e ao se entender como Filho do homem. Nisto reside a loucura, a blasfêmia, o escândalo conforme os escribas. Por isso eles logo mais procuram persegui-lo e matá-lo (3.6). Não foram os milagres, mas a sua autoridade de curar, de falar e de perdoar pecados que levaram Jesus à morte. O Filho do homem perdoa pecados. Ele reaproxima o homem de Deus. Ele cura. O que todos esperavam para um futuro distante, está ini¬ciando aqui em Jesus apontando para o futuro.

II — Meditação

Não podemos problematizar onde o texto não traz problema e também não onde os ouvintes de Jesus não viam nenhum problema. Por outro lado precisamos achar respostas adequadas, a partir do próprio texto, para todas as nossas dúvidas. Assim sendo, precisamos partir do ponto de que a cura do paralítico, um caso nada estranho para os contemporâneos de Jesus, é sinal que quer apontar para algo maior, fora de si. Não é o milagre que quer chamar a atenção para si, para a ação de Jesus. O inesperado, o totalmente estranho na ação de Jesus (Jamais vimos coisa assim v. 12) é que ele toma para si a autoridade, que em última análise somente Deus mesmo tem, a saber, de perdoar pecados. Este é, em si, o milagre; o milagre da revelação de Deus ao homem. Em Jesus, Deus está se revelando, indo ao encontro do homem, chamando-o e aceitando-o. Não precisamos mais esperar pelo início longínquo e distante da era messiânica, por um momento escatológico todo especial e diferente, porque ele está presente e já iniciou. O Reino de Deus começou a se tornar realidade. Para isso justamente é que as duas ações de Jesus, o perdão dos pecados e a cura, através da palavra, querem apontar. Deus, na totalidade do seu Reino se volta ao homem todo curando-o totalmente, possibilitando-o para uma nova vida, livre de doença, livre para seguir seus passos. Se Jesus diz a um doente: levanta e anda, então isto é um chamado bem claro para a esperança e um convite para que essa pessoa experimente a nova vida sem estar presa ao passado, sem ser determinada por culpa e dívida assumidas anteriormente. Isto é perdão dos pecados. Isto o paralítico sentiu e ficou sabendo.

Mas perdão dos pecados não é apenas algo que vou receber num futuro distante, mas posso receber agora já, pois com Jesus iniciou esta nova era. Por isso a minha quebra de união com Deus podo ser restabelecida novamente. Posso moldar a minha vida conforma a vontade de Deus, não conforme minha culpa, minha fraqueza e mi nhãs falhas.

Ouvintes devem ficar sabendo que o perdão de seus pecados lhes é concedido agora e sempre que eles estão reunidos ouvindo a Palavra. Esta Palavra não quer preparar ninguém apenas para o futuro, para o fim, mas à semelhança do paralítico, os doentes podem e devem receber cura no momento atual de sua vida. E quem são os doentes? Quem são os que hoje precisam ser curados e a quem os pecados devem ser perdoados? Facilmente incorremos no erro de pensar que temos cometido apenas um e outro pecado leve, uma e outra infração diante de Deus, que o desobedecemos pouco. Todos somos doentes e precisamos do perdão visto que o nosso pecado é o fato de nós termos quebrado a união com Deus. Ouvindo a Palavra ficaremos sabendo da nossa situação.

A fé, muitas vezes entendida e confundida com um sentimento religioso, recebe aqui uma definição bem clara a tal ponto que ela pode ser vista na atitude dos companheiros. A solidariedade de diversas pessoas para com um doente possibilita a sua cura, a sua nova vida. Em nossos dias sentimos mais o individualismo e poucos, muito poucos, realmente têm tempo para solidarizar-se com o outro. A comunidade é o local onde a solidariedade deve brotar e ser cultivada para que ela possa levar muitos a uma nova vida, fazer com que eles sejam ajudados.

A comunidade carrega seus paralíticos? Faz alto para que os que não conseguem mais avançar, para os que somente resta esperar por alguém que faça algo por eles? Vemos que o comportamento da comunidade deve ser o de sair de si mesmo, e a partir de sua esperança de que a situação do fraco mudará, não medir esforços para que isso realmente aconteça. A comunidade deve fazer o possível para que o seu Senhor, o Filho do homem, possa fazer o possível como o impossível.

A Palavra continua sendo divulgada e continua convidando: levanta-te! O homem é convidado a participar da concretização e da expansão do Reino de Deus, no qual todos estão livres daquilo que anteriormente lhes prendia: cama, poder, opressão, egoísmo, e assim por diante. Há nova vida para aquele a quem é levado este convite através da Palavra e do emprenho concreto.

III — Nossa gente e o texto

Estudei a perícope com dois grupos existentes na comunidade. Todos tinham o texto em mãos e, após a leitura, partimos para a pergunta: O que este texto nos ensina? As principais respostas que coletei foram:

— Com esta cura a gente pode ver que Jesus tem poder.
— As pessoas não queriam acreditar que Jesus era poderoso. Então ele fez o milagre, mas não quer ser um milagreiro.
— Jesus ajudou o homem doente sem perguntar por sua fé. Ali só diz que quem tinha fé foram os quatro homens que ajudaram o doente.
— Alguém foi ajudado uma vez porque ele teve companheiros que ajudaram ele. Assim também a gente pode fazer alguma coisa pelo outro — orando por ele, fazendo alguma coisa se ele pede por ajuda.
— Assim como esses quatro homens que levaram o doente, a nossa comunidade deve levar as pessoas que não podem mais sozizinhas.
— Parece que a doença do homem era por causa dos pecados que ele tinha.
— Perdoar é muito importante, porque no momento que perdoo, e quando transmito o amor do perdão, eu me sinto bem.

IV — A prédica

A prédica poderia destacar três momentos bem importantes e distintos da perícope:

a) O quadro vivo: o doente e seus quatro ajudantes. Alguém que não consegue se ajudar mais, cujo mundo é a cama, o colchão, tem amigos que estão ao seu lado e o ajudam. A vida é mais fácil quando se tem amigos, quando se tem próximos!

b) A palavra inesperada: os teus pecados estão perdoados. Perdão realmente é tão importante? Perdão é concedido antes de mais nada por Deus; Ele, na sua misericórdia, concede gratuitamente o perdão. Todos os pecados só podem ser perdoados, se Deus os perdoou primeiro. O pecado está em cada um de nós.

c) Horizonte aberto: o doente levanta, anda, carrega sua cama que até há pouco lhe carregou. Esta sua vida terminará algum dia; este curado morrerá algum dia. Será que a perícope não quer apontar também para um futuro no qual todos, inclusive os mortos, ouvirão esta voz (ordem): Eu te ordeno: levanta!?

Outra possibilidade para a prédica é tomar perdão como terna central e seguir os seguintes passos:

— Aqui acontece perdão, contra toda expectativa, sem premissas, renovando vida.
— Nossa atuação comparada a dos homens que ajudam o doente. Jesus viu a fé deles! O que nós esperamos de Jesus Cristo? Apenas o possível? O que fazemos para que ele possa fazer o impossível?
— Nós podemos conceder o perdão aos outros — todos podem ser libertados do seu passado e iniciar uma nova vida.
— Queremos perdoar assim como Deus nos perdoa as nossas dívidas.

V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Misericordioso Deus, nosso Pai. Através de tua palavra tu nos dizes claramente que nos aceitas sem exigir nada em troca; podemos chegar diante de ti sem nada, apenas com nossa vida que tem falhas e erros. E é assim que estamos aqui agora. Reconhecemos a nossa culpa, sabemos que não ajudamos quando podíamos ter ajudado, sabemos que pensamos demais em nós mesmos. Perdoa-nos, Senhor. Ouve-nos quando clamamos a ti como tua comunidade te pedindo: Tem piedade de nós. Senhor!

2. Oração de coleta: Senhor, nosso Deus e nosso Pai. Reunimo-nos aqui para celebrar este culto a ti. Ele é importante para nós. Por isso ajuda-nos para que possamos te louvar e te engrandecer através de nossos cantos e de nossas orações por tudo aquilo que tu já fizeste por nós, especialmente, pelo fato de nos aceitares como teus filhos. Ajuda-nos também para que a tua palavra nos encha de ânimo e de alegria para que quando daqui sairmos, sejamos lembrados que através de nós tu queres chegar ao nosso próximo. Abençoa-nos. Por Jesus Cristo. Amém.

3. Oração final: Querido Deus e nosso Pai. Nós te agradecemos que tu fazes milagres e que estes milagres valem também para os nossos dias e para todos nós. Lembramo-nos do teu milagre, o maior de todos: que tu vieste a nós oferecendo-nos nova vida. Isto tu nos disseste mais uma vez aqui neste culto. Para nós é bom saber isso. É bom sabermos que não precisamos procurar ajuda em outros lugares, pois tu nos ajudas, que não precisamos trazer nada para ti para tu nos aceitares, pois tu nos aceitas sem impor condições . Queremos te agradecer por todos os pequenos ou grandes milagres que acontecem em nossa vida, especialmente na nossa comunidade. Pensamos na dedicação e no amor que muitos membros têm por tua igreja; pensamos na força do perdão entre as pessoas; pen-samos no novo estímulo que a tua palavra cria. Ao sairmos daqui também queremos te pedir por todos nossos membros; permanece com todos, abençoando nossa vida familiar e o trabalho de todos. Ajuda também para que todos tenham seu trabalho que lhes traga e dê o pão de cada dia. Fica especialmente com todos os membros da nossa comunidade e com todas as pessoas aqui de nossa cidade (lugar), que se afastaram de ti, do convívio com a tua palavra: realiza neles o grande milagre da vida nova. Pedimos-te Senhor, por todos idosos e pelas crianças para que eles saibam que suas vidas estão em tuas mãos. Pedimos-te que tu queiras fazer uso de ti para viver em comunhão e em solidariedade. Guia-nos e guarda-nos hoje e na nova semana. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.

VI – Bibliografia

- FROMM, E. Haben ode Sein. München, 1979.
- GOLLWITZER H Einfuehrung in die evagelische Theologie. In: -. Befreiung zur Solidaritat. München, 1978.
- GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento, v. 1 e 2. São Leopoldo/Petrópolis, 1983.
- HOLZE, H. et PIETER, H. de. Meditação sobre Marcos 2.1-12. In: P. Krusche (ed ) Predigtstudien zur Perikopenreihe I. v. 1, t. 2. Stuttgart, 1979.
- MARKERT L. Meditação sobre Marcos 2.1-12. In: Neue Calwer Predigthilfen. B. Stuttgart, 1979.
- SHOENBORN, U. Fé entre história e experiência — migalhas exegéticas. São Leopoldo, 1982.
- SCHWEIZER E. Das Evangelium nach Markus. In: Das Neue Testament Deutsch. v. 1. Göttingen,1979.
- VOLKMANN, M. Meditação sobre Marcos 2.1-12. In: Proclamar Libertação I. v. 4. São Leopoldo, 1979.


 


Autor(a): Valdemar Lückemeyer
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 20º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1984 / Volume: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14666
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