Lucas 15.1-7(8-10)

Auxílio Homilético

23/06/1985

Prédica: Lucas 15.1-7(8-10)
Autor: Otto B. S. Höller
Data Litúrgica: 3º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 23/06/1985
Proclamar Libertação - Volume X


l – Introdução

O capítulo 15 do evangelho segundo Lucas, compõe-se de três parábolas a respeito do perdido. Todas tem como objetivo, fazer fariseus e escribas entenderem a comunhão de Jesus com os pecadores.

As duas primeiras, da ovelha e da dracma perdida — uma relacionada com o mundo do homem e a outra com o da mulher —, ressaltam a misericórdia de Jesus para com os pecadores. A parábola seguinte, do filho pródigo, narra cenas de perdão.

Os vv. 1 e 2 formam a introdução e nos colocam a par do problema: A comunhão de Jesus com os pecadores. Essa comunhão e o fato de Jesus conviver com as pessoas marginalizadas, tanto religiosa como socialmente, é interpretada pelas duas primeiras parábolas.

As parábolas nos são narradas nos vv. 4 e 6 (A ovelha perdida), e nos vv. 8 e 9 (A dracma perdida). O que chama a atenção é a falta de uma terminologia religiosa. Os acontecimentos são tirados do dia a dia da vida dos pastores, de uma simples dona de casa (Nör, p. 107).

Os vv. 7 e 10 dão o mesmo desfecho conclusivo a ambas: Deus alegrar-se-á mais por um só pecador que faz penitência, do que por noventa e nove homens corretos (justos) que não precisam de penitência (J. Jeremias p. 137). Evidente que a firmação justos que não têm a necessidade de arrependimento, deve ser entendida a partir do seu contexto como um exagero retórico (cf. Goppelt, p. 159).

O texto não oferece problemas de crítica textual. A tradução do João Ferreira de Almeida não merece reparos. Embora, para melhor compreensão dos ouvintes, recomende-se na leitura, a tradução da Bíblia em Linguagem de Hoje.

II – Exegese

Vv. 1-2: Publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus. Quem são publicanos e pecadores? Qual o conceito que estas palavras tinham na época de Jesus?

Os cobradores de impostos eram conhecidos como publicanos. No entanto, de publicano também eram chamados o ladrão, salteador, pagão, cambista, a meretriz, o adúltero e o assassino.

Por pecador denominava-se aquele que exercia profissão indigna; jogadores de dados, usurários, pastores, arrieiros, vendedores ambulantes, curtidores, E aquele que ignorava a interpretação farisaica da lei. (Stöger).

Publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para ouvi-lo. Ouvir é o início da fé, e fé é o início da conversão e do perdão. Jesus os acolhe, lhes oferece salvação e exige conversão moral.

Esta acolhida de Jesus, choca fariseus e escribas. Os fariseus achavam-se no direito de zelar pela santidade do povo. O princípio desses era: o homem não se associe aos ímpios. Os transgressores da lei e os pecadores devem ser isolados. Assim, há de castigar-se o pecado, restabelecer a ordem e alcançar-se a santidade. Para os escribas, o pecador não pode ser amado por Deus antes da sua conversão.

Vv. 3-4: Jesus lhes propõe uma parábola a partir de uma figura e situação bem conhecida por todos: O pastor de ovelhas que sempre se achava no risco de perder uma e por isso, também as contava diariamente.

O pastor era conhecido em seu cuidado pelo rebanho e o amor pelos animais. Para o pastor todos são iguais. A posse de noventa e nove não lhe substitui a perda de uma. Por isso, ele larga as noventa e nove e parte na busca da que lhe falta. A iniciativa de busca e procura parte do pastor.

Desde os tempos antigos, Deus é apresentado na imagem do pastor, (Is 40.11;49.10; Zc 10.8; SI 23.1-4).

Assim como o pastor, é Deus. Nem um só pecador lhe é indiferente. Não se consola com os muitos justos. Vai em busca do pecador, pois também este é seu. Deus sente alegria em perdoar, não em condenar.

Vv. 5-6: O pastor encontra a ovelha, leva-a de volta ao rebanho. A ovelha que estava perdida foi reencontrada e isto significa uma alegria muito especial. Alegria que deve ser compartilhada com amigos e vizinhos. Ao pecador é afirmado que a iniciativa de buscar, de perder, parte do próprio Deus. Esse perdão significa o restabelecimento da comunhão. Quando retorna, o pecador sente que a aceitação é total e sem condições. Deus não pede que o pecador cumpra obrigações, tarefas, deveres. Ele aceita, ele perdoa, ele se alegra com o perdão aceito. Assim Deus se revela diferente daquele que é pregado pelos fariseus. Ele não é um Deus baseado numa justiça legalista, mus cheio de misericórdia e de amor para com os pecadores.

V. 7: . . . Assim haverá maior júbilo no céu . . . No juízo final Deus sentirá mais alegria com aqueles pecadores que se arrependem, do que com os que se consideram justos e corretos e que não necessitavam da misericórdia e do perdão de Deus. É o perdão de Deus que possibilita a admissão na vida do Reino escatológico de Deus. O pecador já experimenta essa vida tendo comunhão com Jesus. Onde Jesus oferece aos pecadores sua comunhão, seja através da comunhão de mesa, seja através da cura de um doente, seja através do chamado ao discípulo, ocorre sem que isso seja afirmado, o perdão de Deus. O fato de o pecador se entregar à comunhão com Jesus é a sua volta ao reino de Deus.

A parábola da dracma perdida, dá o mesmo exemplo da pará¬bola da ovelha perdida, usando apenas uma figura da vida da mulher.

O v. 8 substitui na anterior o v. 4.

O v. 9 reconta a alegria do achado ou do encontro já narrados nos vv. 5 e 6.

E finalmente o v. 10 nos reafirma a conclusão e sentido da parábola, narrados no v. 7.

Ill — Meditação

Fariseus e escribas, ao condenarem a comunhão de Jesus com publicanos e pecadores, se colocam como santos ou justos diante de Deus.

Jesus não discute os conceitos de justo e pecador com estes, não questiona o fato de serem ou não justos. Apenas conta a parábola, contrapõe-se aos valores dos escribas e fariseus, quanto à situação do pecador diante de Deus, ou ainda da possibilidade da aceitação de Deus ao pecador arrependido.

A cena inicial que proporciona a narração da parábola, continua acontecendo em muitas de nossas comunidades. Narro apenas um exemplo: Numa assembleia paroquial foi questionado o trabalho pastoral da Paróquia, a partir do momento em que o pastor apoiava a reivindicação de agricultores sem terra e acompanhava a luta dos agricultores pela posse da terra. Os argumentos usados eram: gente preguiçosa, eles tinham terra, só querem a terra para depois vender.

Quantos cristãos não se defrontam diariamente com as barreiras e os conceitos que a sociedade impõe. Esta sociedade na maioria das vezes usa uma roupagem cristã. Ela questiona e reprova, com conceitos aparentemente cristãos.

Escribas e fariseus criaram e formaram um deus, perante o qual eles eram justos e salvos. Aqueles que não se enquadrassem ou não aderissem ao seu sistema estavam automaticamente lançados fo¬ra. Convinha a estes apontar e excluir pessoas, para assim não estarem sendo questionados, acerca de seus conceitos sobre Deus. Esses servem até como mecanismo de autodefesa. Enquanto os outros cometem erros maiores, os meus pequenos erros ficam à sombra e resguardados.

Jesus não entra nesta, ele contrapõe um novo conceito ao do que os escribas e fariseus tinham de Deus. Ele não diz que publicanos e pecadores são justos, mas ele mostra uma nova dimensão de Deus, até então desconhecida ou ignorada por estes. Ela fala do Deus que além de aceitar, parte em busca do pecador e se alegra quando este volta.

Escribas e fariseus precisam de publicanos e pecadores. Eles não estão preocupados em ajudá-los ou salvá-los, mas em condená-los e deixá-los onde estão, para que só eles possam permanecer como justos. Jesus entende sua jogada e aponta para o que Deus faz.

Realidade idêntica encontramos em nosso país, todos discutem, questionam e se mostram preocupados com os marginalizados da sociedade e do modelo econômico. Todos temos planos, palavras e críticas. Falamos que o problema é de educação. Afirmamos que sempre existirão pobres e necessitados. A doença é uma fatalidade, ou uma vontade divina. Planejamos atividades assistenciais e beneficentes. Condenamos o roubo e os assaltos. Enfim, somos bons e justos. Mas não fazemos aquilo que Deus espera de nós.

Deus não espera a nossa análise ou nosso julgamento, mas que façamos como Jesus que colocou uma outra dimensão diante do conceito dos escribas e fariseus. A nova dimensão que Deus nos dá, não é o assistencialismo e o paternalismo, mas a condenação e a reprovação do sistema que defendemos e que perpetua o homem como pecador.

Nas duas parábolas não importa a qualidade do que falta. Não importa se era a mais bonita e a mais gorda ovelha do rebanho, mas sim que falta uma. A dracma não tinha grande valor, mas ela faltou e deve ser buscada, porque falta.

O pastor e a mulher são exemplos de como Deus busca, se preocupa e até ama aqueles que os justos (escribas e fariseus) desprezam e criticam.

Jesus é a comprovação desta realidade. Por isto escribas e fariseus não ousam discordar das afirmações de Jesus. Ele não só anuncia e fala de uma nova realidade, mas também a pratica. Publicanos e pecadores já vivem esta realidade (o perdão e a aceitação de Deus) na convivência com Jesus. É porque Deus os perdoa, que Jesus os acolhe e recosta-se com eles à mesa. O novo tempo é chegado. É o tempo da misericórdia e da alegria de Deus que se alegra em perdoar. Os pecadores alegram-se por serem perdoados, Deus lhes vai ao encontro, qual é o direito então dos justos em murmurar?

O Reino de Deus é chegado e anunciado com Jesus. É o Reino onde há lugar para todos, onde o próprio Deus busca e se alegra com a salvação de todos. Ninguém é excluído. O amor e a misericórdia de Deus santifica a todos. É essa nova realidade que Jesus anuncia, é esta nova realidade que não pode ser entendida pelos religiosos e pseudo-justos, mas também a estes Deus não exclui. Deus se alegra e quer a salvação, e por isso Jesus oferece a sua comunhão a todos.

À comunidade cristã hoje compete não mais o julgamento, nem a defesa de conceitos ditos religiosos, mas o anúncio da vontade de Deus e da vivência real desta vontade. A comunidade é propagadora do Reino de Deus, vivenciado por Jesus. Por isso compete a ela buscar e criar condições para a vivência integral deste.

IV — Sugestões para a prédica

1. No início da prédica, poderia ser feito um levantamento com a comunidade daqueles que tem dificuldade em aceitar. Procurar ver na própria comunidade se não há alguém que foi excluído por nossos olhares, palavras e críticas. Que tipos de pessoas temos dificuldades e resistências em aceitar? Ou por que não queremos a comunhão e contato com gente como bêbados, ladrões, prostitutas? Por que temos reservas aos pobres e favelados?

2. Leitura do texto. Os vv. 8 a 10 não precisam ser lidos. O pregador deve ver se pode usá-los e como estes podem auxiliar no aprofundamento da prédica.

3. Procurar ver se os conceitos que usamos e com que definimos as pessoas que excluímos, são de fato de Deus ou da sociedade competitiva em que vivemos.

4. Colocar para a comunidade o amor de Deus que aceita e quer a salvação de todos; lembrar que Jesus Cristo demonstra e vivência concretamente esta nova realidade convivendo com publicanos e pecadores. Na atitude de Jesus, o Reino de Deus está sendo proclamado e vivido. Deus não é mais o juiz que se baseia em leis para julgar, mas o Pai misericordioso que quer todos os seus filhos ao seu redor.

5. Incentivar a comunidade como tal e cada um como membro e discípulo de Cristo a vivenciar concretamente o que Cristo viveu, aceitando e buscando â comunhão aqueles que são excluí-dos. Lembrar os mencionados no início da prédica.

6. Finalmente, deixar bem claro que o amor e a misericórdia de Deus extrapolam os nossos conceitos. E que em última análise, Deus continua em busca de todos; a comunidade e cada um é um dos instrumentos de busca, através de Jesus Cristo o verdadeiro Reino de Deus é anunciado e concretizado. Um Reino onde o Cristo é o anúncio da aceitação integral, quando ele mesmo morre e padece a mais vergonhosa e escandalosa morte. E lá Deus manifesta de uma vez por todas seu perdão e sua aceitação, através da ressurreição do Cristo, de todos os homens.


V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor Deus, estamos diante de ti e isto nos causa alegria, como também nos alegra o fato de encontrarmos amigos e irmãos na fé. Na tua presença confessamos, porém. Senhor, que nem sempre tem sido assim a nossa vida. Não aceitamos muitas pessoas com as quais convivemos. Temos dificuldades em aceitar pobres, miseráveis, incultos e outros marginalizados como teus filhos, e que tu os amas, assim como nós. Perdoa, Senhor, por aceitarmos mais os mandamentos de nossa sociedade do que os teus pedidos e chamados. Tu, Senhor, aceitas e perdoas a todos; ajuda a experimentarmos e vivermos isto daqui para frente quando pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Senhor, neste culto e na nossa vida, queremos confiar em ti e fazer a tua vontade. Fala a todos nós, que a tua palavra nos ensine a viver e fazer a tua vontade. Ajuda-nos a termos verdadeira comunhão em ti e entre nós. Mostra como podemos testemunhar teu imenso amor para com todos os homens. Concede-nos o teu Espírito no ouvir a tua palavra e na nossa vida, para sermos teus discípulos. Amém.

3. Assuntos para a oração final: Lembrar as pessoas que nós marginalizamos, não omitindo os que a sociedade marginaliza; pedir para que possamos anunciar livremente o perdão e a aceitação de Deus, sem nos prendermos a normas, etiquetas, leis humanas; interceder em favor daqueles que não descobrem o amor de Deus por estarem acometidos por doença, dores, luta, pobreza, falta de amigos; pedir por nós mesmos e por nossa fé, sempre tão fraca e frágil.

VI —Bibliografia

- BORNKAM, G, Jesus de Nazaré. 1. ed. Petrópolis, 1976.
- GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento, v. 1. São Leopoldo/Petrópolis, 1976.
- JEREMIAS, J. As parábolas de Jesus. 1. ed. São Paulo, 1976.
- NÖR, R. Para Deus não há caso perdido. In: Proclamar Libertação, v. 4. São Leopoldo, 1979.
- PERRIN, N. O que ensinou Jesus realmente? São Leopoldo, 1977.
- STÖGER, A. O evangelho segundo Lucas. 2. parte. In: Coleção Novo Testamento. Petrópolis, 1974.


Autor(a): Otto B. S. Höller
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 4º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 7
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1984 / Volume: 10
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 14683
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