Lucas 17.20-35

Auxílio Homilético

07/12/1980

Prédica: Lucas 17.20-35
Autor: Martin Weingärtner
Data Litúrgica: 2º Domingo de Advento
Data da Pregação: 07/12/1980
Proclamar Libertação - Volume: V


I - O texto

1. Versão

V.20: Algumas pessoas piedosas que não acreditavam em Jesus perguntaram a ele quando chegaria o Reino de Deus. Ele respondeu: - A vinda do Reino de Deus não dá para prever.

V.21: Ninguém poderá dizer: Vejam, está aqui! ou está ali!, porque o Reino de Deus está no meio de vocês.

V.22: Depois disse aos discípulos:
— Chegará o tempo quando vocês vão desejar ver um (único) dos dias do Filho do Homem, mas não verão.

V.23: Então outros vão dizer a vocês: Olhem aqui ou olhem lá - porém, não corram (atrás disto),

V.24: pois assim como o relâmpago brilha iluminando o céu de ponta a ponta, assim será o Filho do Homem (em seu dia).

V.25: Mas, antes disto, ele deverá sofrer muito e ser rejeitado por esta geração.

V.26: — Como foi no tempo de Noé, assim também será nos dias do Filho do Homem:

V.27: (Todos) comiam, bebiam e casavam-se, até o dia em que Noé entrou na arca. Depois veio o dilúvio e destruiu a todos (citação de Gn 7.7,9,17,22).

V.28: — A mesma coisa aconteceu no tempo de Ló: Todos comiam, bebiam, compravam e vendiam, plantavam e construíam.

V.29: No dia em que Ló saiu de Sodoma, (Deus) fez chover fogo e enxofre do céu (Gn 19.24) e matou a todos.

V.30: Bem assim será no dia em que o Filho do Homem aparecer.

V.31: — Aí, quem estiver na varanda, não entre na casa para pegar as suas coisas. E quem estiver no campo não volte para trás.

V.32: Lembrem-se da mulher de Ló.

V.33: Quem procurar salvar a sua vida, vai perdê-la, e quem perder a sua vida vai salvá-la.

V.34; Garanto a vocês: Naquela noite duas pessoas estarão numa cama: uma será levada e a outra será abandonada.

V.35: Duas pessoas estarão moendo no mesmo moinho: uma será levada e a outra abandonada.

2. Variantes

A tradição da perícope não apresenta variantes de envergadura, a não ser duas que abordaremos rapidamente:

V.33: A maioria dos textos substitui PERIPOIEISTHAI (=salvar) por SÔZEIN («salvar) o que, no entanto, parece resultar duma harmonização dos copistas com Lc 9.24 e os outros paralelos sinóticos deste dito. O texto é sustentado por boas testemunhas que devem ser preferidas como lectio difficilior.

V.35: A maioria dos manuscritos omitem o v.36 (dois estarão no campo: um será levado; o outro abandonado) que é uma harmonização com a tradição que encontramos em Mt 24.40.

II – Análise

1. Estrutura

À primeira vista observamos que a perícope se subdivide em dois blocos desiguais:

Vv.20-21: Debate com os fariseus

Vv.22-35: Interpretação para os discípulos.

Esta composição parece refletir uma estrutura semelhante ao nosso esquema texto/prédica. Por isso, suspeito que deparamo-nos aqui com o esquema básico duma pregação na comunidade primitiva. Digo comunidade primitiva porque alguns dos ditos do nosso texto podem ser encontrados em outros contextos nos demais evangelhos. Isto prova, a meu ver, que a atua) composição destes ditos é oriunda da comunidade primitiva, que aproveitou e juntou ditos de Jesus para interpretar o debate com os fariseus. Até que ponto o evangelista Lucas participou deste processo é difícil de delinear. Em todo caso as dificuldades de interpretação do v.37 sugerem que Lucas aqui recorreu à tradição.

2. Enfoque detalhado

Vv.20-21: O debate com os fariseus

A tradução destes versículos deve ser comentada no tocante a duas formulações. Em primeiro lugar, a expressão fariseus: Não podemos limitar-nos a transcrever a expressão fonética, mas temos que procurar traduzir o que este conceito significa para o ouvinte. Procuremos, pois, por um termo hodierno equivalente: A palavra crente apresenta consideráveis afinidades, mas não serve por não mostrar que os fariseus eram crentes que não criam em Jesus. Por isto procurei circunscrever a expressão.

Em segundo lugar, a tradução correta de ENTOS HYMÕN no final do V.21: a palavra ENTOS pode significar tanto dentro de como no meio de. Do ponto de vista linguístico não dá para decidir a questão. Mas, o contexto fornece argumentos decisivos para a tradução correta: 1o) A pregação de Jesus nunca confinou o Reino de Deus, ao íntimo do homem. Ao contrário, o Reino de Deus envolve toda a realidade. 2o) Jesus está falando com adversários. Como afirmaria a presença do Reino de Deus no íntimo de quem não crê nele? O Reino de Deus não pode estar presente no íntimo de quem não tem fé em Jesus.

Por isso, devemos optar pela tradução O Reino de Deus está no meio de vocês, rejeitando conscientemente a versão de Lutero, da Sociedade Bíblica do Brasil e tantas outras.

A pergunta dos fariseus é séria! Revela a questão motora de todo movimento apocalíptico e de seus prognósticos visionários, bem como do zelo minucioso dos contemporâneos de Jesus no cumprimento da Lei de Moisés. Neste contexto duplo devemos procurar entender a pergunta, pois os fariseus viviam na perspectiva apocalíptica e empenhavam-se no cumprimento rigoroso da lei justamente para apressar a vinda do Reino. Disto resulta a ávida preocupação com o local da irrupção deste Reino.

A resposta de Jesus é provocativa. Primeiramente questiona seus interlocutores. Literalmente diz: O Reino de Deus não vem por meio de observação. O conceito grego PARATÉRÈSIS pode significar tanto observação (de sinais) como observância (de leis). Não é necessário optar, pois é bem possível que, na tradução do aramaico para o grego, a comunidade primitiva optou por este termo, porque Jesus refutou ambas as ideologias teológicas.

Em decorrência disto Jesus também refuta a procura pelo ponto geográfico da irrupção do Reino de Deus.

Este questionamento, esta crítica serve para criar espaço, compreensão para a inaudita e surpreendente mensagem de Jesus: O Reino de Deus está no meio de vocês. A-pergunta pela vinda do Reino é respondida, é vinculada à existência, à presença de Jesus. Eis a provocação, tida por blasfêmia pelos judeus. Jesus quer provocar fé. Esta é a questão crucial do Reino de Deus. Sem abertura para Jesus ninguém pode presenciar este Reino. E, em Jesus este Reino já está presente. Em Jesus é antecipado.

O evangelho não limita esta presença do Reino à presença  visível de Jesus. A presença do Reino continua na presença do ressurreto: Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, lá estarei no meio deles. (Mt 18.20) Portanto, Jesus continua sendo a chave da presença do Reino de Deus. Ele continua a convidar para a fé.

Vv.22-35. A interpretação para os discípulos

O debate com os fariseus era lembrado pela comunidade primitiva. É óbvio que no contexto de uma comunidade crente em Jesus esta palavra necessitava ser interpretada a aplicada para dentro desta nova situação, para continuar palavra geradora de fé e não degenerar em mera lembrança histórica, perdendo seu caráter comprometedor.

Se nossa hipótese sobre a estruturação da presente perícope (veja 11/1) for acertada, a explicação dirigida aos discípulos deverá responder às dificuldades surgidas na comunidade acerca da presença do Reino de Deus em Jesus, após a morte e ressurreição do Senhor.

Os vv.22-25 procuram responder uma questão palpitante: A ascensão de Jesus, sua ausência, embaraça a comunidade, pois como poderia continuar a afirmar a presença do Reino de Deus? Daí advém a ansiedade que leva a perguntar pela sua volta, porque descrê da presença do Reino no ressurreto. Sim, a ansiedade pela vinda pode resultar da falta de fé no Senhor ressurreto e conduzir à procura preocupada e desnorteada por sinais da mesma.

Nesta situação deveremos imaginar-nos a advertência contra a ansiedade pela vinda do Filho do Homem, que a comunidade primitiva já reconhecera ser Jesus. Esta palavra de Jesus adquire, agora, atualidade: A vinda será abrangente e universal e assim supera a mesquinhez e o medo que se perdem no aqui e lá. Pois, a morte de Jesus na cruz não desfaz a presença do Reino de Deus em Jesus nem desfaz a certeza de que é ele quem virá como Filho do Homem, uma vez que o reconhecimento da necessidade do sofrimento de Jesus (v.25) capacitou a comunidade a aguentar sua
ausência na fé e a permanecer na inabalável esperança da presença do Reino de Deus nele.

A ansiedade da comunidade também implica na tentação de procurar por previsões da data da vinda. Os vv.26-30, palavra de Jesus originalmente dita aos apocalípticos, querem convencer a comunidade da inutilidade destes empreendimentos que brotam da falta de confiança no Senhor ressurreto, pois a vinda virá sem sinal nem aviso, irrompendo dentro da normalidade da vida: Jesus não ressalta nada além da normalidade da vida nos tempos de Noé e Ló. Isto mostra o que lhe interessa como comparação para os dias do Filho do Homem e seria adequado se suas testemunhas hodiernas não se perdessem procurando a comparação no pecado ou na indiferença.

A vinda imprevisível implica na sua aceitação imediata e no consequente abandono de tudo. Os vv.31-33 delineiam esta opção: A mulher de Ló não queria perder ao menos a lembrança, uma última vista de sua cidade e, por isto, perdeu a vida. Mas, perdendo a vida por causa do Senhor (não pensemos logo em martírio, mas sim em perder as coisas dentro de casa, as comodidades burguesas, a segurança dum lar protegido) vamos salvá-la.

Os vv.34-35 retornam ao assunto da vinda surpreendente do Senhor para esclarecer a questão melhor ainda, pois facilmente poderia aninhar-se na comunidade o pensamento de que a vinda seria surpreendente para os descrentes, mas que os crentes seriam avisados. Porém, os cristãos não têm este privilégio: Quanto ao dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai. (Mt 24.36) Serão todos, crentes e descrentes, pegos em flagrante: dois na cama - quem serão eles? Um casal no ato sexual? Um senhor flagrante, não acha? Dois no moinho - quem serão? Duas mulheres na rotina da cozinha? Dois no campo - quem serão? Dois homens no trabalho pelo pão de cada dia?

Um será levado, o outro abandonado: Ambos serão flagrados. Nenhum o saberá com antecedência. Isto é chato, não é? Ser cristão sem privilégios. Ser cristão sem privilégios é chato, não é? Mas sem sinal nem aviso mesmo? - Parece que sim. Verdade dura, mas provocadora da fé que é a certeza das coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se vêem (Hb 11.1).

Mas e os sinais dos tempos? E o Livro do Apocalipse? Qual cera então o seu recado? - Não tenho resposta, mas tenho a certeza de que deveremos deixar de falar deles como se fôssemos Deus, isto é, como se fôssemos sabedores do dia e da hora. Não urge confessar neste assunto o nosso não-saber, o nosso estar no escuro, o nosso esperar por Deus? Não será o procurar aqui ou ali na história universal (Israel, comunismo, multinacionais etc.) por sinais (= provas!), acima de tudo, prova de falta de confiança naquele, em quem já está presente o Reino de Deus?

É justamente para esta fé que Jesus provocou os fariseus e continua provocando a nós hoje, pois ela é, como sempre será e sempre foi, a abertura para presenciar o Reino de Deus.

3. Síntese querigmática

Jesus responde a pergunta pelo Reino de Deus com a sua presença. Esta mensagem inaudita chama para a fé os fariseus, a comunidade primitiva e - louvado seja o Senhor - também a nós.

III – Meditação

O nosso texto anuncia a inaudita mensagem da presença do Reino de Deus em Jesus, convidando para a fé. Idêntico anúncio é nosso encargo. Mas, veja bem, não anunciamos o texto com seus floreios e suas lógicas, mas sim o evangelho do Reino de Deus, presente em Jesus. Isto nos dá liberdade em relação ao texto e nos descompromete de repeti-lo, contanto que anunciemos aos nossos ouvintes o que ele anuncia aos seus leitores.

Sugiro limitar o texto da prédica aos vv. 20-21 e utilizar os vv. 22-35 como incentivo e orientação para enfrentar as dúvidas, fugas, e descrenças nas quais a comunidade hodierna se encontra, frente à presença do Reino de Deus em Jesus Cristo. A maneira de atualizar, da comunidade primitiva, poderá e deverá acompanhar-nos. Não poderemos caminhar em direção contrária à dela. Mas também não podemos deixar de tentar passos próprios, como a comunidade primitiva aprendeu a enfrentar novos caminhos.

Que Deus nos dê seu Espírito Santo neste empreendimento.

IV – Bibliografia

- ALAND, K. e outros, ed. The Greek New Testament. United Bible Societies. 1977.
- BAUER, W. Woerterbuch zuni Neuen Testament. 5a. ed., Berlin, 1963.


Autor(a): Martin Weingärtner
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 2º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 17 / Versículo Inicial: 20 / Versículo Final: 35
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979 / Volume: 5
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17424
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