Lucas 3.1-9

Auxílio Homilético

14/12/1980

Prédica: Lucas 3.1-9
Autor: Friedrich Genthner
Data Litúrgica: 3º Domingo de Advento
Data da Pregação: 14/12/1980
Proclamar Libertação - Volume: V


I – Texto

V. l: No décimo-quinto ano do reinado de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe tetrarca na região da Ituréia e Traconites, e Lisâneas tetrarca de Abilene,

V.2: sendo sumo-sacerdotes Anás e Caifás, veio a palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto.

V J: Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão, pregando batismo de arrependimento para remissão de pecados,

V.4; conforme está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.

V.5: Todo o vale será aterrado, e nivelados todos os montes e outeiros; os caminhos tortuosos serão retificados, e os escabrosos, aplanados;

V .6: e toda a carne verá a salvação de Deus.

V.7: Dizia ele, pois, às multidões que saiam para ser batizadas: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?

V.8: Produzi, pois, frutos dignos do arrependimento, e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão.

V.9: E também já está posto o machado à raiz das árvores , toda a árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada ao fogo.

II – Contexto

Lc apresenta a vida de João de maneira bem resumida. Observando o desenvolvimento da mensagem, nos caps. 1 e 2, roíamos que Lc destaca, através de um paralelismo entre João e Jesus, a missão deste último. O grande interesse de Lc reside em querer mostrar que o tempo decisivo chegou para os povos em geral, para o povo escolhido, para os governantes e para as autoridades. Aquele que crescia no deserto (Lc 1.80) é o que aceitou o desafio da palavra de Deus (Lc 3.2), empenhou-se pela mesma e fo. preso (Lc 3.19s) por Herodes. O diálogo entre Jesus e os discípulos de João (Lc 7.18-35) mostra como João dependia dessa palavra de Deus. João tinha uma tarefa tríplice: chamar ao arrependimento frente ao juízo de Deus (Lc 3.7-9), exigir frutos dignos (Lc 3.10-14) e preparar o caminho de Cristo, que já estava chegando (Lc 3.16s - Grundmann.p.100).

Lc vê João, com sua missão, integrado na história da salvação. Por isso interpreta a situação sócio-econômica e política sob o prisma da proximidade do juízo de Deus. Ao compararmos Mt e Mc com Lc, evidencia-se a intenção de cada um Mt e Mc não se prendem a determinada época (Mc 1.2-4; Mt 3.1) e deixam a situação em aberto: naqueles dias.... Lc coloca toda a ênfase na identificação: No décimo quinto ano.... Outra comparação mostra que segundo Mt 3.5 e Mc 1.5, João é procurado pelo povo e pelas autoridades, enquanto que, conforme Lc, João percorre toda a região do rio Jordão. Segundo Mt e Mc, o chamado ao arrependimento dirige-se aos fariseus e saduceus como líderes espirituais pois esses dois grupos se combatiam constantemente. O que os unia era o fato de esperarem um dia poder tomar parte na salvação De acordo com Lc, porém, João se dirige a todos, em geral Com isso, a pregação ficou mais agressiva ainda (Rengstorf p. 56) Novamente, segundo Lc, fica claro que chegou o tempo da missão a época de ir aos povos, a época de abrir as portas da comunhão com Deus a todos. Nessa época transitória. João tem um papel decisivo, e os ouvintes, uma chance singular. Quem rejeitar essa misericórdia de Deus, desperdiçou sua chance de alcançar a vida eterna. No trecho todo (Lc 3.1-9) os w. 7-9 são os que mais combinam com Mt (Mt 3.7-10). É provável que esses w. sejam da fonte Q, uma coletânea da palavras de João (Voigt, pp.iss).

III – Exegese

Vv. 1s: Segundo Lc, a palavra de Deus tem sempre um destino específico: No décimo quinto ano.... Com quem ou contra quem Deus realiza sua obra vê-se logo no começo (vv.1s). Vendo-se os nomes Tibério, Pôncio Pilatos, Herodes, Filipe e Lisâneas, logo vem à lembrança quem esses homens eram e o que fizeram. Esse fato nos leva a refletirmos sobre situações parecidas de hoje em dia. Tibério, homem de boa formação e cultura, procurava realizar justiça em seu país, buscava ordem no senado e na política financeira. Suas boas intenções não foram bem recebidas. Muitos de seus inimigos trabalhavam para derrotá-lo. Em 26 a.D. ele deixou Roma. Não tinha um testa de ferro, como se costuma dizer. Ao lado dele, vê-se um outro que entrou na história do cristianismo: Herodes. Esse pretendia garantir seu futuro e sua fama através do massacre de crianças e demais crueldades. Sua vida social chamava a atenção, e aconteceu que João o confrontou com a mensagem de Deus, que o criticou e desafiou. Herodes, porém, reagiu prontamente (Lc 3.20).

Aqui aparecem os personagens que mais tarde estarão no palco, se incluirmos também o livro de Atos dos Apóstolos (pois Paulo chega até Roma). Esse palco fica cada vez mais cheio de atores. Teriam essas pessoas compreendido o que estava acontecendo? Uns estavam perto de perceber o sentido de tudo, na história na qual Deus agia com poder, outros estavam mais distantes. O importante, porém, reside na iniciativa de Deus: veio a palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto. Com a vocação deste homem, que foi daí em diante chamado João Batista (pelo fato de, pelo batismo, colocar o homem totalmente sob o governo de Deus), começa o relato de Lc.

O evangelho de Jesus Cristo não é neutro, mas algo que surpreende, por isso são mencionados nomes como os dos vv. 1s. João foi chamado profeta do altíssimo (Lc 1.76) e, como tal, era pessoa solitária, distanciada da vida do povo (deserto) e era simples (roupa de peles e comida silvestre). Tudo isso expressava: Não olhem para mim, mas para aquele que me chamou, como diz o evangelista João (1.29). As palavras deserto e Abraão lembram-nos a revelação de Deus a Israel. O deserto faz parte do credo de Israel; Abraão, com o qual Deus iniciou uma longa jornada, envolve todos os que aceitam a aliança com Deus. João se identifica com essa tradição de seu povo e com o Deus que, com mão poderosa, guiava o seu povo. Em certo sentido, em João concentrou-se a pregação dos profetas do AT.

V.3: João passou sua infância perto de Qumrã. Não se sabe com certeza se teve contato com a seita dos essênios. Ele próprio não se identificou com aquele grupo, salvo algumas expressões que o colocam perto dele (Ruprecht, p. 43; Voigt, pp. 20s). Percorreu: João foi à procura e ao encontro do povo. Nessa composição (Lc 3.3-6) transparece a mão de Lc. O velho Simeão já vira isso acontecer (Lc 2.29ss).

Lc não destaca o sucesso de João, nem o batismo. O seu interesse estava na METANOIA, no arrependimento. O que traz o perdão dos pecados? O batismo ou o arrependimento? A resposta dada pelo texto é: sem arrependimento não há condições de escapar da ira de Deus. E, nesse sentido, o batismo de João simboliza a grande mudança (v.7).

KERYSSEIN significa anunciar, ou transmitir uma mensagem em nome de um poderoso (rei, presidente, imperador, etc.), ou ainda proclamar uma mensagem. Diante desse comunicado não há desvios, jeitinhos ou indiferentismo. João fala aqui com o mesmo poder que os profetas antigos. Para ele, era mais importante a comissão do que sua própria pessoa. De fato, a mensagem ultrapassou em muito a capacidade do profeta. Ele era a voz do que clama (Ruprecht, p. 43). (Isaías não menciona o batismo).

João, certo de estar próximo o dia da ira de Deus (tema profético do AT), vê em Jesus Cristo aquele que executa o juízo. Chegaria ele a duvidar disso mais tarde? (Lc 7.18ss) João queria uma mudança total. Nesse sentido, não repetiu as lavagens como purificação ritual, conhecidas na época. Ele colocou o povo diante de um fato: Deus vem em juízo. Salvar-se a si mesmo é impossível. Nesse sentido, não é correto ler: o povo batizou-se a si mesmo (Voigt, p. 21). O preparo verdadeiro é feito por Deus ou por aquele que ele envia (Schlink, pp.20ss). O que começou com o recenseamento (Lc 2.1), com o júbilo entoado (Lc 2.14) dentro do mundo (Lc 3.1), terá sua revelação diante de todo o mundo (Lc 3.6). a salvação de Deus. Nisso reside a universalidade da salvação.

Vv.7-9: Esses versículos apresentam a segunda parte da pregação de João. A exortação não se dirige apenas aos fariseus c escribas, como o dizem Mt e Mc, mas ao povo (OCHLOS - Coenen et alii, p. 1326), a massa que não tem qualificação específica, da qual se diz que Jesus se compadeceu dela (Mt 9.36). A esse povo é feito o convite, a ele é dada a chance (Rm 3.22s). A massa, o povo, tenta apoiar-se naquilo que garante algo. Pertencer à descendência de Abraão é o mesmo que, hoje, ser membro da igreja ou ser contribuinte, batizado, com direito a um lugar no cemitério. João entende isso como fuga diante da decisão inadiável: arrepender-se e dar frutos dignos. João confessa que tem ainda fé no poder de Deus, pois se ele (Deus) consegue fazer de pedras descendentes de Abraão, quanto mais poderá fazer com essa massa que está sendo explorada por muitos! Essa pregação feria muita gente, principalmente aqueles que se apoiavam nos esteios tradicionais, os quais estavam podres em suas bases (raízes). O problema era que eles não o sabiam. Nessa situação, a única coisa que João pode fazer é desencadear uma reflexão seria, que leve a um viver responsável. Expressa-se nessa mensagem a certeza de que tudo está nas mãos de Deus e de que ele está pronto a agir com rigor (machado à raiz).

IV – Reflexão

Essa mensagem de João inquieta bastante por sua clareza, simplicidade, certeza e engajamento. Se ele pregasse hoje, será que seria ouvido? Uma dificuldade é o fato de que grupos fora e dentro da igreja cristã falam nessa mesma linguagem. O povo pergunta: O que está certo? Os membros de nossas comunidades têm essa mesma pergunta: É verdade? Claro, temos uma série de respostas, mas o que se esconde por trás da inquietação do nosso povo, do medo e das angústias? AIECLB - isto é, nós mesmos - está à procura de uma nova estrutura, percebendo que sua identidade não depende tanto da organização igreja, quanto da identificação com esse Deus que está em ação. Sob esse ponto de vista, o simples falar em apoiar os pobres, em engajar-se politicamente, não chega a impressionar. A própria mensagem nos põe em ação em direção ao povo de Deus, na sua totalidade (não só pobres ou ricos). A pergunta é: como vamos desenvolver essa mensagem escatológica? Certo é que João estava sozinho, sob o ponto de vista do batismo e de sua mensagem. Qual é a importância de João? O caminho para Cristo e para o reino de Deus passa pelo caminho que João indicou.

Ao sugerirmos traduzir arrependimento por responsabilidade, fica mais claro o que está em jogo. Os Estados Unidos, durante anos, não viram que o seu gasto de petróleo provocaria uma. crise mundial, principalmente entre os países em vias de desenvolvi-mento económico. O fato de que a maioria das crianças fica horas e horas nas ruas, enquanto a mãe e o pai estão trabalhando numa firma, impõe-nos uma reflexão sobre o papel da mãe moderna. Quantos milhões de cruzeiros são gastos em remédios para curar as consequências da maneira irresponsável de viver, do uso irresponsável do tempo, da saúde, do lazer, do sexo etc. Nesse sentido, causa preocupação a igreja fechada e isolada, cujos membros se limitam a seus interesses, esperando um atendimento religioso. Pergunta-se: existe o perigo de a rotina pastoral restringir-se a essas expectativas populares religiosas? O pão que João oferece é expresso nas palavras arrependimento e pregar. Ele entende remissão dos pecados e salvação como estando intimamente entrelaçadas, pois são dádiva de Deus. Não seria essa dádiva um remédio para o povo aflito que lota os hospitais e clínicas neurológicas por causa de nervosismo, vícios e fracasso? João via-se diante daquilo que o enviava: veio a palavra de Deus. A distância entre João e Deus era tão pouca que seu engajamento só podia ser total. Nisso vejo a chance do obreiro da igreja: sua incumbência e sua autoridade. É preciso esse poder, pois a tranquilidade de muitos, o indiferentismo e a boa vida dificultam nossa missão. A situação de hoje se caracteriza pelo fato de que as nossas expectativas ficam se chocando, e não se vê para onde nos leva o futuro. É mau que o obreiro se preocupe por causa do sofrimento que acompanha sua missão? Isso quer dizer apenas que falamos em nome do Senhor. Levando a sério isso, não apontamos mais tanto para a instituição igreja, culpando-a de tudo, mas nos deixamos usar como instrumentos da paz. A mudança pregada por João desencadeia um processo social, pois o pecado é um problema social. Frutos dignos ele vê num comportamento social novo. Se compararmos os w. 10-14 com aquilo que João entende por fruto, ficamos chocados. Nas coisas pequenas começa a mudança, comigo mesmo. Temos que eliminar o que impede a chegada de Cristo até nós. Não serão poucas as coisas a remover. Que lugar Deus tem em minha vida, na vida da comunidade, nos planos do povo e em nosso agir? João deu-lhe o primeiro lugar. O que nós faríamos se soubéssemos, com certeza, da chegada do dia do juízo de Deus?

V — A caminho da prédica

Quanto ao Advento e Natal, o povo está preso a uma certa ritualidade, religiosidade e costumes: dar presentes, promover cafés, jantares, confraternizar em ampla escala. Quanta gente diz, após o Natal: Graças a Deus que tudo passou!. A mensagem de João dá-nos uma tarefa sublime: ceder a Deus o seu devido lugar em nossa vida particular, nas programações previstas, nos cultos ecuménicos, no trabalho diário. Proclamar libertação é dar lugar a Deus, pois é obedecer ao seu chamado e deixar-se transformar por sua misericórdia. Aqui se trata da missio Dei. Por nosso intermédio, ele quer ir ao encontro do povo com a oferta de sua misericórdia. Essa missio Dei tem perspectivas universais (v.6), e é com essa alegria e certeza que respondemos (Is 6.8). Eis-me aqui, envia-me a mim.

VI — Sugestão para a prédica

A prédica visa o tema viver responsável. A introdução poderia partir da situação da própria comunidade local, mostrando tudo aquilo que nos prende. Em três passos poderia se abordar o tema:

1. Qual o caminho de Deus? Desenvolver os vv. 6 e 1. Mostrar a grandeza desse caminho para toda a comunidade.

2. Como começa esse caminho? V.2 Por meio de todo o tipo de pregação, é anunciada a chance de podermos arrepender-nos.l Perder isso por leviandade significa perder tudo.

3. Como se vive responsavelmente nesse caminho? Vv. 8s. Quem experimentou a misericórdia de Deus, não vai poupar esforços. Segue um exemplo: Rainer Maria Rilke, durante sua estada em Paris, atravessava diariamente uma praça, junto ao lugar onde uma mendiga pedia esmolas. A guia de turismo francesa, toda vez que passava por lá com seu grupo, dava-lhe um ajutório. Um dia, a guia perguntou a Rainer por que ele não dava também. Ele respondeu: Temos que dar para o coração dela, e não para suas mãos. Dias depois, ele colocou uma rosa na cesta. A mendiga levantou a cabeça e, o que nunca havia feito, levantou-se e beijou sua mão, indo embora. Durante muito tempo ela não apareceu mais. Perguntou-lhe a guia de turismo: De que é que ela vive durante todo esse tempo? Respondeu ele: Da rosa.

Isso é o que se deve ao povo: proclamar libertação.

Como ponto final: confie na misericórdia de Deus e dê-lhe o devido lugar em sua vida. Isso é o que quer dizer: Prepare-se para receber Jesus Cristo.

VII – Bibliografia

- COENEN, L. et alii. ed. Theologisches Begriffslexikon zum Neuen Testament. Wuppertal, 1972.
- GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Lukas. Berlin, 1961.
- HOLTZ, T. Meditação sobre Lc 3.1-9. In: Göttinger Predigtmeditationen. Ano 23. Göttingen, 1969.
- NIEBER-GALL, A. Meditação sobre Lc 3.1-9. In: Göttinger Predigtmeditationen. Ano 63. Göttingen, 1974.
- RENGSTORF, K. H. Das Evangelium nach Lukas. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 3. Göttingen, 1969.
- RUPRECHT, W. Meditação sobre Lc 3.1-9. In: Calwer Predigthilfen. Vol. 7. Stuttgart, 1968.
- SCHLINK, D. Die Lehre von der Taufe. Kassel, 1969.
- STECK, K. G. Meditação sobre Lc 3.7-20. In: Göttinger Predigtmeditationen. Ano 25. Göttingen, 1971.
- VOIGT, G. Der rechte Weinstock. Göttingen, 1968.


 


Autor(a): Friedrich Genthner
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 3º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 9
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979 / Volume: 5
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17425
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