Lucas 9.18-24 (25-26)

Auxílio Homilético

08/07/2001

Prédica: Lucas 9.18-24 (25-26)
Leituras: Zacarias 12.7-10 e Gálatas 3.26-29
Autor: Guilherme Lieven
Data Litúrgica: 5º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação:8/07/2001
Proclamar Libertação – Volume: XXVI


Não é o ato religioso que faz com que o cristão seja cristão,

mas sim sua participação no sofrimento de Deus na vida do mundo. (Dietrich Bonhoeffer)

1. Quem dizem as multidões que sou eu?

O texto, Lucas 9.18-26, indicado para ser interpretado na celebração do 5° Domingo após Pentecostes, é desafiador. Convido você para partilhar comigo reflexões sobre o texto e sugestões para o encontro com a comunidade naquele domingo.

A pergunta de Jesus aos discípulos (v. 18) é atual. Quantos Jesus são anunciados nas diferentes igrejas e religiões de hoje, nas ruas, nos meios de comunicação? Quem é Jesus para a comunidade em que participamos e servimos? Qual a cristologia assumida por nós e pelas comunidades? Uns dizem que ele é um mestre a ser seguido, outros dizem que é um profeta perfeito, um iluminado e um modelo a ser imitado. Quem é o Jesus do nosso anúncio e testemunho na comunidade, nos grupos e na vivência comunitária?

Desprovido de algumas exigências teóricas e exegéticas, convido você para procurar comigo algumas respostas e preparar a celebração.

2. Jesus é o Cristo de Deus

As primeiras comunidades cristãs, ao alcançar a Síria, Ásia Menor, Grécia e Roma, elaboraram uma definição para a identidade de Jesus. Quem é esse Jesus? A obra de Lucas legitima a missão para além das fronteiras de Israel e testemunha Jesus como o Cristo de Deus. O Jesus de Nazaré não é somente um Elias que voltará antes do fim (Ml 4.5), ou a reencarnação de João Batista (Herodes disso: Esse eu mandei decapitar, Lc 9.9), ou um dos antigos profetas. Ele é o Ungido para evangelizar os pobres, para libertar os cativos, dar vistas aos cegos, pôr em liberdade os presos e oprimidos, para anunciar o ano da graça de Deus (Lc 4.18-19). Conforme o anúncio do anjo aos pastores, Jesus é o Salvador que é o Cristo (Lc 2.11). Foi apresentado ao templo, reconhecido como o Redentor e luz para revelação aos gentios por Simeão (Lc 2.25ss) e pela anciã Ana (Lc 2.36ss). Ele foi batizado por João Batista, tinha o Espírito Santo (Lc 4.1), curou, venceu demónios, repartiu o pão, subverteu o sistema legalista e opressor (Lc 5 e 6). João Batista o reconhece como o esperado. Vocacionou seguidores (Lc 9.1ss), e Pedro confessou: Jesus é o Cristo de Deus.

Sugerimos que Lucas colaborou com a elaboração da cristologia primitiva. Apresentou Jesus como o Cristo de Deus sem diminuir a importância das suas atividades como Jesus histórico. O nosso texto, Lc 9.18-26, destaca essa reflexão nesse contexto. A confissão dos discípulos: Jesus é o Cristo de Deus, o Messias prometido, é parte desta contribuição do evangelista. Especialmente porque essa confissão relaciona a práxis libertadora de Jesus que cria dúvidas sobre a sua identidade (É João Batista? Elias? Um grande profeta?) com a sua ação salvífica na cruz e ressurreição.

3. Jesus Cristo - o Ungido, o Messias

As comunidades primitivas receberam a influência de várias tradições de esperança escatológica e messiânica: um profeta escatológico, servo de Deus (Is 43.16ss); o Rei messiânico, o Ungido do Senhor; a esperança triunfalista judaica na vinda do Filho de Davi (Mc 11.10; Mt 21.9,15 e Mt 1.1; 9.27; 12.23); a esperança apocalíptica; o Reino de Deus presente e escatológico. A esperança escatológica relacionada ao Cristo, o Messias, era representada pela ideia de um rei libertador político, um libertador terrestre. O próprio texto de Lucas 9.18-26 menciona e trabalha dois títulos messiânicos de correntes diferentes: Cristo (Messias) e Filho do Homem (o mediador escatológico da graça, através da paixão).

A missão das comunidades primitivas exigia a definição de Jesus nesse contexto religioso plural. Quem é Jesus? Quem é esse que até os ventos e o mar lhe obedecem? (Lc 8.25). Coisa inacreditável vimos hoje (Lc 5.26). Em uma das respostas dadas pelo evangelista, Lc 9.18-26, fica claro que Jesus é mais do que um profeta. E o Messias de Deus, o Cristo de Deus que viveu seu caminho como oprimido e, como sujeito, levou até o fim o plano salvífico de Deus. Ele viveu, com palavras e atos o Cristo de Deus, o Messias.

As comunidades primitivas descobrem nas ações do Jesus histórico, na paixão e na ressurreição, o Messias, o Cristo de Deus. Jesus foi o Messias já como pessoa humana. Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele (At 10.38). A divindade de Jesus é resgatada e elaborada incluindo toda a sua vida histórica.

Concluimos que em Lc 9.18-26 o evangelista contribui com a elaboração cristológica das comunidades primitivas nos seguintes pontos fundamentais:

- Primeiro, rompe com a pluralidade das tradições escatológicas (És o Cristo de Deus, v. 20).

- Segundo, por conta disso, nega o triunfalismo popular do Messias glorioso, o legalismo da representações messiânicas da época (o Messias de Deus passa pela cruz, pela morte e ressurreição, v. 22).

- Terceiro, reelabora a compreensão da ação salvífica de Deus (A salvação passa pela cruz, v. 23,24).

- E, o quarto ponto fundamental, Jesus Cristo é então o Messias esperado pelo antigos. Todo o seu agir como pessoa humana, seu agir na cruz e na ressurreição inauguraram o tempo messiânico salvífico de Deus na nossa história (inclui a escatologia, v. 26).

Esta contribuição do nosso texto é fundamental para as comunidades cristãs de hoje.
Elas herdaram uma grande lista de títulos dogmáticos dados a Jesus que enfraqueceram a sua práxis libertadora e confundiram a graça da ação salvífica de Jesus. O nosso texto convida para relacionar o Cristo de Deus com o Messias histórico que veio nos salvar.

4. Jesus pergunta hoje para nós

Quem dizem as multidões que sou eu?

Vivemos num tempo marcado por diversas propostas messiânicas e escatológicas. Elas estão evidenciadas ou dissimuladas em projetos económicos, políticos e religiosos. As comunidades cristãs estão envoltas por teorias, discursos, propostas e projetos de salvação que as impedem de vislumbrar o futuro e viver, hoje, a liberdade e a salvação dadas pelo Cristo de Deus. Neste contexto marcado pela pluralidade e segmentação religiosa, as comunidades cristãs sofrem o impacto de uma grande crise, especialmente a crise da cristologia. Nesta realidade somos desafiados a responder às perguntas de Jesus: Quem dizem as multidões que sou eu? E vocês, quem vocês dizem que eu sou?

Para responder com a comunidade estas perguntas, com os critérios do nosso texto, podemos dar atenção para o seguinte:

- Ajudar a comunidade a definir o conteúdo da fé no Cristo de Deus rompendo com a pluralidade religiosa.

- Cristo não é só um curador, milagreiro, um justo e bom homem que dá exemplo e facilita a vida humana na terra. A salvação de Jesus vai além dessa história que vivemos, passa pela paixão, pela morte e pela ressurreição. Porém não é possível dissociar a dimensão histórica da ação de Deus no passado e no presente.

- Negar os projetos e as propostas de salvação enganosas, triunfalistas, que vendem a prosperidade fácil, injusta e escravizante; que escondem a realidade pecadora, violenta e opressora; que dilaceram a proposta comunitária libertadora de Jesus.

- Elaborar com a comunidade a compreensão e a vivência da ação salvífica de Deus, que inclui a nossa realidade, que passa pela nossa história em que a cruz está presente.

- Ressaltar a proposta libertadora de Jesus: a salvação é dada, somos livres (Foi para a liberdade que Cristo vos libertou, Gl 5.1), mas ela inclui a nossa condição histórica, inclui a cruz. Temos que sair da escravidão, mas só saímos dela quando tomamos conta dela, saindo de dentro dela. Se alguém quer me seguir... tome a sua cruz e siga-me. Construir a esperança em que o paraíso tem a dimensão do inferno.

- Não ter vergonha desse caminho. Nele não somos gloriosos; sofremos perseguição, e os projetos das comunidades cristãs de comunhão, igualdade, partilha e solidariedade são rejeitados. Mas o Cristo de Deus está conosco e ele não se envergonhará da nossa confiança e resistência. Neste momento, cabe a referência a outra leitura prevista para este dia de celebração: Gálatas 3.26-29. Somos filhos e filhas de Deus mediante a fé no Cristo de Deus, que pelo Batismo torna-nos todos em um só corpo vivo e livre.

5. Sugestões para a celebração

1. Preparar com antecedência uma maneira de confrontar os participantes com as perguntas de Jesus: Quem dizem as multidões que sou eu? Quem eu sou para você?

- Propor aos confirmandos, ou outro grupo, fazer estas perguntas aos pais e às pessoas antes do culto.

- Ou, no início do culto, distribuir um pequeno papel para os participantes responderem às perguntas. Recolhê-las durante um hino da celebração.

- Desafiar um outro grupo da comunidade a fazer uma faixa com a resposta dos discípulos: És o Cristo de Deus.

- Encontrar uma forma rápida, caso as respostas retornem durante o culto, para, durante a prédica, dar retorno à comunidade de algumas respostas. Relacionar as respostas com as reflexões da celebração e com a oração final.

- Expor a faixa, ou outro meio de comunicação do género, fora ou dentro do espaço de celebração.

2. Sugestões para alguns momentos da celebração

- Liturgia:

- Na saudação e na abertura, privilegiar versículos bíblicos e frases que ajudam as respostas para as perguntas de Jesus.

- Na confissão de pecados, mencionar a pluralidade religiosa, a fuga da cruz, da realidade, bem como a vergonha de participar dos sinais concretos de salvação vividos por segmentos do povo de Deus.

- No Kyrie, proponho as palavras de Bonhoeffer, intercaladas com um Kyrie cantado:

Homens na sua angústia se chegam a Deus,
Imploram auxílio, felicidade e pão;

Que salve de doença, de culpa e de morte os seus.
Assim fazem todos, todos: cristãos e pagãos.

Homens se aproximam de Deus quando Ele em dor,
Acham-no pobre, insultado, sem agasalho, sem pão.
Vêem-no por nosso pecado vencido e morto, o Senhor;
Cristãos permanecem com Deus na paixão.

Deus está com todos na sua angústia e dor.
Ele dará de corpo e alma o eterno pão.
Morre por cristãos e pagãos como Salvador,
E a ambos perdoa em sua Paixão.

(Dietrich Bonhoeffer, Resistência e submissão, Rio de Janeiro, 1968, p. 176-177).

- No Gloria in excelsis, referir-se ao conteúdo do texto (uma das leituras do dia) de Zc 12.7-10 e, em seguida, cantar um glória conhecido da comunidade.

- Na oração do dia, suplicar ao Deus Pai para facilitar a todos a compreensão e a vivência da fé em Jesus Cristo.

- Na oração final, incluir as súplicas em favor das comunidades: tomar a cruz, não se envergonhar e seguir o Cristo de Deus.

- No envio pode ser usado o v. 23 do texto que trabalhamos.

Bibliografia

BARTH, Gerhard. Ele morreu por nós : a compreensão da morte de Jesus Cristo no Novo Testamento. São Leopoldo : Sinodal, 1997.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. São Leopoldo / Petrópolis : Sinodal / Vozes, 1976.
MOLZ, Cláudio. Lucas 9.18-24(25-26). In: SCHNEIDER, Nélio, STRECK, Edson (Orgs.). Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1994. v. 20, p. 190-197.


 


Autor(a): Guilherme Lieven
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 5º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 18 / Versículo Final: 24
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000 / Volume: 26
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17634
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