Marcos 10.17-27

Auxílio Homilético

12/10/1997

Prédica: Marcos 10.17-27
Leituras: Amós 5.4-7,10-15 e Hebreus 3.1-6
Autor: Ervino Schmidt
Data Litúrgica: 21º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 12/10/1997
Proclamar Libertação - Volume: XXII

1. Introdução

Este texto foi trabalhado diversas vezes em Proclamar Libertação. Também seus paralelos (Mt 19.16-26 e Lc 18.18-30) já foram abordados. Os acentos colocados, as ênfases dadas variam muito de um autor para outro. Alguns enfatizam a decisão radical do seguimento a Jesus. Apontam o perigo que a riqueza e os bens em geral representam no discipulado. Outros destacam a dimensão profética do texto e dão um aspecto político-social à interpretação.
Na tradição luterana não podia faltar o discurso sobre salvação por graça, independente das obras da lei. Desfazer-se dos bens não garante salvação. Pode ser meramente obra da lei.

Todas essas abordagens, sem dúvida, destacam aspectos importantes das narrativas de Marcos. Aliás, com essa profusão de interpretações, fica difícil trazer algo novo. A última contribuição, em PL, sobre o texto é de Nilton Giese (PL XVI, pp. 268-276). Ele parte de uma análise da situação histórica da Palestina do séc. 1. Basicamente segue as pistas de Gerd Theissen e François Houtart, em sua acurada pesquisa. De fato, o fundo histórico é essencial para a compreensão dos textos bíblicos. Nilton constata um contexto de conturbação e de crise.

Mas há um esforço de superação dessa crise. Surgem movimentos de renovação religiosa. Há uma busca de novas orientações e valores de vida. Também a comunidade cristã primitiva está nessa busca. O texto de Marcos está nela inserido. Sem dúvida uma abordagem fascinante. Mas será que não se oferece ainda outro ponto de partida?

2. Pelos Meandros da História Traditiva

A narrativa do encontro de Jesus com um rico, que hoje se apresenta como um todo (Mc 10.17-27), deixa transparecer várias camadas, se assim quisermos. Os vv. 17-22, o encontro de Jesus com o rico, propriamente dito, é tido como a parte mais antiga do texto.

A segunda parte consiste dos vv. 23-27. Entre os exegetas há certo consenso de que trata-se de uma formulação do evangelista Marcos.

Os vv. 23 e 25 são elementos de uma tradição anterior à composição de Marcos. Donde teriam vindo essas afirmações: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!, e: É mais fácil um camelo passar através do buraco de uma agulha que um rico entrar no reino de Deus? É muito provável que tenham vindo de uma comunidade de tendência ascética que valorizava a pobreza como ideal.

Assim sendo, cada um dos três estágios do texto tem seu acento próprio. Não obstante, há algo que é comum a todos eles: a pergunta pela salvação.

3. Observações Exegéticas Adicionais

Nos vv. 17-22 temos o encontro de Jesus com um rico (Mt 19.30 fala do jovem rico). A questão central é a pergunta pela vida eterna. Qual é a contribuição necessária para alcançá-la? Não se colocava em dúvida a necessidade de se trazer um sacrifício. Mas a questão é em que, exatamente, deveria consistir. Jesus responde apontando para a vontade de Deus codificada nos mandamentos. Essa referência, porém, é mal entendida. Jesus esclarece não se tratar de um simples cumprimento da lei. O pressuposto básico é, antes de mais nada, o amor. No decorrer do diálogo se evidencia que o interlocutor de Jesus tem como dificuldade específica o seu apego às riquezas. O abandono de posses, porém, nesta camada mais antiga do texto, ainda não é colocado como exigência válida para todos. Trata-se de um caso narrado a título de exemplo. Mas não se fixa regra!

Vv. 23 e 25: Neste trecho, provavelmente proveniente de tradição ascética, temos uma generalização. As posses passam a ser empecilho para todos os ricos, indistintamente.

A riqueza, de modo geral, passa a ser impedimento intransponível para a consecução da vida eterna. Aqui, sim, a desistência de bens e posses, ou seja, a pobreza, é exigida de todos como condição para entrar no reino de Deus.

Vv. 24 e 26: E o que nos traz a terceira, e mais recente, camada do texto? O evangelista Marcos se dirige a uma comunidade cristã já estabelecida e vê na riqueza um problema que afeta a todos. Esse problema é tão grave que se levanta a pergunta se a salvação, nessas circunstâncias, é de fato possível. E ficaram aterrorizados, dizendo entre si: E quem poderá ser salvo? (V. 26.) A conclusão é conhecida: Para os homens é impossível, mas para Deus todas as coisas são possíveis. (V. 27.)

4. Considerações para a Prédica

Existem basicamente três perigos que deveríamos evitar. Primeiro, a espiritualização indevida que evita qualquer compromisso social. Segundo, uma exposição que demoniza posses e bens. Terceiro, um apelo legalista de luta contra os ricos como caminho para o estabelecimento de justiça social. Sugiro os seguintes passos:

a) Que ouvintes teremos? Ricos, remediados, pobres? A tentativa de clas¬sificar os ouvintes em níveis sociais não contribuiria para abrir corações e mentes para a mensagem do evangelho. Antes, fecharia os ouvidos. Posso imaginar uma comunidade atenta, isso sim, quando se apontasse para as astutas seduções ao consumo, às quais estamos todos expostos por igual.

b) Importante é destacar que no centro de tudo está o chamado à liberdade, o agir libertador de Jesus. É ele quem proporciona acesso ao reino de Deus. Nossa boa vontade não é suficiente para romper com tudo aquilo que nos prende. A narrativa do encontro de Jesus com um rico não deixa dúvida quanto a isso. O comentário da comunidade cristã primitiva, com mais radicalizações, sublinha e reforça este fato. A mensagem de Deus vence todos os impedimentos. A salvação é obra exclusivamente sua. Ele verdadeiramente liberta.

c) E quem experimentou essa libertação terá uma nova relação com os bens que o mundo oferece. Colocará tudo a serviço do amor ao próximo. Ao mesmo tempo, estará atento ao que se passa na sociedade, em geral, em termos de distribuição de riquezas e de rendimentos. Neste ponto, sim, podemos falar mais demoradamente do que se passa em nosso país.

Vivemos uma situação muito difícil, uma situação marcada pela economia neoliberal. É sabido que ela tem por único critério a competitividade. Aumenta o número dos expulsos e marginalizados. Eles simplesmente não interessam e são, praticamente, condenados à morte. A competitividade é que regula tudo e define o desenvolvimento. É um processo no qual simplesmente não há lugar para todos!

E difícil encontrar alternativas. Franz Hinkelammert chama a atenção para o fato de que qualquer alternativa que busque, de algum modo, a solidariedade enfrenta um sistema que está no delírio do triunfo. Diz ele textualmente que as tendências atuais do capitalismo não desenvolvem somente a negação da solidariedade, mas, além disso, da própria possibilidade da solidariedade humana (em Véspera na 5, 1993). Empenhar-se por uma sociedade justa e participativa significa entrar em confronto com todo um sistema que está aí. Toda tentativa de ser solidário é vista como algo criminoso. A solidariedade é perseguida como uma utopia destrutiva, diz ele.

Assim se chega à negação de qualquer dignidade humana. A 32 milhões de brasileiros não é dado viver dignamente. Ter o que comer, ter onde morar, educação, saúde e lazer são uma questão de direitos humanos. Mas os excluídos são supérfluos, não são ninguém e, portanto, não lhes cabe dignidade. Não têm direitos. São um câncer que tem de ser extirpado.

O que mais se espera de nós é a solidariedade cristã. Nossa missão é diacônica. Entendemos diaconia como solidariedade radical com os excluídos. É necessário pensar o Brasil para todos os brasileiros para superar a apartação (apartheid) social (CNBB).

Libertos do apego às riquezas, os cristãos hão de se empenhar por um mundo mais justo e mais fraterno, não movidos pelas obras da lei, mas pelo evangelho de Jesus Cristo.

5. Subsídios Litúrgicos

Oração de intercessão:

D.: Senhor, somos o teu povo. Tu te revelaste como o Deus da vida, vida em amor, justiça, paz e unidade. Chegamos a ti humildemente com as nossas preces.

(Momento de silêncio.)

D.: Senhor, envia à Igreja o teu Santo Espírito, para que desapareçam todas as contendas, ódio e divisões.

T.: Senhor, ouve a nossa prece!

D.: Senhor, fortalece a tua Igreja, no seu esforço em participar da construção de um mundo mais justo, a partir dos valores do Reino.

T.: Senhor, ouve a nossa prece!

D.: Senhor, livra-nos de toda estreiteza e de toda sorte de preconceito. Ensina-nos a reconhecer os dons da tua graça em todos os que te invocam de coração sincero.

T.: Senhor, ouve a nossa prece!

D.: Senhor, derrama tua bênção sobre a tua criação. Dá-nos a consciência de que somos co-responsáveis pela sua preservação. Toda a criação geme. Que ela possa brilhar novamente com todo o esplendor.

T.: Santo Deus, pelo teu amor, reúne na unidade o teu povo. Que todas as pessoas de boa vontade possam se encontrar, sob o teu poder, para que o mundo experimente um testemunho unido e creia. Amém. (CONIC.)

Pai-Nosso: Sugiro usar o Pai-Nosso na versão ecuménica, aceito oficial- mente pelas igrejas que mais vão usar o Proclamar Libertação: Pai nosso que estás nos céus. Santificado seja o teu nome, venha o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dá hoje, perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém.

6. Bibliografia

BAILER, Albert. Meditação sobre Mc 10.17-27. In: Neue Calwer Predigthilfen; 3. Jahrgang. Stuttgart, Calwer, 1981. vol. B, p. 194-202.
GIESE, Nilton. Meditação sobre Mc 10.17-27. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo, Sinodal, 1990. vol. XVI, p. 268-276.
GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Markus. Berlin, Evangelische Verlagsanstalt, 1980. (Theologischer Handkommentar, B).
THEISSEN, Gerd. Sociologia da Cristandade Primitiva. São Leopoldo, Sinodal, 1987.


Autor(a): Ervino Schmidt
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 21º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 17 / Versículo Final: 27
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1996 / Volume: 22
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17671
REDE DE RECURSOS
+
Não sei por quais caminhos Deus me conduz, mas conheço bem o meu guia.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br