Lucas 18.1-8a

Auxílio Homilético

05/11/1995

Prédica: Lucas 18.1-8a
Leituras: Gênesis 32.23-31 e 2 Timóteo 3.14-4.5
Autor: Carlos Eduardo Müller Bock
Data Litúrgica: 22º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação:05/11/1995
Proclamar Libertação – Volume: XX


1. Introdução

Por meio das parábolas, Jesus traz a realidade invisível de Deus ao alcance da mão, para dentro do horizonte que se vê. (Mesters, p. 10.)

Jesus quis, com as parábolas que contou, levar o povo a descobrir as coisas de Deus. E porque falava do reino de Deus a partir das coisas do dia-a-dia do povo, este o entendia.

O povo conhecia o funcionamento dos tribunais e a situação das viúvas. E Jesus observou isto. Por isso, ele contou a parábola da viúva insistente (já há tantos títulos!). Queria colocar a realidade invisível do reino de Deus dentro do horizonte que se vê, que se sente.

A parábola (Lc 18.2-8a) conta um fato que podia ser corriqueiro no seu tempo. No entanto, para encontrarmos um espaço no jeito do nosso povo pensar e viver a realidade hoje, é necessário olharmos um pouco para o quadro que Jesus pinta.

2. As molduras

A parábola da viúva insistente aparece no contexto da pergunta feita pelos fariseus a respeito da vinda do reino de Deus (Lc 17.20s.). A eles, como escolhidos, Jesus fala a parábola.

A parábola ganha espaço vivencial na nascente Igreja cristã, quando ela pergunta pela volta de Cristo. Para ela acontecerá o reino de Deus com a plenitude de todas as coisas esperadas e desejadas. Esta é a segunda moldura — a moldura da comunidade. Para ambos os casos é importante saber como funcionava o Poder Judiciário na época, a plausibilidade da atitude do juiz e a ação da viúva.

3. O Poder Judiciário

O Poder Judiciário em Israel era complicado pela presença romana. Havia, na realidade, dois poderes judiciários: o judaico e o romano. O poder judaico era teocrático. Estava baseado nas leis dadas a Moisés e na tradição oral. O Sinédrio em Jerusalém era a autoridade que controlava a aplicação das leis. As demandas simples entre os judeus não eram levadas aos tribunais ou ao Sinédrio. Eram levadas aos anciãos e aos juizados públicos. Esses juizados eram formados por três juízes (Barclay, p. 216).

O Poder Judiciário romano era bem desenvolvido. Em Israel, porém, obe¬decia a peculiaridades próprias devido às dificuldades encontradas para dominar o povo judeu. O Império Romano estruturava os seus tribunais nos territórios dominados. Aos governadores de províncias era dada a incumbência de fazer cumprir a lei através de tribunais locais. Para esses tribunais eram contratados juízes. O juiz a quem a viúva recorreu fazia parte do Poder Judiciário romano (a própria parábola revela que o juiz não temia a Deus).

4. O juiz

O juiz não era temente a Deus. Não sendo temente a Deus, não conhecia a lei que protege as viúvas e órfãos (Êx 22.22). A afirmação de que não temia a homem algum dá a ideia de uma pessoa arrogante e respaldada.

No desenvolvimento do quadro pintado por Jesus podemos observar que o juiz era acessível. A viúva podia falar com ele. Ela levava as suas súplicas direto aos ouvidos do juiz. Não havia intermediários. Não havia paredes de vidro, nem balcões.

O juiz temia que ela viesse a agredi-lo. Isto significa que ele estava ao alcance físico da viúva. Porém não foi por medo que o juiz julgou a causa dela. Baseado na sua arrogância e no respaldo da polícia romana, ele podia se negar a julgar a causa da viúva. Não foi a lei que ele cumpriu. O fato gerador da justiça foi a insistência da mulher, que não se conformou e lutou pelo seu direito. Falava-se desses juizes, pagos pelos romanos ou pelos governadores de província que se vendiam até por um prato de carne (Barclay, p. 216). Não foi pelo poder da corrupção que o juiz atendeu ao pedido da viúva.

O juiz representa o poder, a força que pode optar fazer a justiça acontecer ou negá-la.

5. A viúva

A mulher da parábola que clamou por justiça junto ao juiz estava viúva. Segundo Jeremias, não era necessariamente uma mulher idosa (Jeremias, p. 156). Ela era, com certeza, uma mulher pobre. Não tinha posses para influenciar a decisão do juiz. A viúva não tinha sequer o suficiente para suborná-lo, já que isto era possível por uma quantia bem pequena. As demandas dos que tinham o poder do dinheiro tinham preferência.

A demanda da mulher provavelmente estava relacionada com herança, dinheiro ou penhora (Jeremias, p. 156). Mas o importante na parábola é a situação da viúva.

O fato de não ter posses, de ser a parte mais frágil e necessitada de justiça, a fazia insistente. A única possibilidade de alcançar a justiça pela qual ansiava e clamava diante do juiz era a insistência.

A condição de mulher, viúva e pobre numa sociedade machista não a tornou acomodada. Ela não ficou esperando para que outros resolvessem o seu problema. Lutou, exigiu e persistiu. E porque não desistiu de se fazer ouvir, ela conquistou o que desejava, ou seja, que o juiz julgasse a sua causa.

6. O núcleo da parábola

O centro da parábola é a necessidade de justiça da viúva e a consequente conversão do juiz. Mas Jesus contou a parábola para unir o desejo ardente de justiça das pessoas com a justiça plena do reino de Deus.

Pela justiça plena perguntavam os fariseus, orava e pedia a Igreja primitiva vivendo perseguição. Pela justiça, em todos os tempos e lugares, anseia o ser humano que sofre injustiça.

A justiça virá. Mas virá diante de uma mobilização intensa de quem tem necessidade e desejo. E diante dessa mobilização, dessa insistência intensa e quase agressiva é que Deus ouvirá o clamor dos que gritam por justiça.

7. Meditação

Fica evidente, na parábola que Jesus contou, a relação de Deus com aqueles que confiam nele. Se um juiz arrogante, autoritário e incrédulo é capaz de se converter ante a insistência da viúva, muito mais Deus ouvirá e se converterá à necessidade de justiça daqueles que crêem nele.

A história de Deus com o seu povo é uma história marcada por uma aliança baseada na justiça. A libertação do Egito começa quando Deus ouve o clamor do seu povo (Êx 3.7-9). Ele vê a sua aflição e a opressão em que vive. Deus é conhecido pela sua justiça.

É necessário que fique claro para os ouvintes/leitores da parábola na atualidade o seguinte:

— Deus é um Deus que faz justiça.

— O pedido da viúva é individual. Mas Jesus chama a atenção para o fato de que Deus fará justiça aos escolhidos. Portanto, a busca de justiça junto a Deus é um pedido da comunidade.

— A insistência, a constância do pedido é fundamental. Olhando para a realidade de injustiça, a
comunidade precisa insistir junto a Deus para que venha o seu reino. A proximidade do Advento acentua este pedido: Venha teu reino, Senhor!

— A oração é o veículo da comunidade. Não podemos entrar na onda espiritualizante, individualista. Não haverá justiça do reino de Deus so¬mente para alguns abençoados. No entanto, a oração é fundamental, tanto a individual como a comunitária. Ambas devem clamar pelo reino de Deus, pois com ele vem a justiça, sem a qual não haverá paz de nenhum tipo.

— Clamar, insistir junto a Deus por justiça é fundamental. O pecado humano continua corroendo vidas e destruindo a criação de Deus. Orar a Deus pedindo por justiça é reconhecer o pecado que produz injustiça.

Por mais sonhos e desejos de novo céu e nova terra que tivermos, enquanto dependermos da disponibilidade do ser humano para fazer justiça, não a teremos. Podemos, no entanto, inspirar-nos na insistência da viúva para que se consiga, em meio ao mundo corrupto, uma convivência marcada pela justiça.

8. Sugestão

A parábola de Lc 18. l-8a pode ser facilmente encenada. Seria uma alternativa para ajudar a comunidade a refletir sobre os componentes do quadro pintado por Jesus.

Na forma de pregação não podemos deixar de:

— denunciar o pecado que continua gerando injustiça;

— mostrar a insistência dos fracos, dos pequenos para alcançar a justiça;

— mostrar que a insistência dos fracos e oprimidos é uma força capaz de fazer nascer a esperança do reino de Deus;

— anunciar a força da oração junto a Deus. Ele ouve o clamor dos aflitos e injustiçados.

9. Bibliografia

BARCLAY, William. El Nuevo Testamento comentado; v. 4; Lucas. Buenos Aires, Aurora, 1972.
JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. 3. ed. São Paulo, Paulinas, 1980.
MESTERS, Carlos. As parábolas — Ser aluno das flores. In: Círculos Bíblicos 13 a 16. Petrópolis, Vozes, 1974.
MORIM, E. Jesus e as estruturas do seu tempo. 3. ed. São Paulo, Paulinas, 1984.


Autor(a): Carlos E. M. Bock
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 22º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 18 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1994 / Volume: 20
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17747
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