Efésios 5.1-8a

Auxílio Homilético

02/03/1986

Prédica: Efésios 5.1-8a
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: Domingo Oculi
Data da Pregação: 02/03/1986
Proclamar Libertação - Volume: XI


I — Observações preliminares

Parêneses são textos prediletos de pregadores moralistas. E isto é assim porque as parêneses, não sendo bem trabalhadas, estudadas e explicadas, tornam-se realmente moralizantes. O nosso texto, aparentemente, vem ao encontro dos que pensam que cristianismo e moral se confundem e ele até pode ser base para muito moralista santinho e correto colocar-se acima dos outros.

Sem dúvida, o texto nos confronta com uma série de dificulda¬des: A primeira, bem prática, é como os nossos ouvintes vão se colocar diante do texto — eles apenas vão ouvir o texto (e por favor não use a tradução de Almeida; use uma tradução simples — NT na Linguagem de Hoje — ou, em último caso, simplifique o texto de Almeida). Será que eles ao vão se fechar por causa do tom negativista e proibitivo do texto: nenhum, ninguém, não? A segunda dificuldade, já não mais puramente prática, mas também de conteúdo, é a questão do sofrimento vicário de Jesus. Encontramo-nos na época da paixão (domingo oculi = nossos olhos estão voltados para Deus que nos ajuda. SI 25.15) e por isso lembramo-nos do sofrimento e do sacrifício de Jesus. Mas até que ponto o sofrer e o se oferecer em favor de nós ou mais ainda, até que ponto a morte vicária é um quadro com o qual os nossos ouvintes, nosso povo, não sabe o que fazer? É importante saber o que os ouvintes se imaginam com isso para que a comunicação seja clara e compreensível. Uma terceira dificuldade é a delimitação do texto. Quem lê o texto na sua Bíblia, dificilmente vai parar no v. 8 — o que aliás, não é nenhum critério para delimitação de textos!

Certo é que o v. 9 já traz assunto novo para dentro da parênese, enumerando concretamente o fruto da luz. As orientações éticas, quando não dirigidas especificamente para classes ou pessoas, podem se estender através de vários versículos sem uma divisão mais clara. O v. 1 retoma um assunto enfocado em todo o cap. 4. Aceitando a delimitação proposta e usual, 5.1-8a, deve ficar claro ainda que a nossa perícope faz parte do grande bloco parenético (caps. 4-6) que segue ao bloco dogmático (caps. 1-3) da carta aos Efésios. Esse esquema inclusive pode ser observado em (outras) cartas paulinas ou deutero-paulinas do NT. É o mesmo esquema da prédica que anuncia o ato salvífico de Deus e aponta para atitudes bem concretas que devem ser praticadas ou evitadas.

II — Meditação

A parte central de nossa perícope, vv. 3-6, tem seus paralelos em diversas cartas neo-testamentárias: Gl 5.19-21; 1 Co 6.9ss;GI3.5ss e outros. Por isso, devemos nos perguntar o que levou o autor do nosso texto a fazer essas recomendações/proibições, e qual é o específico da nossa perícope. Há semelhança, entre as parêneses, mas cada uma tem o seu motivo específico.

A situação urbana de Éfeso, bem como de outras cidades grandes no Mediterrâneo, estava passando por grandes mudanças e transformações sociais. As mais diversas raças e etnias se encontravam aqui e, conseqüentemente, proliferavam todos os tipos de pensamentos filosóficos e grupos religiosos; o sincretismo encontrava chão favorável. As pessoas, perdendo suas raízes, eram ameaçadas constantemente com novos valores, costumes e moral. O autor dirige-se à comunidade lembrando-lhe o que significa ser participante da família de Deus como filhos adotados através de Jesus Cristo (1.5) e, procurando alertá-los para que não recaiam na velha vida, faz diversas recomendações. Ele quer mostrar de forma bem clara que determinado procedimento não convém aos filhos de Deus e, se isso ainda não ficou entendido no início da carta, ele o deixa bem claro agora. A parênese mostra que recebeu influências da tradição judaica e do pensamento grego, mas já é fortemente cristianizada. Encontramos nela ainda terminologia e motivações de textos de Qumran (luz-trevas).

O v. 1 dá o motivo, coloca toda a base; isto o v. 8a traz novamente em outras palavras. A imitatio Dei (imitação de Deus) recomendada aqui, é desconhecida para o restante do NT e não tem nenhuma relação com Gn 3, a saber, do desejo de ser como Deus. Antes, tem relação com a nova interpretação da Imago Dei (imagem de Deus) no NT, ou seja, o novo homem conforme Cl 3.10 e Ef 4.24. Ao crente é pedido que imita não um ser desconhecido, um ideal, mas o Deus que se manifestou concretamente no amor de Jesus Cristo. Imitar é, pois, corresponder a esse amor revelado, agir de acordo com esse amor, saber-se aceito e viver a partir desse amor. Os cristãos são chamados a viver como filhos de Deus usando as mesmas normas e agindo como Deus age: amando, tendo misericórdia, perdoando. Deus não quer ver o homem sem essa sua característica e, por isso, Ele faz em Jesus (que é a imagem de Deus, cf. 2 Co 4.4) um novo pacto adotando-nos como seus filhos (Gl 4.5). Esta nova realidade na qual Deus colocou seus filhos, transforma total e radicalmente suas vidas, não os deixando mais nas trevas (1 Ts 5.4s), mas os impele a viverem a nova vida em direção ao novo céu, nova terra (Ap 21.1 e 2 Pe 3.13), vivendo essa nova feitura (Ef 2.10).

A ética parte de modelos e apela para modelos que devem ser seguidos e imitados. Para a ética cristã, Cristo é o modelo. Nele temos o real e verdadeiro modelo de vida a partir de Deus e justamente nele reconhecemos que tudo provém de Deus e que somos aceitos. Quem se entende como dependente, realmente como filho, vai agradecer a Deus por isso. Desta maneira, o pedido de que devemos agradecer a Deus, significa ser recordado de que somos dependentes, de que não vivemos a partir de nós e nem para nós. Quem se afasta do amor, não pode amar os outros, vai usá-los e vê-los como objetos para sua satisfação própria, sexual e materialmente, e para sua vida.

Cristãos vivem diferente! Há uma diferença fundamental e absoluta para com os que vivem afastados de Deus. Esta diferença deve estar clara. Não no sentido de que cristãos vivem um ideal puritano, que já não têm mais culpa nem fracassos! Não podemos fugir do mundo; somos chamados a viver aqui, com os pés no chão e sabedores de nossa fraqueza (cf. 1 Jo 1.8). A novidade de vida à qual somos chamados não pode ser amenizada. A perícope é clara e radical, assim como Jesus foi claro e radical com os seus discípulos quando lhes falava da nova vida do discipulado (cf. Mt 5.18 e Lc 6.36).

O ser diferente do cristão é expressão e consequência da libertação experimentada e vivida diariamente. Deus nos liberta de uma realidade de exploração (sexual e material) e de ganância e nos convida para um novo convívio. Que a pessoa sai de uma realidade de vida e entra numa outra nova realidade, não é obra sua, mas é obra libertadora de Deus na pessoa.

III — Nossa gente e o texto

Estudei o texto com 2 grupos bem distintos: um grupo de estu¬do, moradores de vila, todos idosos (sexagenários); o outro foi um grupo de senhoras (OASE). No grupo de estudo tínhamos 3 Bíblias para 15 pessoas e na OASE cada participante (18) tinha o texto mimeografado em mãos. Quê diferença! O estudo de um texto muda quando se tem o texto na mão.

No grupo de estudo não houve diálogo, não se conseguiu descobrir (ou lembrar?) do indicativo no texto; com muita dificuldade se lembraram de algumas recomendações (imperativos) e as aceitaram como sendo integrantes da mensagem cristã (A Bíblia diz que muitas coisas não se deve fazer).

No grupo de OASE houve, entre outras, as seguintes afirmações:

— De jeito nenhum podemos ser como Deus, pois Ele é perfeito e nós somos pecadores.

— Quem sabe, a gente é para ser como Deus é com a gente, isto é, a gente é para ser bom.

— Se a gente quer viver conforme Deus quer, então se precisa sacrificar alguma coisa, p. ex. um prazer ou outra coisa que a gente gosta.

— Olhando para o sacrifício de Jesus, nós recebemos força, nisto a gente se segura para também passar por sacrifícios, por problemas em casa, na família.
- Eu me choquei com a afirmação de que é para se afastar de pessoas que vivem errado. Penso que deveríamos estar com eles para orientá-los. Abandonar é pior.

— Eu não vejo coisa boa para nós neste texto.

— A coisa boa do texto é que diz que somos filhos de Deus.

IV — Preparação da prédica

Sugiro que se trabalhe sobre a temática quem é cristão e como vive o cristão à luz do nosso texto.

A observância de um catálogo de bons costumes/maneiras ainda não qualifica ninguém como cristão.

Por que algumas pessoas têm prazer em ser moralistas? Analisar alguns conceitos morais — ver também como eles mudam de geração para geração; o que hoje é aceito já foi proibido em outras épocas e vice-versa.

O texto aponta para algumas atitudes que não devem ser seguidas: o que elas têm de específico? Achar outras atitudes, inclusive de nossa época — a nossa comunidade (social) tem muitas normas que não podem ser seguidas pelos filhos de Deus.

O centro da prédica deve estar com o v que suas vidas sejam dirigidas pelo amor.

Andar em amor significa promover a vida, empenhar-se pelo bem do outro — também além das fronteiras da comunidade (eclesial). Este amor requer abnegação, olhos abertos, coragem e até muita fantasia.

Em Jesus Cristo temos o exemplo. Ele nos mostra como viver esse amor até suas últimas consequências. O que ele fez e como o fazia!

Pelo nosso agir o mundo nos reconhecerá (cf. Jo 13.35 e 15.8).

V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de culpa: Misericordioso Deus, nosso Pai. Tu nos aceitaste como teus filhos, mas nós não vivemos sempre como teus filhos; ou melhor, vivemos constantemente como filhos desobedientes e longe de ti. A nossa vida, as nossas palavras, o nosso relacionamento com os demais nos trai e é ali que podemos ver o quanto é que somos egoístas, o quanto é que criticamos e condenamos os outros. Falamos tanto durante o dia sobre tantas coisas, mas contigo e de ti falamos pouco. Perdoa-nos essa leviandade, perdoa-nos que não espelhamos mais as tuas qualidades através de nossa vida. Tu podes e queres nos transformar. Por isso, Senhor, ouve-nos e perdoa-nos quando clamamos: Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Muito obrigado, Senhor, que tu nos reuniste aqui em torno de tua palavra. Assim como um pai ensina seus filhos, assim também tu queres nos orientar no nosso agir. Ajuda-nos para que te ouçamos com muita atenção; que dentro de nós tudo se acalme e silencie. Dá, Senhor, que os outros percebam, após este culto, que tu falaste conosco. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.

3. Oração final: Agradecer pela Palavra que cria comunhão, que anima e conforta. Agradecer pela adoção como filhos. Pedir que Deus nos mostre nossa tarefa; que estejamos ao lado dos fracos, marginalizados, esquecidos, doentes, enlutados; pedir que Deus busque, através de nós, os filhos que se afastaram dele; pedir pêlos professores e alunos que estão iniciando um novo ano letivo (lembrar dos milhões que mais uma vez ficarão sem aula).

VI — Bibliografia

- CHRISTIANSEN, R. Meditação sobre Efésios 5.1-9. In: Calwer Predigthilfen, v. 12, Stuttgart, 1973.
- CONZELMANN, H. Der Brief and die Epheser. In: Das Neue Testament Deutsch, v. 3, Göttingen 1982.
- MAEDCHE, A. — Meditação sobre Efésios 5.1-9. In: Proclamar Libertação, v. 5, São Leopoldo, 1979.
- WIEDEMANN, H.G. Meditação sobre Efésios 5.1-8. In: Predigtstudien 79/80, v.1, Stuttgart 1979.


Autor(a): Valdemar Lückemeyer
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1985 / Volume: 11
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17759
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