Apocalipse 1.9-18

Auxílio Homilético

24/01/1988

Prédica: Apocalipse 1.9-18
Autor: Augusto Ernesto Kunert
Data Litúrgica: Último Domingo após Epifania
Data da Pregação: 24/01/1988
Proclamar Libertação - Volume XIII


l - Introdução

Considero oportuno fazer algumas colocações iniciais sobre o Apocalipse, já que o texto para o último domingo da época de Epifania pertence ao livro, no meu entender, mais controverso do NT. Controverso, não quanto à pergunta de sua origem, quem o escreveu, onde foi escrito. Tudo isto na literatura a respeito não oferece maiores problemas. O apóstolo João é amplamente reconhecido como autor do Apocalipse. Não encontrei objeções fundamentadas que rejeitassem que o discípulo a quem Jesus amava e estava reclinado no seio de Jesus seja quem escreveu o Apocalipse (Jo 13.23).

As dificuldades começam com a interpretação, com a compreensão do livro. Devo confessar de mim mesmo que no inicio do meu pastorado e durante bastante tempo, tinha o Apocalipse como fechado com muitas chaves. Ele me era incompreensível e se me apresentava como um livro que levava o seu leitor para fora da realidade do dia-a-dia, transferindo-o para dentro de uma mística das coisas a acontecerem no futuro. Como sempre entendi que a fé acontece, vive, atua e se comprova na vivência, no contexto do seu meio-ambiente, o livro se mantinha incompreensível e, na sua pretensa projeção para o futuro, foi pouco consultado e estudado.

É inegável que c Apocalipse é o primeiro livro do NT de cunho apocalíptico. Johannes Behm afirma que o livro tem o estilo de carta com características litúrgicas, portanto, tem a maldade de leitura no culto. É importante verificar que o livro não quer ser um apanhado doutrinário sobre a criação do mundo e que também não tem intenções encobertas sobre a atuação de Deus na história com os homens, colocando sua mensagem num invólucro um tanto misterioso. O Apocalipse é um livro típico de sua época (p. 3).

A disposição de aceitar o livro e de compreendê-lo a partir de sua época e de seu contexto nos abre perspectivas muito esclarecedoras. Os exegetas consultados afirmam que foi escrito no período do imperador Domiciano (81-96 d. C.), em período de violenta perseguição dos cristãos. Tanto judeus como pagãos forçaram uma luta de sobrevivência para os cristãos. A intenção do livro visa confortar e fortalecer os irmãos na fé em meio a uma situação difícil que se caracterizava como martírio. E nesta compreensão o livro se nos abre; vem a ser uma mensagem central e atual: vêm a ser testemunho de fé, chamado à fidelidade, transmite conforto e dá apoio à comunidade de hoje no confronto com as adversidades típicas de nossa época.

II - Exegese

V. 9: O escritor se nos apresenta como sendo Eu João. Ele se diz irmão e companheiro na aflição. Com a sua apresentação João segue o estilo da literatura apocalíptica. Assim o verificamos em Daniel 9.2: Eu, Daniel, entendi... João não reclama para si um título ou posição especial, pelo contrário, ele assume uma posição de igualdade com os irmãos e se integra na comunhão, dizendo-se irmão e companheiro na aflição e no reino. Ele não se coloca à parte nem à margem como observador que vem dar conselhos a outros. Ele se declara participante do sofrimento que se abateu sobre as comunidades. Em 2.9 João diz que sofreu o desterro para a ilha de Palmos por causa da palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus Cristo. Entende-se que os judeus, dado o testemunho que Jesus Cristo, o Filho do homem, é o Messias, se chocaram com a doutrina cristã e que no confronto dos cristãos, que confessando a Cristo como o Rei do universo, se uniram com os pagãos, que defendiam o culto ao imperador, contra os cristãos.

V. 10: A separação forçada de João do convívio com a comunidade proporcionou uma nova maneira de atuação missionária. A palavra escrita. A visão aconteceu em um domingo, no dia do Senhor. João foi arrebatado em espírito. Na tradição israelita trata-se do primeiro dia da semana, conhecido entre os cristãos como o dia da ressurreição de Jesus Cristo. Em oração João sabe-se, mesmo separado fisicamente, em íntima comunhão com os irmãos da comunidade. Nesta íntima comunhão é arrebatado em espírito. Isto significa que o Espírito lhe permite ver e ouvir o que ao homem natural não é dado a ver nem ouvir. No estado de arrebatamento o novo mundo se toma perceptível aos olhos e ouvidos de João. Ele, no estado de arrebatamento, não perdeu a noção das coisas. Ele guardou e registrou o que viu e ouviu. Tudo se relaciona claramente com a sua fé cristã, com os seus conhecimentos das Escrituras, com a sua situação contextuai e com a realidade em que vivem as comunidades.

João percebe, primeiramente, uma grande voz. Ela lhe soa como uma trombeta.

V. 11: Em seguida João recebe o anúncio da visão, a ordem de anotar o que vê e ouve; recebe a determinação de enviar o registro do que vê e ouve às sete igrejas que estão na Ásia. O anotar o que viu e ouviu e o envio do relatório deve ter acontecido em atos posteriores à visão. Arrebatamento em espírito havia passado. O visto e ouvido passou pela reflexão de João e tomou-se testemunho e confissão de fé. Vem a ser uma mensagem de fé, desde as comunidades na Ásia Menor, através dos tempos, pára a geração de hoje.

V. 12 e 13: João, ao virar-se em direção da voz que lhe fala, vê um quadro de beleza incomum. O quadro dos sete castiçais se assemelha com o que registra Daniel 4.7, quando diz que entre os sete castiçais de ouro havia um semelhante ao Filho do homem. O v. 13 descreve a vestimenta do Filho do homem e Johannes Behm diz que João o faz com linguagem poética e, no uso de figuras, o faz na linguagem típica do apocalipse da época (p. 15). Também Daniel 7.13 se refere ao Filho do homem: E eis que vinha nas nuvens do céu um louro Filho do homem... O filho do homem vem a ser o Messias que é o portador da salvação, do juízo e é o Senhor do mundo. Exatamente assim também João entende o Filho do homem. João o conhece. Conviveu com ele. Esteve sentado aos seus pés. Com ele caminhou pelas ruas das cidades e pelos campos, manteve a comunhão de mesa com quem repartiu o pão. João sabe que o Filho do homem é Jesus Cristo, o crucificado e ressuscitado, de quem Pedro confessou: Meu Senhor e meu Deus.

A vestimenta descrita e o cinto de ouro mencionado neste versículo querem, na linha de compreensão de Hebreus 4.14, caracterizar a Jesus Cristo, o Filho do homem, como o sumo sacerdote, com o qual Jesus Cristo é identificado.

V. 14: Na visão de Daniel, Deus é tido como o ancião (7.9), cujo cabelo brilha como lã branca. O branco é o resplendor da luz celestial que nos mostra a superioridade do eterno que se comunica com o nosso mundo. Os traços caracte¬rísticos de Deus se transferem para o Cristo enaltecido. O Pai e o Filho vêm a ser um. Isto nos quer dizer que Cristo é igual a Deus, no seu ser, na sua aparência e no seu poder.

V. 15 e 16: Paralelas para descrever os traços característicos do resplendor da luz, dos olhos e do rosto, iluminados, o AT nos dá em Dn 10.6, Ez 1.14 e 17. As sete estrelas aí mencionadas são, no versículo 20, denominadas de anjos das sete igrejas e os sete castiçais são identificados com as sete igrejas.

A espada de dois fios é o símbolo que identifica o Filho do homem como juiz. Ele julga o mundo com firmeza e imparcialidade. Cristo é o juiz do universo. Ele virá para julgar o mundo, mas já agora, hoje, o enaltecido é o juiz da cristandade e do mundo. A espada sai da boca do filho do homem. Isto nos leva à conclusão que a espada é a palavra (cf. Ef 6.17 e Hb 4.12).

V. 17: Com João no Apocalipse acontece o mesmo que ocorreu com profetas do AT. A visão de Deus causa temor e morte. João prostrou-se e caiu como morto. Veja para comparar Ex 33.20; Is 6.5; Dn 10.7-9. No primeiro momento deve ter sido difícil para João reconhecer, na majestade e no resplendor do Filho do homem, o Mestre da comunhão de mesa, que em humildade se comiserou dos que sofrem, João, diante do resplendor e da altivez do juiz supremo, caiu por terra. O Filho do homem, porém, pôs sobre ele a mão direita. Neste gesto João reconhece no Filho o seu Senhor e Deus e dele emana vida nova para João. Aí está Cristo, o eterno. Ele é o princípio e o fim de todas as coisas.

V. 18: Jesus está vivo. Sofreu a morte quando na terra com corpo humano. Ressuscitou e está vivo e entrou na eternidade para junto do Pai. A fé no Senhor vivo encontra conforto na apreensão com a morte. Isto é possível porque o Senhor passou da morte para a vida. Ele venceu a morte com a ressurreição. Tomou a si as chaves que antes estavam em poder do reino da morte. Aqui, considera Johannes Behm, morte e inferno são compreendidos como poderes pessoais contra Deus que abrem e fecham os portões dos reinos no subsolo (p. 15).

Jesus venceu a morte e agora pode, com poder divino, nos libertar eternamente do poder da morte. Ele tem, ao mesmo tempo, poder para nos deixar entregues à morte.

Ill - Meditações em preparação da prédica

1. Acontece a convocação de João. Ele não é escolhido para profeta ou guia carismático ou para apóstolo dos gentios como se deu com Paulo. João é convocado e instalado escrivão e relator do testemunho da revelação de Jesus Cristo, acontecida na ilha de Patmos. O seu escrito não se destina a engrossar os anais das comunidades primitivas, mas tem uma finalidade direta. É dirigida às sete comunidades da Ásia Menor como mensagem viva, concreta e atual. Nela se decide salvação ou condenação.

2. Muitos pregadores preferem ater-se à interpretação, até por terem dificuldades com o texto, as figuras, imagens e símbolos ricamente mencionados por João. Perguntas, neste particular, não faltam: O que significam, o que representam, qual o sentido dos sete castiçais de ouro? O que nos dizem os cabelos brancos como a lã? O que nos quer transmitir João com o cinto de ouro e os olhos como chamas de fogo? Talvez uma análise mais detida possa satisfazer a própria curiosidade e a de outros, mas para elaborar o conteúdo da mensagem, assim o compreendo eu, é suficiente verificar a linha apocalíptica que marca o texto; verificar as paralelas existentes para compreender o seu significado, válido também para o presente. Gastar uma predica com interpretações das figuras e símbolos significa, no meu entender, marginalizar a verdadeira mensagem. As figuras, imagens servem de moldura para descrever o quadro dos acontecimentos da visão que tem como ponto alto, como razão de ser, a mensagem às comunidades. Daí acho aconselhável desistir da intenção de materializar os símbolos e de aplicar todo esforço na transmissão da mensagem do Cristo vivo e enaltecido. Concordo com Friedmann Merkel, quando diz: Nós não vivemos em ambiente apocalíptico, de maneira que a intenção das referidas figuras e símbolos não nos falam com a mesma intensidade. (p. 110.) A visão, assim afirma Klaus Matthes, quer testemunhar: Que Jesus Cristo é Rei cheio de poder e de honra. (p. 108.)

3. Algumas dicas para a compreensão das figuras e símbolos: Vestido comprido e branco é entendido como identificação de Jesus Cristo como sumo sacerdote. Também o cinto de ouro faz parte da vestimenta do sumo sacerdote (veja Dn 7.13 e Ex 28.4). Somente ele tem a imortalidade e habita na luz inacessível (1 Tm 6.16). A referência ao homem idoso (veja Dn 7.9) entende-se como transferên-cia dos atributos especiais do Pai para o Filho. Jesus Cristo é enaltecido, é igual ao Pai. Ele assume função de rei, de sumo sacerdote e de juiz que rege e julga o universo todo pela palavra - veja referência à espada de dois fios - e não pela força. A insuperável majestade e poder do juiz do mundo se expressam no brilho e no resplendor da luz do rosto.

4) O gesto Ele pôs sobre mim a sua destra, comenta Helmut Gollwitzer significa a instalação do convocado (p. 87). Força e poder são transmitidos ao instalando. Temos para tanto paralelas em Dt 34.9; Nm 27.18 e no NT as encontramos na dádiva do Espírito Santo aos que são dotados com funções carismáticas: 1 Tm 1.18; 4.14, At 13.1-3. O que instala o convocado é o próprio Cristo enaltecido. Ele é o primeiro e o último e o vivo. Ele é eterno. Como primeiro é o que ressuscitou dos mortos. Na ressurreição igualou-se a Deus, assumindo os mesmos atributos de majestade e de poder. O ressuscitado é o eterno, o que vive, o que reconciliou. Com a ressurreição venceu a morte e tomou em seu poder as chaves da morte e do inferno. Ele assumiu todo o poder sobre a morte e o inferno. Aqui temos o momento de importância significativa para a comunidade e deve constituir-se no ponto alto da pregação: Jesus Cristo, o crucificado e ressurreto, o enaltecido rei e juiz, igual a Deus, venceu a morte e o inferno. A morte deixou de ser o terror para os cristãos. Esta é a mensagem que João recebe e com ela a ordem de levá-la por escrito, já que sofre o desterro na ilha de Patmos, às sete igre-jas da Ásia Menor como testemunho vivo do Senhor e Salvador vivo.

O pregador, portanto, deve concentrar-se no sentido maior da perícope que nos é dado com o testemunho que Jesus Cristo, o primogênito na ressurrei¬ção, é o que tem a última palavra sobre todas as cousas, venceu a morte, nos ama, está presente em nossa vida. A partir daí a perseguição, os problemas enfrentados e a própria morte deixam de ser o terror para os cristãos.

5. Na busca do contexto verificamos que a visão aconteceu em época muito difícil para os cristãos. Na introdução lembrei que se trata do período cheio de perseguições tanto por parte dos judeus como por parte dos pagãos na era de Domiciano, marcada pelo culto ao imperador. Repete-se, entre judeus e pagãos, o que anteriormente ocorrera entre Pilatos e Herodes quando julgaram a Jesus: Pilatos e Herodes, entre si, se fizeram amigos. (Lc 23.12.) Juntos, judeus e pagãos, lançaram o sofrimento entre os cristãos.

Nossa situação hoje é outra. O Brasil se diz uma nação cristã. Mesmo que a grande maioria dos brasileiros seja balizada, poucos são os que se envolvem de fato com a igreja de Jesus Cristo. Antes seguem cultos africanos, umbanda, espiritismo, doutrinas asiáticas, etc. Afirma-se em geral que os cristãos hoje no Brasil não sofrem perseguição. Eu me pergunto se o secularismo já conseguiu nivelar os valores espirituais a tal ponto que tudo nos parece ser tolerável e até aceitável! Não há perseguição porque a própria igreja e com ela, obviamente nós, está acomodada de tal maneira que nada mais há a ser contestado? Escolhemos o caminho da paz e harmonia baratas, refugiando-nos para momentos de deleite espiritual ao nosso quartinho privado! Deixamos o mundo dar suas voltas e ficamos bem quietinhos diante da injustiça flagrante? A acomodação é uma ameaça violenta para o indivíduo e para a comunidade toda. Hoje, de fato as ameaças de fora aparentam ser menores. A grande ameaça - a acomodação ou seja a lei do menor esforço - vem de dentro, parte de nós e da própria comunidade. A acomodação isola, limita, cega e nos faz passivos mesmo diante das maiores aberrações na sociedade, na vida política e econômica do país. Nas próprias comunidades as causas não são diferentes. Passamos a nos ver como um grupo de escolhidos que se encolhe e se recolhe, afastando-se da problemática que vivem os membros na luta por melhores salários numa situação de afogamento econômico, numa situação de corrupção moral, administrativa e econômica que explora e arrebenta com a justiça. Desde que eu tenha o suficiente e possa dizer à minha alma: come e bebe, pouco ou nada me interessa o sofrimento dos irmãos. A acomodação que nada mais ê senão falta de fé ou uma fé bitolada e pobre nos toma cegos, individualistas e egoístas. A fé em Jesus Cristo, o primeiro e o último, reconciliador vivo é atuante, é solidária, é participativa, é integrante, ama o próximo. A acomodação de quem considera que a fé é somente algo para consumo próprio, particular, isolado, um bem pessoal sem envolvimento e sem responsabilidade pelo ter, para com os outros, com o mundo que nos cerca, não compreendeu que a fé integra na comunidade, que o batismo ê integração, é implantação na comunidade. Integração e participação significa comunhão. E comunhão é saber-se responsável pelos outros. Abre os olhos e os ouvidos para ver e ouvir o clamor dos que sofrem. A fé vivida na comunhão chama à participação nos problemas da sociedade, dos membros, do povo. Sejam os problemas sociais, políticos ou econômicos; sejam os problemas gerados por doença, de sentimento ou injustiça.

Muitas vezes, assim me quer parecer, os membros, mesmo os que se dizem cristãos convictos, sofrem o medo da perseguição e do sofrimento. Intimamente conhecem e sabem do chamado da responsabilidade pelo irmão que sofre, mas o poder do capital, a força da injustiça ameaça o próprio emprego, ameaça o pão na mesa da família. Então optam pelo silêncio, entrando muitas vezes numa situação muito difícil de comportamento e de reação. Esta situação é hoje um dos maiores desafios em nossas comunidades. E o pregador na Igreja deve estudá-la a fundo e com muito amor levar a mensagem libertadora para os membros. O pregador deve primeiro ver a situação com o seu coração para poder testemunhar de maneira evangélica. Não levamos conforto, nem pregamos libertação, quando atiramos pedras, cascalhos e cacos de tijolos em forma de legalismo e xingação nos membros.

6. Outra possibilidade de abordagem: Seguidamente deparamos com a pergunta: Onde está Deus? Onde está Jesus Cristo? Esta pergunta vem a ser também, lá no íntimo, a nossa pergunta. Quem em sua vida - penso em determinadas situações apreensivas, de solidão e até de desespero, - não fez esta pergunta?

A Bíblia nos testemunha que os discípulos, no momento da aparição no monte, viram a Jesus Cristo. O relator do Apocalipse teve a aparição de Jesus. Os termos ver e ouvir são importantes tanto em nosso tempo quanto em nossa vida de fé. Através do ver e do ouvir Jesus se comunicou a João. O que a voz dizia, os ouvidos de João recebiam diretamente. A grande maioria dos cristãos não teve uma visão de Jesus Cristo e também não foi arrebatada em espírito. Daí vem o desejo de ver a Jesus Cristo. Para nós é importante ver Jesus Cristo com o coração, abrindo-se à sua palavra, abrindo-se como vaso do Espírito Santo. A criação do novo homem nos permite ver a Jesus Cristo com o coração e em espírito. Daí a mensagem, como João a testemunha, que Jesus Cristo se comunica, é fundamental para a comunidade.

A posição do pregador é muito importante. Na fé em Jesus Cristo o pregador poderá dar um testemunho vivo. A empolgação própria com o evangelho, daquilo que viu e ouviu com o coração e em espírito fazem o testemunho vivo. O simples relato do texto com abordagens filosóficas e malabarismo intelectual vai lançar a semente entre pedras e à beira do caminho.

7. João não traz uma nova mensagem que possa ser considerada como furo de reportagem. Não apresenta novos conteúdos, até então desconhecidos. João traz a mensagem da salvação em Jesus Cristo como o evangelho a comunica. A autodenominação que Cristo comunica a João: eu sou o primeiro e o último, o que vivo, fui morto, não é novidade apocalíptica. Morte e ressurreição são parte central dó evangelho, portanto, o anúncio levado às comunidades é conhecido por elas. O que se faz necessário é que a mensagem seja, sempre de novo, anunciada ao povo de Deus. A comunidade deve saber que o seu Salvador vive, está presente e atua na história. É verdade, não podemos ver a Jesus Cristo como as crianças e também muitos adultos desejam vê-lo, mas também hoje podemos ter o nosso encontro com ele, vê-lo com o coração e em espírito. No centro do encontro está Jesus Cristo. Isto é decisivo quando vamos testemunhar o nosso encontro. Geralmente Jesus Cristo é marginalizado e nós nos fazemos de importantes e o centro dos acontecimentos. E o nosso testemunho deixa de ser uma mensagem de Jesus Cristo para se tornar um relatório glorioso de nossa pessoa. A visão de João na ilha de Patmos é um bom exemplo do testemunho do encontro com Cristo. A atuação de João nada tem de empolgante, antes de sofrimento de um homem isolado. João está na via crucis de Jesus. Isto vale para nós também. Se quisermos ver Jesus, não devemos fugir da cruz. Fazê-lo, significa perder o encontro com Jesus. A preferência pela glória e o triunfo encobre a cruz, e o próprio Cristo nos ficará encoberto e não poderemos vê-lo com o coração e em espírito. O virar-se para Cristo nos permite vê-lo com o coração.

8. Recomendo que os vv. 17 e 18 formem a base da pregação. Os demais versículos fornecem a moldura do quadro que está no centro. João vê Cristo como Senhor do universo, o rei, o juiz, o sumo sacerdote. Ele o é não em um futuro distante e sim no presente, hoje e aqui. Não se trata do testemunho de uma visão como foi dada aos profetas do AT que estavam sob o ainda não. O novo tempo está aí. Ele está presente no cordeiro sacrificado, no Filho do homem que no Messias cumpriu a promessa e Deus. O cordeiro enaltecido já tem o livro na mão. Já é tempo de consumação. A mensagem do texto não é para o amanhã da comunidade, ela é contemporânea e atual, direta para a situação vivida. Ela quer fortalecer a fidelidade aqui e agora, no confronto com o sofrimento.

Nesta compreensão o Apocalipse também para mim deixou de ser um livro lacrado. E reconheço assim que o Apocalipse está carregado de viva esperança e que a mensagem da vida em Jesus Cristo, que nos v v. 17 e 18 se concentra a mensagem da teologia da cruz, da ressurreição, do Cristo salvador e senhor do mundo. Neles está a trajetória da vida de Jesus com a promessa de vida nova; está seu caminho de morte; seu estar vivo; sua majestade de rei e juiz; sua misericórdia de redentor e reconciliador; está sua posição de enaltecido que conquistou as chaves da morte e do inferno. O que foi morto, está vivo e dá vida ao mundo. A morte deixou de ser a última palavra. Jesus Cristo é a última palavra.

9. Cristo, o primeiro, isso me alerta para a minha realidade: Eu não estou no centro! Eu não ocupo o primeiro lugar! Eu não venho primeiro, antes de todo mundo! Esta maneira egoísta é derrubada. Eu e meus problemas não deixamos de ser importantes, mas não somos o mais importante. Jesus Cristo é o mais importante. E ele, presente e atuante em minha vida, me abre os olhos para-que o veja nos irmãos. Ver Jesus Cristo primeiro faz com que eu possa ver os irmãos. A afirmação: Eu sou o último é muito importante. Tudo tem fim; tudo é passageiro; tudo vai terminar e nada persiste, porém Jesus Cristo é o último. Ele permanece, quando tudo se quebra e as torres de Babel por nós construídas ruírem por terra Aí está a esperança para nós, para a comunidade toda. Jesus Cristo, o último, é a vitória sobre a exploração, a injustiça, o pecado e a morte. Jesus Cristo, o último, é a vitória da vida. O amor e a paz são, contra todas as perspectivas do mundo em convulsão, as dádivas de Cristo, o primeiro e o último.

IV - Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Venho à tua presença, meu Deus, com consciência pesada. Ações e omissões me acusam e me culpam diante de ti e dos irmãos. Deixei de confessar o teu nome, quando o silêncio me parecia vantajoso; apoderei-me de teu nome para me vangloriar; não atendi ao grito por socorro de irmãos; não atendi ao teu chamado para ajudar pessoas envolvidas pelo sofrimento.

Reconheço, Senhor, que causei o mal e que fui omisso no serviço em favor dos irmãos! Estou diante de ti como pobre homem pecador e, no reconhecimento da minha culpa, recorro à tua misericórdia e rogo-te: Perdoa-me, Senhor, os meus pecados e tem piedade de mim, Senhor, pela morte e ressurreição de Jesus Cristo, teu Filho amado e meu Salvador! Amém!

2. Oração de coleta: Jesus Cristo, eterno Senhor e Salvador do mundo, abre-me os olhos para que te veja com o coração e o meu olhar seja aberto para a comunhão com os irmãos. Tu sabes que me considero o mais importante e que» estou sempre em busca de meus interesses, vantagens e lucros. Peço-te, Senhor, quo me abras o espírito com o poder da tua Palavra e eu reconheça e assuma com humildade que não sou eu o mais importante e sim que tu és o primeiro e o último também em minha vida. Contigo está o poder. Tu tens as chaves da morte e do inferno. Tu és a salvação do mundo, a esperança da vida e a vitória sobre a morte. Louvado seja o teu santo nome! Amém!

3. Oração final: Senhor Jesus Cristo! No mundo estou com medo! O meu pecado, fruto do meu egoísmo, fez com que construísse barreiras em meu redor, visando a minha segurança. Com isto me separei de ti e da comunidade. Na separação me isolei e acomodei.

A tua palavra, porém, me atingiu e reconheço minha culpa; reconheço que me tornei pobre em comunhão, pobre em humildade, pobre em amor e com isto pobre no serviço em favor dos irmãos. Ajuda-me, meu Senhor e meu Deus, a derrubar as barreiras de separação para que eu possa com olhos claros ver os irmãos, seus problemas, seu sofrimento e angústia.

A tua presença, Senhor, me sustenta e fortalece. Tu me pões a caminho para a caminhada da vida. Quero andar contigo, permanece comigo, para a caminhada da comunhão. Nela estou com os doentes, com os injustiçados, com os oprimidos e com os enlutados. Juntos e tu conosco, Senhor, que és o primeiro e o último, somos confortados e fortalecidos na fidelidade e temos quem nos guia e orienta nas dificuldades que o caminho apresenta; quem nos segura pela mão nos tropeços da tentação, nos põe a mão debaixo da cabeça na hora de nossa morte e que nos chama na consumação dos tempos para a ressurreição para a vida eterna.

Nós iremos Senhor! Ajuda-nos em nossa fraqueza de fé e que permaneçamos em fidelidade contigo. Amém!

V - Bibliografia

- BEHM, J. Offenbarung des Johannes. In: Das Neue Testament Deutsch. Göttingen, 1969.
- HOLTZ, T. Meditação sobre Apocalipse 1.9-18. In: Calwer Predigthilfen. 2. ed. Stuttgart, 1978. v. 8.
- MERK, F. Meditação sobre Apocalipse 1.9-18. Göttinger Predigtmeditationen. Göttingen, 30(1) 1975.
- TRAUB, H. Meditação sobre Apocalipse 4.1-8. In: Hoeren und Fragen. 2. ed. Neukirchen-VIuyn, 1976. v. 4, tomo 2.


Autor(a): Augusto Ernesto Kunert
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: Último Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Apocalipse / Capitulo: 1 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 18
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1987 / Volume: 13
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17896
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