Gálatas 5.25-26; 6.1-3,7-10

Auxílio Homilético

11/09/1988

Prédica: Gálatas 5.25-26; 6.1-3,7-10
Autor: Ulrico Meyer
Data Litúrgica:16º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 11/09/1988
Proclamar Libertação - Volume XIII

l - Introdução: O motivo da carta

Salvação pela lei ou pela graça de Jesus Cristo? Esta é a questão teológica fundamental que o apóstolo Paulo aborda na sua Carta aos Gálatas. O apóstolo está em Éfeso, 6 ali vieram-lhe aos ouvidos más notícias sobre as comunidades cristãs da Galácia. O evangelho de Jesus Cristo estava correndo sério perigo entre os gálatas. Os cristãos estavam sendo ludibriados por falsos missionários de fora, os quais tinham uma posição do cristianismo judaizante. Exigiam do povo a circuncisão (5.2ss. e 6.12ss.). Diziam ser impossível alcançar a salvação sem a circuncisão, exigida pela lei mosaica. Conseguiram, assim, instalar a confusão entre os cristãos da Galácia. Além disso, exigiam das jovens comunidades que observassem determinados dias do calendário religioso (4.1-10). Esta observância de certas datas não só significava o retorno à religiosidade sob a lei, mas também o retorno aos deuses pagãos (4.8-10). E, o que era pior ainda, os falsos missionários, para obterem sucesso entre os gálatas, caluniavam Paulo. Afirmavam que ele não era apóstolo legitimado por Deus, que procurava o favor dos homens (1.10) e não baseava a sua pregação na revelação de Jesus Cristo (cap. 1-2).

Para defender e salvaguardar o evangelho entre os gálatas, o apóstolo Paulo precisa, em primeiro lugar, defender e reafirmar a sua autoridade apostólica. Inicia a carta apresentando-se como apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mc^os (1.1). E, para dar mais ênfase nisso, ele explica como chegou a ser apóstolo 1.13-24).

A Epístola aos Gálatas não é um tratado teológico sistematicamente estruturado. Trata-se de um esclarecimento de fé e vida cristãs para aquela crise específica entre os gálatas. O apóstolo sente-se responsável e quer defender aqueles cristãos contra uma falsa pregação. A questão é optar entre a lei e a liberdade, entre as obras da lei e a obediência pela fé. A lei escraviza. A fé liberta. A lei provém de homens. A fé é graça de Deus, por ela somos chamados à salvação e dela brota uma vida de amor. A fé se concretiza no amor ao próximo. E é o amor que limita a libertação cristã. Podemos dizer assim: A fé dá liberdade para amar e fazer o bem. A lei obriga e leva as pessoas à autojustificação por obras. Pela fé dependemos exclusivamente de Deus e tudo o que fazemos de bom pertenço a Dou:; o é glória sua. Pois dele recebemos o Espírito Santo e é ele que age através de nós. Pela lei, ao contrário, dependemos unicamente de nós mesmos e a glória é só nossa e é glória vã. A pessoa de fé está diante de Deus com as mãos completa-mente vazias e espera tudo dele. A pessoa sob a lei, porém, está diante de Deus com as mãos cheias de obras vãs, obras da carne, e nada espera dele. Para tal pessoa nada vale a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Ela não precisa de Jesus Cristo para salvar-se. As obras da lei substituem a obra salvífica de Jesus Cristo.

II - A perícope: Contexto e Delimitação

A nossa perícope está dentro de um contexto maior que trata da concretização da liberdade cristã (cap. 5-6). Westermann estrutura esta parte da seguinte forma:

5. 1-6: Cristo nos libertou para o amor
7-12: Novo apelo às comunidades
13-15: Liberdade para o amor
16-26: Obra da carne e fruto do Espírito
6. 1- 5: Um carregue a carga do outro
6-10: O que o homem semear também ceifará
11-18: Finalização da carta: de próprio punho (p. 235).

Quanto à delimitação, por que não incluir, em nossa perícope, também os vv. 4-6 do cap. 6? Por que deixá-los de lado? Existe uma justificativa para isso? Sim, existe, porque, na verdade, os vv.4-6 quebram a sequência lógica do v.3. Essa sequência vamos encontrar somente no v. 7. Este versículo traz a proibição do enganar-se a si mesmo do v. 3. Porque, se alguém julga ser alguma coisa, zomba de Deus e se coloca como um igual. Portanto, os versículos omitidos parecem estorvar a homogeneidade do texto. Trata-se de duas novas admoestações que não têm relação alguma com a anterior. Por conseguinte, também o v. 6 não tem sequência no v. 7. Há uma ruptura bem visível. Por outro lado, no entanto, os vv. 3 e 7 complementam-se perfeitamente.

Outra pergunta que se nos impõe é: Por que incluir na perícope os vv. 25 e 26 do cap. 5? Por que não começar simplesmente com 6.1 ss.? A justificativa para isso, ao meu ver, é de cunho teológico. Acontece que o v. 25 contém o evangelho, a graça. Só quando a nossa vida é invadida pelo Espírito de Cristo nos tomamos livres para realizar o que segue. Só o viver no Espírito nos torna aptos para o amor sem preconceitos e auto-afirmação. O v. 25 é o cerne, é a premissa. O que segue são admoestações, que podem tornar-se simples leis, se omitirmos a graça de Deus contida no v. 25. A pregação evangélica não funciona sem a graça de Deus, que vamos encontrar, embora resumida, somente neste versículo.

Portanto, aceitemos a perícope tal qual nos é sugerida, a saber: Gálatas 5.25-26; 6.1-3,7-10.

III - Analisando o texto

5.25: A partir da fé em Jesus Cristo, o cristão é nova criatura. A graça e o dom do Espírito de Cristo o tornam livre para o amor. A nova criatura criada por Cristo tem vida nova porque foi invadida pelo Espírito de Cristo. A velha criatura morreu na hora do batismo e nasceu uma nova. O presente de Deus no batismo é o seu Espírito. E somente a partir deste Espírito a pessoa consegue ser imitadora de Cristo. O Espírito de Cristo age através da pessoa e, por isso, somente aquele que se deixa invadir por Jesus Cristo, pela fé, consegue cumprir as exigências da lei do amor. A pessoa estará livre da carne, da preocupação consigo mesma e andará em Espírito, em conformidade com as admoestações que seguem. O termo que aqui foi traduzido como andar tem sua origem no âmbito militar. Seu sentido original é integrar-se, marchar em fila, alinhar-se. Podemos, então, dizer: O Espírito de Cristo faz com que a pessoa se alinhe, caminhando obedientemente segundo a vontade deste Espírito. A obediência é espontânea e automática, porque o que rege a pessoa não é mais o espírito da carne, mas o Espírito de Cristo.

Como já frisamos, este versículo é muito importante para a pregação. Ele é a premissa da mensagem. O pregador deverá dar bastante ênfase neste fato, caso contrário a prédica correrá o risco de tornar-se legalista. É preciso pregar o evangelho e não a lei. As diversas admoestações que seguem, deverão servir apenas para a concretização do viver no Espírito. É preciso dizer claramente que, se não nos deixarmos guiar pelo Espírito de Deus, nada adiantará nosso esforço próprio para cumprir leis. O Espírito de Deus traz consigo o amor. O amor liberta da lei escravizante. Não elimina a lei, mas complementa-a e a torna acessível. As pessoas que vivem em Espírito, a cumprirão livre, automática e espontaneamente. A lei não mais será uma carga insuportável. Ela lhe servirá apenas como orientação de vida.

Os gálatas, apesar de se apegarem à lei novamente, apesar de voltarem à velha vida sob a lei, diziam-se cristãos e enganavam-se a si mesmos na ilusão de viverem em Espírito. O apóstolo é veemente quando diz: Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito. Não existe outra possibilidade. Entre os gálatas, porém, tal não ocorria. Logo, eles não viviam segundo o Espírito. As admoestações, a seguir, nos indicam isso. O viver em Espírito tem, como consequência lógica, ó andar segundo o Espírito.

5.26: Aqui Paulo inicia as admoestações particulares, dando a entender que muita coisa não andava bem entre os gálatas. A vida em comunidade, na verdade, não correspondia àquilo que haviam assumido anteriormente. Eles haviam esquecido a graça da nova vida criada pelo Espírito de Cristo. A volta à religiosidade sob a lei os induzia à vanglória e a preconceitos com relação ao próximo. Os que melhor conseguiam cumprir a lei provavelmente olhavam os outros com olhar soberbo e os provocavam para que fizessem o mesmo. A provocação era sádica: Olhem para nós! Nós estamos conseguindo! Esforcem-se que vocês também chegam lá! A religiosidade sob a lei esquece a graça de Deus. Por isso gera a vaidade e o orgulho nos fortes e a inveja e constrangimento nos fracos. Porém, uma vida sob o Espírito de Cristo não dá lugar à vanglória, nem à inveja. Uma pessoa que realmente vive segundo o Espírito, também andará segundo o Espírito e sabe que a gloria pertence somente a Deus. Não existe mérito pessoal algum.

6.1: Os gálatas se haviam arrogado o título de espirituais. O apóstolo Pauto dirige-se a eles chamando-os, talvez ironicamente, de espirituais. Paulo parece dizer-lhes: Bem, irmãos, já que vocês são espirituais, então ponham isso em prática na comunidade! Vivam segundo o Espírito! Por exemplo, quando vocês surpreenderem alguém nalguma falta, não se postem diante dele como juízes ou algozes arrogantes, mas tratem-no com amor. Corrijam-no com espírito de mansidão. Antes de julgá-lo e condená-lo, lidem com ele com amor. Não o empurrem mais para baixo. Levantem-no, segundo o Espírito! Paulo está ciente de que a lei leva as pessoas a se julgarem e a se condenarem umas às outras. Mas a graça do Espírito, ao contrário, leva as pessoas à compreensão e ao perdão, e toda correção será feita com amor. Pois, mesmo aquele que vive segundo o Espírito corre o risco de cair em tentação. Neste tocante o apóstolo parece repetir, com outras palavras, aquele famoso dito de Jesus que encontramos em Mt 7.3 e Lc 6.41: Por que vês tu o argueiro no olho do teu irmão, porém, não reparas na trave que está no teu próprio?

6.2: Levai as cargas uns dos outros. Esta admoestação soa um tanto estranha, quando vista desta maneira: eu tenho a minha carga, tu tens a tua. Cada um de nós traz o seu fardo para dentro da comunidade. Até aqui, tudo bem. Mas agora que estamos juntos, que tal fazermos uma troca? Eu assumo a tua carga e tu assumes a minha. Nessa troca a tua carga torna-se minha também e a minha toma-se tua. Um ajuda o outro a carregar o peso. Entre irmãos, que vivem sob o mesmo Espírito, é assim mesmo. Um ajuda o outro a viver. Ao invés de dificultar ainda mais a vida do outro, facilita-a. A liberdade do amor leva as pessoas a suportarem o fardo do outro, aliviando-o de um peso, talvez, insuportável. Carregado a dois, qualquer peso torna-se, incomparavelmente, mais leve. O importante mesmo, na comunidade cristã, é a reciprocidade. Participar de uma comunidade não é somente querer descarregar o seu próprio peso, ou torná-lo mais leve, mas é também estar disposto a carregar o fardo do outro. Trata-se de um auxílio mútuo. Tal convivência somente o Espírito de Cristo nos possibilita. Na religiosidade sob a lei, pelo contrário, cada um terá que carregar sozinho o seu fardo. Cada um terá que se virar com as diferentes cláusulas da lei e estará sozinho na queda.

6.3 e 7a: Os gálatas julgavam-se espirituais, porque procuravam cumprir a lei. Pensavam, com isso, conquistar a simpatia de Deus. Enganavam-se a si mesmos com uma falsa piedade. Gloriavam-se com sua vida espiritual, quando continuavam vivendo sob a carne. O apóstolo os exorta para não se enganarem desse jeito, porque com Deus não se brinca, de Deus não se zomba. Eles menos-prezavam a graça de Deus. Não consideravam Deus tão grande assim, que não pudesse ser alcançado pelo esforço humano. Acreditavam que, por esforço próprio, eles podiam igualar-se à perfeição de Deus. A nova vida em Espírito, para eles, não era uma conquista de Deus, mas era mérito pessoal de cada um. Eis o engano: julgavam-se vivendo em Espírito, quando flagrantemente ainda viviam segundo a carne. Essa atitude é, em verdade, brincar com Deus, é zombar dele. É como dizer. Olha Deus, aqui estamos nós, cumprindo a tua vontade. Reparas como nós somos espirituais? Reparas também como nos esforçamos? Pelo nosso esforço, nós merecemos a vida eterna, não é?

6.7b-8: No versículo 7b, Paulo usa um provérbio conhecido da filosofia contemporânea. O que o homem semear isso também ceifará. O homem escolhe a semente, sabendo, já de antemão, o que vai colher. Se ele semear trigo, logicamente colherá trigo e não feijão. Paulo usou este provérbio lógico e vivencial para explicar.que a vida do homem dependerá da escolha que faz. Se ele escolher viver segundo a carne, certamente colherá os frutos da carne que, segundo ele, são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissenções, facções, invejas, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes (Gl 5.19-21).

O apóstolo dá um cunho cristão a este provérbio. Aquele que semeia para a carne colherá a corrupção. Pelo fato de a carne ser corruptível e passageira os frutos da carne também o são. Aquele, porém, que semeia para o Espírito colherá a vida eterna. Portanto, a colheita não depende da semente, mas do terreno em que ela cai. Não são as ações humanas que merecem uma recompensa, mas a vida eterna depende do solo do Espírito. O Espírito Santo é que faz as nossas obras amadurecerem para a colheita. A colheita não depende de nosso esforço em fazer uma boa semeadura, mas depende do Espírito de Cristo. A questão é deixar-se guiar por este Espírito.

6.9: Semear no Espírito resulta em praticar o bem. O Espírito é o solo que enobrece nossas obras. Somente a pessoa que se deixa guiar pelo Espírito de Cristo consegue realmente praticar o bem. Nesta prática do bem, o cristão facilmente pode se cansar e esmorecer, porque a carne se contrapõe ao Espírito, como satanás se contrapõe a Deus. A pessoa esmorece porque a carne não é satisfeita, pelo contrário, é sacrificada. Andar no Espírito significa renunciar a certas regalias e prazeres da carne. Significa negar-se a si mesmo e levar uma cruz. Significa até renunciar a recompensas. Pois a colheita virá a seu tempo. Os frutos do Espírito não são imediatos e o cristão pode se cansar de fazer o bem, porque não vê resultados. Por este motivo a admoestação do apóstolo se justifica: não nos cansemos de fazer o bem porque a colheita virá a seu tempo. Esta esperança nos ajuda a não esmorecermos.

6.10: Paulo finaliza a sua exortação com um apelo veemente. Enquanto tivermos oportunidade, façamos o bem a todos. Nenhum homem deve ser excluído do nosso amor. Façamos o bem a todos, mas principalmente aos da família da fé. Pela fé nós nos tornamos irmãos. Somos uma família. E é nesta família que deve ser exercitado o amor. É ali que estamos mais juntos, mais intimamente ligados uns aos outros. Se a prática do bem não acontece ali, então certamente não estamos vivendo em Espírito e a fé não passa de uma caricatura, uma ilusão, um engano. Temos o nosso tempo e temos nossas oportunidades. Aproveitemos esse tempo e essas oportunidades que Deus nos dá. Façamos o bem, guiados pelo Espírito de Cristo.

IV - Meditação

O poder do Espírito Santo é o poder que cria e mantém a comunidade. A comunidade cristã é formada por pessoas que foram invadidas pelo Espírito de Deus. No batismo, estas pessoas receberam esse dom. A partir deste dom de Deus, elas conseguem ser novas criaturas. O seu caminho será o caminho da fé e da obediência. E elas não precisam da lei para viver, pois viverão em amor. O amor não elimina a lei, mas transforma-a. O cristão a cumprirá livre, espontânea e automaticamente. A pessoa invadida pelo Espírito de Cristo é livre para amar e fazer o bem. Ela cumprirá a vontade de Deus mesmo sem a lei, porque sua vida é regida pela lei do amor. Por isso, onde pessoas batizadas se encontram e convivem, não deveria haver lugar para o desamor. Não deveria haver lugar para a inveja, o ciúme, o preconceito, a vaidade, o orgulho, o julgamento, a autojustificação, o desprezo, o egoísmo, o engano. Só deveria haver lugar para o amor e, consequentemente, para a convivência fraternal. Pois o Espírito Santo de Deus, recebido na hora do batismo, torna possível uma convivência amorosa e fraterna. Ele dá a força necessária para a obediência pela fé. A lei torna-se praticamente algo supérfluo e obsoleto, servindo apenas como orientação da vida devido às tentações da carne. A vivência cristã, portanto, só é possível para aquele que se deixa guiar pelo Espírito Santo de Deus.

Temos que reconhecer, no entanto, que estes são pensamentos utópicos para o nosso mundo que continua vivendo sob a carne. Jamais vamos encontrar uma pessoa ou uma comunidade tão perfeita. Vivemos na tensão entre carne e Espírito e, muitas vezes, a carne sobrepõe-se ao Espírito e a convivência torna-se desumana. Basta olharmos para as nossas famílias, as nossas comunidades, a nossa sociedade, o nosso país e o nosso mundo e vamos constatar muitas coisas que não correspondem a um viver segundo o Espírito. A partir do v. 25 podemos formular muitas admoestações, além daquelas que o apóstolo Paulo formulou. Podemos partir da pergunta: O que, em nossa convivência, não condiz com o Espírito de Cristo? O pregador deverá fazer uma análise da comunidade e sociedade em que vive. Na certa descobrirá muitas coisas que não correspondem ao verdadeiro Espírito cristão. Pode-se examinar o relacionamento humano em três níveis diferentes:

a) Na família: A não-violência em Espírito na família comprova-se por muitos aspectos negativos, como, por exemplo, conflito de gerações, brigas entre o casal, divórcio, infidelidade conjugal, tirania do homem sobre a mulher, falta de diálogo, falta de amor, desconfiança, ciúme, etc. A família se desintegra no momento em que Deus não mais faz parte dela. Somente o Espírito Santo de Deus pode conservar as pessoas numa verdadeira comunhão familiar.

b) Na comunidade: Nos últimos anos vêm se agravando os problemas e as dificuldades das comunidades cristãs. Parece que as pessoas desaprenderam a viver em comunhão. Não sabem mais compartilhar. Não querem mais repartir as coisas. A convivência tornou-se pesada. O nosso sistema capitalista as educa para o individualismo e lhes ensina o egoísmo. Neste sistema não há lugar para a partilha fraternal, nem para o amor. Ninguém precisa carregar o fardo do outro. Cada um tem que se virar com o seu. Azar é daquele que não suporta o seu. Sucumbe mesmo. Além disso nunca faltam os oportunistas, que se aproveitam de uma situação difícil de algum vivente. Ainda outro dia um cristão (se podemos chamá-lo assim) gabava-se: Hoje sim eu posso tomar algumas cervejas a mais! Fiz um negócio espetacular! Lembra daquela terra do Sr. Fulano, meu vizinho? Pois é, comprei aquela terra. Comprei-a pela metade do preço. Que negócio! Finalmente consegui esta terra! Há anos que estou querendo comprá-la. Juntando com a minha, dá uma boa lavoura. Mas tu vês como é que é. O azar de um é a sorte do outra. O meu vizinho se deu mal este ano. Ele estava 'enforcado' no banco e, por isso, ele teve que vender suas terras a um preço tão baixo, para saldar suas dívidas. Se não fosse isso, eu jamais teria conseguido aquela terra. Para finalizar a história, os amigos daquele oportunista, também cristãos, o aplaudiram efusivamente e beberam com ele.

Infelizmente, também os cristãos entraram nessa do capitalismo desenfreado e inescrupuloso. Os cristãos, influenciados pela propaganda inflamada deste sistema, desaprenderam a comunhão, o partir do pão e o carregar as cargas uns dos outros. Os cristãos esqueceram a verdadeira espiritualidade que se concretiza no amor ao próximo e na prática do bem. As comunidades cristãs ainda existem. Isso porque nós denominamos, com esse termo, aquele grupo de pessoas que paga a anuidade, que de vez em quando participa do culto, que é batizado e deixa balizar, que constrói igrejas, que promove festas para arrecadar dinheiro, que de vez em quando se reúne em assembleia para discutir problemas financeiros e eleger uma nova diretoria. Sim, nós chamamos de comunidade cristã este grupo de pessoas, que não sai de si, que só olha para si mesmo e pergunta: Como vou resolver os meus problemas? A comunidade de hoje parece ser essa associação de capitalistas interesseiros, que tem necessidade social de pertencer a uma igreja; que resmungam quando a contribuição é muito alta; que se incomodam quando uma festa não dá lucro; que falam da vida alheia; que querem o nome escrito com letras garrafais no vidro de alguma janela doada; que se orgulham por causa de uma igreja luxuosa; que expulsam o seu pastor quando este prega e age a favor dos necessitados e marginalizados; que brigam quando o desejo da confirmação de seus filhos não é satisfeito; que exigem isso e mais aquilo, simplesmente porque estão pagando a contribuição anual que, às vezes, é uma migalha daquilo que lucram durante o ano. Onde ficou o batismo? Onde está o Espírito de Cristo? Na verdade, se fizéssemos uma triagem rigorosa, com certeza o número de cristãos autênticos se reduziria sensivelmente. Não restaria muita gente para contar a história. Mas estes poucos são um fermento valioso. Eles têm a força do Espírito Santo que faz levedar a massa. O Espírito de Cristo ainda está presente em algumas pessoas e isso nos dá esperança. É a prova de que a espiritualidade não é, totalmente, utópica. Ainda há pessoas que vivem segundo o Espírito. Este fato nos dá certeza de que a Igreja de Jesus Cristo ainda não morreu e tem futuro, apesar dos pesares.

c) Na sociedade: Se na comunidade a espiritualidade anda mal, que dizer da sociedade? O nosso país é considerado um país cristão. Os nossos governantes denominam-se cristãos. O povo é muito religioso. Até mesmo as cédulas do cruzado ostentam uma mensagem cristã: Deus seja louvado! Na verdade, esta mensagem, escrita numa nota de cruzado, é hipócrita e profana. Ela jamais deveria constar nalguma coisa tão mal distribuída entre o povo como é o caso do dinheiro. Melhor seria escrevê-la nas latas de lixo, onde grande parte da população vai buscar seu alimento. Ou, então, ela deveria estar escrita em cada verme da esquistossomose, os quais alcançam a maioria do povo brasileiro.

Bem, somos considerados um país cristão, um povo religioso. Mas, onde está a espiritualidade de um país que deixa a maioria de seu povo sofrer as agruras da fome, do desabrigo, da doença, do abandono? Que tipo de cristianismo é esse, que deixa acontecer uma desigualdade tão gritante? Podemos chamar um país de cristão, quando alguns poucos podem morar em iates luxuosos e outros têm que morar debaixo de pontes, em favelas ou debaixo de lonas de plástico? Podemos chamar o nosso país de cristão, quando deixa crianças morrer de fome ou de frio? É, em nosso país, o poder da carne é forte. A ganância, a avidez, o egoísmo e a vaidade imperam. Qual é a única saída? Usemos a frase do Sarney: Louvado seja Deus que apesar de tudo, ainda sobrevive uma esperança. Cristo está vivo entre nós e o seu Espírito tem poder. Ele pode transformar, mudar e revolucionar a nossa sociedade. Que o seu Espírito possa guiar a todos nós e a todos aqueles que têm responsabilidade econômica, social e política em nosso país e no mundo. Uma sociedade justa e humana só é possível pelo Espírito de Cristo.

V - Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor Deus, misericordioso. Tu enviaste até nós o teu Filho Jesus Cristo para que ressuscitássemos para uma nova vida. Pelo seu Espírito podemos viver o amor e a prática do bem. Mas reconhecemos, Senhor, que nem sempre nos deixamos guiar pelo Espírito de Cristo. Seguidamente andamos por caminhos faltosos e não obedecemos à tua vontade, porque a carne se impõe com suas tentações. Não ajudamos o nosso próximo como deveríamos. Antes disso, dificultamos a sua vida, por causa de nosso egoísmo. Não o tratamos com amor e espírito de mansidão. Preferimos julgá-lo e condená-lo. Enfim, a nossa convivência está péssima. Na verdade, a nossa fé é muito fraca e não conseguimos viver segundo o teu Espírito. Senhor, aumenta-nos a fé e tem piedade de nós, Senhor. Amém.

2. Oração de coleta: Senhor Deus, estamos aqui reunidos sob o teu Espfrito para ouvir a tua palavra. A tua palavra consola, mas também admoesta. Ela absolve, mas também condena. Dá que a aceitamos como orientação para nossas vidas do dia-a-dia. Coloca em nossos corações o Espírito de Cristo para que possamos pôr em prática o amor e o bem. Ajuda-nos a andarmos o caminho da obe-diência. Dá que, pela fé, possamos cumprir a tua vontade. Amém.

3. Oração final: Agradecemos-te, Senhor, por tua palavra que, sempre de novo, nos chama a atenção para a realidade que nos cerca. Tu nos advertiste hoje novamente para que levemos uma vida orientada pelo teu Espírito; que, se fomos batizados, vivamos também de acordo; que, se pertencemos a uma igreja, sejamos também Igreja no convívio com outras pessoas; que concretizemos a nossa fé no amor ao próximo e na prática do bem. Senhor, a realidade que nos cerca é calamitosa. Ela mostra que não vivemos segundo o teu Espírito. Ela nos acusa de omissão e descomprometimento. Lá fora o irmão sofre e nós não o vemos, nem queremos vê-lo. O irmão erra e nós não o corrigimos, mas falamos mal dele. Ajuda-nos, Senhor, para que sejamos luz e sal da terra. Dá que andemos sob o teu Espírito. E, agora, permite que intercedamos pelos outros. Intercedemos, Senhor:

- pelo irmão que passa fome, porque não sabemos repartir o pão;

- pelo irmão que passa frio, porque o deixamos sem cobertor;

- pelo irmão que não tem onde morar;

- pelo irmão que sente falta de amor e carinho;

- pela criança abandonada;

- enfim, por todos aqueles que sofrem as injustiças deste mundo perverso, que não anda segundo o teu Espírito;

- pelas autoridades que dirigem este país para que tomem as suas decisões de acordo com a tua vontade;

- pelas comunidades cristãs para que, em seu meio, seja possível uma convivência mais fraterna e amorosa, que possamos carregar os fardos uns dos outros. Em nome de Jesus Cristo. Amém.

VI - Bibliografia

- BRANDT, H. O risco do espírito. São Leopoldo, 1977.
- DENKER, J. Meditação sobre Gálatas 5.25-26; 6.1-3 e 7.10. In: KIRST, coord. Proclamar Libertação, São Leopoldo, 1981. v. 7.
- SCHNEIDER, G. A epístola aos Gálatas. In: Coleção Novo Testamento. Petrópolis, 1967, v. 9.


Autor(a): Ulrico Meyer
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 16º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Gálatas / Capitulo: 5 / Versículo Inicial: 25 / Versículo Final: 26
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1987 / Volume: 13
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 17908
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