João 9.35-41

Auxílio Homilético

25/09/1983

Prédica: João 9.35-41
Autor: Arnoldo Maedche
Data Litúrgica: 17º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 25/09/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII


I — Desafio pastoral

O texto dá ocasião à reflexão tão necessária sobre a passividade de nossas comunidades diante de sua responsabilidade social. A transição histórica de uma Igreja de imigrantes para uma Igreja de cristãos brasileiros ainda se processa. Em algumas comunidades, talvez, nem se iniciou. O esforço pastoral, pois, para integrar a vida brasileira no culto e na ação cristã — vencendo o tradicionalismo vazio, a rotina escravizante e a acomodação calada e cúmplice — tem levado muitos ao conflito aberto, ao sofrimento físico e à frustração.

Vejo nessa busca de integração e participação uma resposta sincera de fé e coerência evangélica. A História e o Evangelho reclamam esta participação. Onde estaria a lógica de nossas dificuldades? Creio firmemente que está muito mais dentro de nós do que nos outros. Colhemos hoje, dentro de nós, os frutos de uma educação depositária e não-participativa. Sim, foi-nos depositado um sistema educativo de dominação, que permite apenas dois espaços lógicos e simplistas: obedecer e/ou mandar! Quando crianças, deveríamos, na família e escola, simplesmente obedecer; e, um dia, no futuro, quando já adultos, deveríamos de fato mandar. Do sistema familiar e escolar (será que a Igreja pode ser posta fora disso?) à sociedade civil, o passo não é grande. A consequência dessa educação é que nossos irmãos de fé (bons filhos de imigrantes alemães e excelentes produtores de riquezas) sentem as amarras de uma dominação interior, que os neutraliza para uma ação transformadora e responsável da sociedade. E, posso dizer, não boto muita meta nessa ação transformadora, mesmo na vida interna da Igreja.

Chegamos agora, no estágio brasileiro de desenvolvimento, a uma sociedade urbana de grande aceleramento industrial e comercial, que exige dos cidadãos para sobrevivência muito jogo de cintura”, agilidade profissional, capacidade de aglutinação, luta sindical por direitos já previstos em lei, conquistas sociais elementares de qualidade de vida, etc. Ai vem o impasse: estamos diante da necessidade urgente de uma pastoral de solidariedade e participação, mais coletiva do que individual, mas com pessoas amarradas e domesticadas em seu modo de ser e agir. Como romper, baseado no Evangelho estimulante, essa bagagem de repressão e escravidão? Como chegar à libertação que põe o crente na rua da vida?

II — O texto

Nosso texto traz a parte final de uma história cheia de lances no estilo das curas sinóticas (v.6: 'Cuspiu na terra e, tendo feito lodo com a saliva, aplicou aos olhos do cego...). Por isso, é importante ler e estudar todo o cap. 9. Os títulos da versão de Almeida fornecem o andamento da ação 1. a cura de um cego de nascença (vv. 1-12); 2. os fariseus interrogam o cego (w. 13-34) e 3. Jesus revela-se ao cego (vv. 35-41). Poderíamos resumir em três atos: cura, resistência e discipulado. Exegetas chamam a atenção para o v.22: Isto disseram seus pais, porque estavam com medo dos judeus; pois estes já haviam assentado que, se alguém confessasse ser Jesus o Cristo, fosse expulso da sinagoga. O texto, pois, espelha a resistência da sinagoga ortodoxa diante da comunidade cristã que estava se organizando. Nesse sentido, devemos interpretar este texto como a abordagem de um problema atual, remetido ao passado de Jesus, quando da cura de um cego.

Para nossa atualidade e nossa necessidade pastoral, o texto libera dois grandes resultados: da cura física ao discipulado! Da salvação graciosa de Cristo ao Reino de Deus. Da dádiva ao compromisso. Da fé para as boas obras. Esse fluxo evangélico transparece (olhos abertos!) no reconhecimento do cego quanto à pessoa de Cristo: 1. um profeta: Que dizes tu a respeito dele, visto que te abriu os olhos? Que ë um profeta, respondeu ele. (v. 17); 2. uma pessoa única e excepcional: Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. (v.32); 3. Filho do Homem: Crês tu no Filho do Homem? (v.35), e a resposta vem no v.38: Creio, Senhor! Todo esse lance de reconhecimento, de crescimento interno de fé, culmina com o ato decisivo: a adoração! Ele estava diante de Deus! Assim também diz o texto no v.3: ...mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus.

Da mesma forma corre paralelamente, no texto, a resistência e o repúdio dos fariseus. Eles representam a tradição mosaica virada em leis, em costumes e em direitos adquiridos pelo sistema de dominação. Essa TFP não pode, nem quer reconhecer que precisa de Cristo, isto é, de Deus mesmo. Os sãos não precisam de médico, e, sim, os doentes. Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento. (Lc 5.31 e 32) Essa cegueira dos fariseus aparece no texto, nos vv.24 e 28, quando dizem: nós sabemos... e nós somos,.. São afirmações apodíticas, que não permitem a participação em novas realidades que Deus está trazendo. Agem como donos da verdade única e exclusiva, onde poucos comandam e muitos devem apenas obedecer. Um sistema fechado, que não permite a participação democrática. Voltando ao texto, chega-se então ao paradoxo da resistência. Diante da evidência da cura, é típico o v.34: Tu és nascido todo em pecado, e nos ensinas a nós? E o expulsaram. Na sociedade dominadora não é permitido que o povo possa ensinar qual seja o curso da história tomada por Deus. Por isso, surge a desclassificação e a marginalização. E, no ato supremo de tirania: a expulsão! Já tivemos em nossa recente história de totalitarismo o lema: Brasil, ame-o ou deixe-o!

Temos, portanto, dois lances claros que trazem culminâncias: a fé que cresce da individualidade (cura do cego) ao discipulado coletivo; 9 o juízo para os que se adonarn da verdade (cf. o v.41: ...Subsiste o vosso pecado!). Essa técnica narrativa, cheia de plasticidade, que envolve três personagens marcantes (Jesus - cego e fariseus), mostra sobretudo as consequências da vinda de Jesus Cristo para a comunidade cristã. Para uns, abre e, para outros, fecha ainda mais. Cristo traz a crise que leva à condenação ou a uma nova oportunidade de vida. O doente, o marginal e o desclassificado podem romper a camisa de força da sociedade humana, através do ato de salvação que Deus manifesta em suas obras, em todos os tempos e em todos os lugares. Essa ação e esse sinal não se destinam apenas a pessoas, a indivíduos. Eu vim a este mundo... (v. 39). isto é, ele veio para todos. A evangelização só e, pois, responsável, quando considerar a participação de todos na nova e alegre oportunidade de vida revelada em Cristo. A cegueira diante dessa visão ampla deve ser entendida no seu sentido mais largo — há os tolhidos pela cegueira física e os tolhidos pela cegueira pecaminosa. Esses últimos são justamente os culpados, diz Jesus no v.41. A pastoral da solidariedade deve contar com essas situações e ver a resistência e o repúdio a Cristo e seu Reino, como uma caminhada sob a cruz.

III — A prédica

Acho de suma importância darmos ao ouvinte o contexto em palavras próprias. Para situar melhor: não devemos esquecer os vv. 1-7 (a cura) e o conflito com os fariseus nos vv.24 e 25; depois disso, passar para a leitura direta, iniciando já a partir do v.32. Vejo aí um resumo básico do cap. 9.

Um bom gancho para inicio seria o v.3: Jesus é o sinal das obras de Deus! Na pastoral do atendimento e na cura d'almas, cada pregador terá muitos sinais de pessoas que abriram seus olhos para ver a realidade da vida. Recentemente uma senhora me disse: Meu sofrimento continua, pastor. Meu marido continua a beber e gastar o dinheiro que já é pouco. Mas tenho aprendido com outras mulheres aqui do grupo como usar o pouco para sobreviver. Até tem sobrado para ajudar em nossa obra de construção no bairro. Tenho esperança de que aqui dentro muitos vão encontrar o caminho de uma nova vida. Esta mulher enxergou a importância de os crentes se organizarem e serem instrumentos para muitas curas de pessoas cegas que, supostamente, têm olhos abertos. Muitos exemplos podem se trazidos aqui pelos pregadores que usarão essas perícope. É importante que deixemos o texto falar àqueles que querem apenas ouvir o Evangelho, sem se integrar na luta de Jesus por todos os homens. Ai está o chamamento para ser responsável na sociedade. Uma afirmação básica poderia ser aqui trazida: fomos educados para obedecer; quando adultos fomos ensinados a mandar; hoje, porém, o mundo precisa participar! Pais e filhos devem participar das decisões familiares. Povo e governo devem participar na escolha das prioridades econômicas e sociais. Onde isso não é possível, existe a repressão e a discórdia.

A conexão com o texto poderia ser dada assim: a) A cura pessoal é o ato de salvação de Cristo por nós. A Santa Ceia, o Batismo, a li¬turgia, os textos afirmativos do Evangelho estão faiando disso a cada culto, b) O discipulado é a participação no grande grupo de discípulos de Jesus. Eles levam adiante, no mundo, a fé no Reino de Deus, onde rege o amor e a justiça. No discipulado, pois, está o chamamento da comunidade a superar sua passividade e submissão. Aqui podemos entrar com exemplos e sinais da organização do povo diante da autoridade apodítica e não-democrática de nosso tempo. Estou escrevendo esse comentário em março de 82, e aqui no Sul do pais este sinal foi claro no posicionamento que comunidades tiveram diante dos sem-terra de Encruzilhada Natalino. Mas, em 1983, quais são os sinais transparentes da obra de Deus em favor do Reino?

Para finalizar, o v.25 diz muito: Uma coisa sei: Eu era cego, e agora vejo. Com isso, levamos adiante o ouvinte na sua fé em Cristo, para que ele medite e assuma o fato de já ter um compromisso com Cristo no Batismo, na Santa Ceia, na celebração litúrgica e na comunhão da Palavra. Que está faltando? Para onde ir? Como começar?

Um possível esquema para a prédica:

1. O contexto no cap. 9

2. V.3 Jesus, a obra de Deus

3. Exemplos de libertação na cura d'almas

4. Afirmativa de nossa educação depositária e de subserviência

5. Os desafios de hoje na família e sociedade

6. Os sinais de Deus em 83 — o discipulado nos leva até eles

7 V.25 Eu era cego, e agora vejo. Que fazer? Como? Quando?

IV — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Diante de ti, ó Deus, confesso minha cegueira particular e social. Reconheço que sou limitado pelo pecado que me escraviza e me separa dos outros. Ajo como dominador e não como irmão. Não procuro os teus sinais. De fato, desprezo-os! Mesmo assim, aqui estou, ó Deus, com minha confissão de culpa. Cura-me da cegueira! Cegueira, não só dos meus olhos, mas da mente e da razão. Abre meu ser para uma nova vida. Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Tua santa Palavra vai ser lida, ó Senhor! Dá-nos ouvidos de fé., Dá-nos boa vontade para aceitar. Dá-nos sabedoria para aprender. Pedimos isso, todos nós que aqui chegamos para te louvar. Amem.

3. Assuntos para a oração final: que esse culto tenha sido para o aprofundamento da fé; que a comunidade possa enxergar a ação de Deus na atualidade que cada participante do culto supere as amarras internas de sua educação; que a diretoria e membros possam participar e organizar atos de solidariedade em favor de um mundo melhor para todos, especialmente os mais traços, que não esqueçamos as pequenas ações em favor dos doentes, enlutados e envelhecidos, em sua marginalização; que Deus transforme nossa Igreja num instrumento vivo do seu Reino; que todos que aqui chegaram, neste culto, possam sair com mais forças e mais animados para serem discípulos de Jesus Cristo.

V — Bibliografia

FRÖR, K. Meditação sobre João 9.1-7, 13-17, 32-39. Göttinger Predigtmeditationen, Göttingen 58(8), 1969.


Autor(a): Arnoldo Mädche
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 18º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 9 / Versículo Inicial: 35 / Versículo Final: 41
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18226
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