João 15.9-17

Auxílio Homilético

23/10/1983

Prédica: João 15.9-17
Autor: Edmundo Grübber
Data Litúrgica: 21º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 23/10/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII


I — Introdução

Desde as perícopes de Eisenach, de 1896 (Wenschkewitz), este texto sempre esteve previsto para o segundo dia de Pentecostes. Agora, foi transferido e é sugerido para o 21 ° Domingo após Trindade. Desconheço os motivos dessa alteração, mas talvez seja o fato de ele não referir-se expressamente ao Espírito Santo e sua ação.

Quanto à delimitação, optei pela inclusão dos vv. 13-17, pois não alteram o conteúdo. Apesar de o v.11 aparentemente sugerir uma divisão, penso que os vv. 13-17 reforçam a tese dos versículos anteriores e formam um conjunto de pensamento.

O texto de nossa perícope deve ser visto em seu contexto maior. Mesmo que o v.31 do capítulo anterior tenha dado a entender que a hora da partida, a hora da separação entre Jesus e seus discípulos havia chegado (levantai-vos, vamo-nos daqui, v.31), o cap. 15 traz uma nova sequência de palavras de despedida. Enquanto a primeira sequência (Jo 13.31 -14.31) procura, através de palavras e promessas conformadoras, preparar os discípulos para que possam enfrentar, resistir e superar a separação iminente, a segunda (Jo 15.1 -16.33) enfatiza o relacionamento entre Cristo e seus discípulos, e as consequências deste.

Procurando localizar o texto de Jo 15.9-17 em seu contexto maior, teríamos o seguinte esquema:

15.1 - 8: Na figura da videira e os ramos evidencia-se o íntimo relacionamento que há e deve haver entre Cristo e seus discípulos.

15.9 -17: O discipulado se concretiza no permanecei no meu amor e no cumprimento do mandamento que vos ameis uns aos outros.

15.18 - 16.4: A autenticidade do discipulado comprova-se no ódio que o mundo tem aos discípulos.

16.5 -15: Na luta contra o mundo e seus valores, o Espirito Santo confere auxilio e segurança aos discípulos.

16.16 - 33: A promessa da presença do Senhor que vence o mundo.

II — O texto

Jo 15.9-17 repete, em si, o tema dos vv. 1-8, alterando apenas o permanecei em mim(v.4) para permanecei em meu amor(v.9). O fruto (v.5) a ser produzido poderia ser identificado ou descrito aqui com ... que vos ameis uns aos outros(vv. 12 e 17).

O texto descreve o relacionamento entre Jesus e seus discípulos que è, em analogia, o relacionamento existente entre Deus e seu Filho Jesus Cristo. Assim como Deus, o Pai, ama seu Filho, este ama seus discípulos (v.9).O princípio, a fonte, o impulso deste amor é Deus, tanto na sua relação com o Filho (cf. Jo 3.35; 5.20; 17. 24,26; 1 Jo 4.7 e outros), quanto na relação deste com seus discípulos. O texto registra este aspecto com as afirmações de Jesus: Vós sois meus amigos (v. 14) e Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros... (v. 16). Ele, Jesus, escolheu e fez os discípulos seus amigos — não, vice-versa.

A condição para esta situação, este relacionamento Deus — Jesus — discípulos, permaneça é o cumprimento dos respectivos mandamentos (vv. 10 e 14). Deus ama Jesus — Jesus ama os discípulos e estes permanecem no amor que Jesus lhes tem, quando cumprem os seus mandamentos. Também Jesus guarda(v.10) os mandamentos de Deus e, em consequência, permanece no amor que Deus lhe tem. (traduzido de Fendt) O mandamento que Jesus cumpre para, em consequência, permanecer no amor de Deus é: aceitar e dispor-se a sacrificar a sua própria vida em favor da humanidade (cf. Jo 1.29; 3.14; 3.16; 10.17; 12.23-28), com todas as suas implicações. (Strathmann)

Em analogia, vale a mesma cousa para os discípulos. Permanecerão no amor de Jesus, cumprindo os seus mandamentos, os quais, em última análise, se resumem num só, a saber:

...que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei (cf. também v. 13).
A finalidade, o objetivo do permanecer no amor de Jesus é, sem dúvida, o dar fruto, a exemplo dos ramos que permanecem na videira (cf. Jo 15.4-5).

Como foi dito na introdução, o v. 11 dá a entender que a linha de pensamentos desenvolvida está chegando ao seu final. Mas, com o v.13, o tema é retomado e exemplificado no termo amizade.

Os pensamentos até aqui desenrolados — e principalmente o v.14, com a sua afirmação categórica: Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando — dão a impressão de que Jesus e, por extensão, Deus estariam agindo de maneira autoritária, fazendo depender sua amizade e o permanecer em seu amor do cumprimento cego de suas ordens. Se fazeis o que eu mando... então sois meus amigos...!

A fim de clarear esta questão e dirimir dúvidas a respeito, Jesus mostra, no v.15, a diferença que há entre amigo e escravo (Almeida traduz DOULOS por servo. Creio que a Bíblia na Linguagem de Hoje, que traduz o termo por escravo, acerta melhor o sentido do pensamento). O escravo, diz Jesus, desconhece a vontade, o objetivo e o alvo do seu amo. Mas ele, como amigo dos discípulos (amigo por iniciativa própria, não por iniciativa dos discípulos, v. 16), revelou-lhes tudo o que sabe do Pai (v.15). Enquanto o escravo é obrigado a obedecer, quer queira quer não, sem saber a razão e a finalidade da ordem de seu senhor, os discípulos, movidos pelo amor, pela amizade que Jesus, o seu Senhor, lhes tem e conhecendo o alvo, cumprirão livremente e com alegria a vontade de seu Senhor. Os discípulos, preenchidos com o amor que Jesus lhes tem, farão a vontade de seu Senhor, isto é, amar-se-ão uns aos outros. Assim como é desnecessário ordenar ao ramo que dê fruto ou ao sol que brilhe, pois estas são suas funções e qualidades, os discípulos cumprirão a vontade de Jesus, pois estas são as suas qualidades inerentes, (traduzido de Frick).

O amor, a amizade que Jesus oferece aos seus é, simultaneamente, dádiva e compromisso, incumbência: ...que vos ameis uns aos outros. Deus ama Jesus, Jesus ama os discípulos e estes, os outros. A finalidade do ramo na videira é dar fruto. A finalidade do permanecer no amor e na amizade que Jesus tem pelos seus, é dar fruto que permanece(v.16).

Dar fruto não é sinónimo de sucesso na vida! Dar fruto pode implicar sofrimento. Através do discípulo que permanece no amor, na amizade que Jesus lhe oferece, Deus, o Pai, realiza uma obra abençoada no mundo. Para o discípulo, porém, isso pode significar sofrimento, a exemplo do ramo que traz fruto e é limpado, para que produza mais fruto ainda (Jo 15.2).

III — Meditação

Neste nosso texto, toda a obra salvífica de Deus em favor da humanidade é resumida e descrita com uma única palavra: amor.

Jesus Cristo é o canal que Deus usa para fazer chegar seu amor até nós. Como o Pai me amou, também eu vos amei.(v.9) E nós somos seus escolhidos para servir de canal, pelo qual o amor de Jesus e, por extensão, de Deus, deve chegar ao outro, ao próximo. O mandamento é este, que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. (vv.12 e 17; e também 13.34)

Aliás, o amor de Deus é o fio vermelho que perpassa as Sagradas Escrituras, desde a primeira até a última página. Toda a Bíblia nada mais é do que o testemunho do amor de Deus com a humanidade. As primeiras páginas que nos relatam a criação do mundo e tudo o que nele existe, é um ato de amor de Deus. A terra, que era sem forma e vazia(Gn 1.2), recebeu, pela Palavra de Deus, forma e beleza. E, no final, viu Deus que tudo era muito bom(Gn 1.31).

Apesar das constantes rebeldias do homem (desde o principio de sua existência, Gn 3) contra Deus, este sempre lhe ofereceu e oferece novas chances. Constantemente o procura e o chama, indo ao seu encontro. As advertências, as ameaças e as orientações insistentes que Deus deu ao seu povo escolhido através dos profetas, nada mais são do que manifestações do amor de Deus.

O máximo, o auge de seu amor pela humanidade, Deus o manifesta na pessoa de Jesus, seu Filho, sacrificando-o (v.13) em favor dos homens. Nisto se manifestou o amor de Deus em nós (ou: por nós), em haver Deus enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por meio dele. (1 Jo 4.9; cf. também Jo 3.14, 16 e 1 Jo 3.1). Enquanto antes o amor de Deus tinha como destinatário um determinado povo, por ele livre e soberanamente escolhido, o povo de Israel, agora, com a morte e ressurreição de Jesus Cristo, este amor se tornou universal. Destina-se a todos os povos, a todas as raças. Destina-se também a nós!

A prova mais palpável, mais concreta de que este amor de Deus também se destina a nós, é o nosso Batismo. Através dele, Deus nos diz: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. (Is 43.1 b) Como outrora, também agora a iniciativa para nos oferecer o seu amor, a iniciativa para nos escolher, partiu de Deus.

Por um lado, temos a liberdade de nos fechar ao amor, de não aceitá-lo; por outro lado, porém, não temos, a liberdade ou possibilidade de, a partir de uma decisão pessoal nossa, tornar-nos amigos ou discípulos de Cristo. (Voigt) Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros. (v. 16. 1 Jo 4.10). Ou, como diz Lutero na explicação ao 3° Artigo do Credo Apostólico: Creio que por minha própria razão ou força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele...

Deus agora quer que este seu amor - amor de entrega total em favor do outro, amor que, segundo 1 Co 13.5ss não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta — seja vivenciado, seja divulgado e levado a outros (vv.12 e 17). Para que isso possa acontecer de acordo com a sua vontade, é preciso que permaneçamos em seu amor (v.9). Sem essa íntima e concreta ligação com ele, a fonte do amor, não o conseguiremos, tal qual o ramo não pode produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira (v.4 e 5).

Como o Pai me amou, também eu vos amei; permanecei no meu amor.(v.9) Para evitar uma interpretação errónea, deve ser dito que este permanecer no amor que Cristo e, por extensão, que Deus nos tem, não significa apenas edificação própria e intima através da leitura regular da Bíblia e da prática de orações, mas concretiza-se no dar fruto, no cumprimento dos mandamentos, da vontade de Cristo, que, em última análise, é uma só: a prática do amor ao outro, do qual posso ser o próximo.

Também o termo que ameis uns aos outros não deve ser entendido como uma limitação do amor. Não deve ser entendido como se ele apenas devesse ser praticado entre os da família da fé (Gl 6,10). Mas, os que praticam o amor entre irmãos se exercitam e provam se realmente estão a serviço do Cristo e se estão habilitados a amar os carentes de auxilio (Fliedner). Com outras palavras: o amor praticado entre irmãos de fé nos capacita e nos credencia para o amor extra muros.

O permanecer no amor de Cristo e o dar fruto, o amai-vos uns aos outros, são inseparáveis. Pensar que seria possível permanecer em Cristo (v.4), no amor de Cristo (v.9) sem produzir fruto, sem amar o outro, é terrível engano. Como é engano também pensar que seria possível amar o próximo como Cristo nos amou e ama, sem permanecer em seu amor.

Diante desse amor que Deus nos tem revelado através da vida, morte e ressurreição de seu Filho, Jesus Cristo, qual é a nossa resposta?

Hoje, mais do que nunca, somos abordados — exatamente porque nos chamamos cristãos, e em face à grandes dificuldades que assolam o mundo e seus habitantes — com a pergunta: Onde está este Deus que diz amar a humanidade? Se ele ama, como diz, a humanidade, por que permite tanta injustiça, fome, miséria, guerra e destruição? A esta pergunta o texto procura responder. Deus quer que o seu amor seja manifestado, vivenciado por nós, exatamente lá onde há falta de amor. ... eu vos escolhi..., e vos designei para que vades e deis frutos...(v.16) No cumprimento dessa missão nem sempre haverá sucesso. Antes, haverá sofrimento. Mas Jesus Cristo, através do qual Deus manifestou o seu amor universal, nos escolheu para levar este seu amor a outros por palavras, mas também, e principalmente, por ações bem concretas e coerentes com as palavras, pois:

Cristo não tem mãos, só nossas mãos, para fazer seu trabalho hoje. Cristo não tem pés, só nossos pés, para guiar pessoas em seu caminho.

Cristo não tem lábios, só nossos lábios, para falar às pessoas de hoje. Cristo não tem meios, só a nossa ajuda, para levar pessoas a si. Nós somos a única Bíblia, que as pessoas ainda lêem! Nós somos a última mensagem de Deus escrita em palavras e ações.
(Anne Johnson Flint)

Um desafio enorme. Um desafio gigantesco que nos assusta. Um desafio grande demais para as nossas parcas forças. Coloquemos, no entanto, sinais de amor. Todo o sinal de amor que colocamos no mundo, por menor que seja, é um sinal de esperança. Esperança no Reino de Deus que Cristo, em tempo oportuno, manifestará em sua plenitude.

Observação: Recomendo ainda a leitura do trabalho do P. H.A. Trein, mencionado na bibliografia.

IV — Sugestão para a prédica

Na meditação os passos para a prédica estão indicados. Tema geral: Deus é amor.

1. Deus é amor na história da humanidade.

2. O auge do amor de Deus é manifesto no sacrifício de seu próprio Filho em favor da humanidade.

3. Diante do amor que Deus nos revelou e nos oferece, qual é a nossa resposta?

V — Subsídios litúrgicos

1. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus e Pai. Desde criança ouvimos e também já experimentamos em nossas vidas que tu nos amas. Ouvimos que, por amor a nós, até mesmo fizeste sofrer, morrer e ressuscitar o teu único Filho, e que desejas que nós levemos esse teu amor às pessoas que nos cercam, às que têm carência de amor, de apoio e de auxílio. Confessamos-te, porém. Senhor, que falhamos nessa missão. Não temos tido força, nem coragem suficientes para amar devidamente os da própria casa, os nossos familiares, muito menos os outros. Sabendo, no entanto, que tu és Deus misericordioso, pedimos-te: queiras perdoar-nos e dar-nos uma nova chance e principalmente a força para sermos testemunhas mais autênticas deste teu amor. Arrependidos e com toda a humildade, clamamos em nome daquele que por nós sofreu, morreu e ressuscitou: Tem piedade de nós, Senhor!

2. Oração de coleta: Senhor Jesus Cristo. Pedimos-te queiras conceder que nossos ouvidos e corações estejam abertos para a tua Palavra que agora queremos ouvir. Dá que a tua Palavra encontre solo fértil em nós e que nos preencha de alegria e da certeza de tua presença entre nós agora e no dia a dia de nossa vida. Amém.

3. Assuntos para a oração final: Agradecimento a Deus pela graça da comunicação e expressão de seu amor através da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, seu Filho. Agradecimento a Deus pelo fato de nos ter escolhido e de querer usar-nos como seus instrumentos na edificação de seu Reino. Suplica: que habilite a nós e toda a sua Igreja no mundo, para que o seu amor seja propagado e vivenciado. Intercessão por todos aqueles que sofrem por causa da falta de amor; por todos aqueles que são perseguidos, maltratados e mortos por causa do racismo, por causa de ideologias, interesses, sistemas e outras opressões e atitudes de desamor. Pedido para que Deus nos dê coragem e força para denunciarmos e lutarmos contra todas as injustiças e para colocarmo-nos ao lado do outro, como resposta ao amor com que Jesus Cristo nos ama. Intercessão pelos doentes, solitários, preocupados, enlutados, pelas crianças e pelos idosos, enfim por todos que sofrem marginalização.

VI — Bibliografia

- AYLE. J.C. Comentário expositivo do Evangelho Segundo João. São Paulo, 1957.
- FENDT, L. Die Neuen Perikopen. In: Handbuch zum Neuen Testament.Vol. 23. Tübingen. 1941.
- FRICK, R. Das Johannesevangelium in Bibelstunden. Göttingen, 1957.
- LÜTHI, W. Johannes, das Vierte Evangelium. Basel, 1958.
- SCHÜTZ, W. Das Johannes Evangelium. In: Bibelhilfe für die Gemeinde.Leipzig, 1936.
- SIEGEL, G. Gespräche um das Johannesevangelium. Metzingen/Württ., 1954.
- STRATHMANN, H. Das Evangelium nach Johannes. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 4. Göttingen, 1951.
- TREIN, H.A. Meditação sobre 1 João 4.7-16. In: Proclamar Libertação. Vol. 5. São Leopoldo, 1979.
- VOIGT, G. Meditação sobre João 15.9-17. in: Die grosse Ernte. Göttingen, 1976.
- WENSCHKEWITZ, H. Meditação sobre João 15.9-17. Homiletische Monatshefte, Göttingen, 52(7), 1977.


 


Autor(a): Edmundo Grübber
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 22º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 9 / Versículo Final: 17
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: 8
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18229
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