Mateus 3.13-17

Auxílio homilético

13/01/2008

Prédica: Mateus 3.13-17
Leituras: Isaías 42.1-9 e Atos 10.34-43
Autor: Ari Knebelkamp
Data Litúrgica: 1º. Domingo após Epifania
Data da Pregação: 13/01/2008
Proclamar Libertação - Volume: XXXII

1. Introdução

Na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) procura-se hoje achar caminhos para desenvolver uma ação pastoral integral e edificar as comunidades a partir do Batismo. Afinal, o Batismo é a origem da comunidade cristã e é meio da graça livre e poderosa de Deus. Liturgias batismais estão sendo moldadas para que sejam consistentes e considerem as descobertas no campo da ciência litúrgica. Isso é bom. Para a prática batismal das primeiras comunidades cristãs era importante o fato de que o próprio Jesus se submeteu ao batismo de João e afirmou, com isso, cumprir toda a justiça (Mt 3.15). Também foi importante que Jesus concordou que seus discípulos batizassem (Jo 4.2) e que Jesus igualou seu batismo à sua morte (Mc 10.38; Lc 12.50).
Caso alguém queira enveredar pelo caminho temático do Batismo, sugiro que analise com cuidado também os seguintes textos e temas: At 2.38 – o perdão dos pecados; Cl 2.12,20; Rm 6.3-5 – a união com Cristo; Mt 3.16; At 2.38; 19.1-7 – a recepção do Espírito Santo; 1 Cor 12.13 – a incorporação à igreja, que é o corpo de Cristo; Tt 3.5; Jo 3.5 – o renascimento. Com essa exegese pretendo abrir outras possibilidades de pregação sobre o texto de Mateus 3.13-17.

O Evangelho de Mateus foi escrito em torno do ano 85 da era cristã numa comunidade situada ao norte da Galiléia e Síria e bastante mista: tinha judeu-cristãos, provavelmente judeus observantes da Lei, judeus helenistas não-apegados à Lei e ao Templo e não-judeus. João e Jesus fazem parte de um mesmo movimento profético. O batismo de Jesus por João Batista é um fato inconteste na tradição sinótica. Desafiante é ver como cada um dos sinóticos e as comunidades pós-pascais, que elas representam, interpretam o batismo de Jesus. Apenas Mateus reproduz o diálogo entre João Batista e Jesus de Nazaré (Mt 3.14s.).

No Evangelho de Mateus, é marcante a menção de elementos da cultura e da religião do povo de Israel. Não é possível entender Jesus em Mateus sem essa referência à memória do povo. Fidelidade à Lei e prática da justiça, com berço no Antigo Testamento, são dois conceitos fundamentais no Evangelho de Mateus.

A justiça de Deus é sua graça, com a qual nos salva em Jesus Cristo,

antecipando assim a realidade do reino. Nesse sentido, a justiça de Deus é sua bondade, com a qual torna as pessoas justas. A justificação que Deus concede em Cristo e a transformação da pessoa pelo Espírito, que a torna justa perante Deus, têm de levar à transformação da vida pessoal, comunitária e social, de modo que as pessoas possam viver dignamente e participar da justiça e da paz, que são dons messiânicos. Desligar a justificação neotestamentária da criação de um mundo mais justo significa separá-la do campo real do exercício mais urgente e necessário do amor.

2. Texto

“Então Jesus veio da Galiléia ao Jordão para ser batizado por João” (v. 13). O registro bíblico de que Jesus veio da Galiléia ao Jordão lembra um fato muito importante. Atesta que, de fato, a palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Andou neste mundo no qual nós vivemos. A felicidade que transforma veio ao mundo como ser humano, nascido e criado em família, falando língua humana.

Saindo do meio do povo, Jesus de Nazaré apresenta-se livre e espontaneamente a João para o batismo. Expressa assim sua total entrega e abertura a Deus. Jesus insiste em ser batizado porque “convém cumprir-se toda a justiça” (v. 15). Aqui temos um belo resumo do Evangelho de Mateus. É seu eixo principal. “Cumprir” significa tornar a justiça plena. O que quer dizer “toda a justiça”? Conforme A. Baeske (PL 30, p. 49), “justiça” pode ser caracterizada como a sequência da ação resgatadora que Deus traça, determina e impulsiona. E, ao mesmo tempo, Deus vela para que as pessoas se enquadrem em sua “justiça” (cf. Is 56.1), esperando e cobrando que andem “no caminho da justiça” (21.32). Depois do batismo, Jesus sai das águas e “então o céu se abriu e Jesus viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo pousar sobre ele”(v. 16). É o Espírito de Deus que nos torna filhos e filhas de Deus, que chama a igreja para viver o seu amor e misericórdia neste mundo. A igreja cristã é uma comunidade que nasce do Espírito, da força e do poder do Espírito de Deus. É esse Espírito de Deus que cria em nós a fé que liberta. Esse Espírito confere dignidade nova às pessoas. Ele levanta as nossas cabeças abatidas, ele nos fortalece em nossas fraquezas e abre nossos olhos para o sofrimento do mundo. “Este é o meu Filho amado em quem me comprazo”(v. 17).

Essa cena da vida de Jesus ganha uma especialidade essencial: o Pai rompe o silêncio da escuta e fala; o Pai apresenta o Filho como o amado. Mateus faz soar a voz do céu como um anúncio, uma proclamação. A identidade proclamada é a identidade do Filho. É do Pai que o Filho recebe a configuração de sua identidade messiânica.

O profeta Isaías proclamara: “Eis o meu servo... Nele se compraz minha alma. Pus meu Espírito sobre Ele. Ele promoverá o julgamento das nações” (Is 42.1). É bom incluir nesse contexto também o Salmo 2.7. Em sua atitude de servidor do Pai, aberto a seu projeto para o mundo, o Filho tem todo o seu agrado e é por ele apresentado ao povo com uma missão muito definida: “Eu te constituí como centro de aliança do povo, luz das nações, para abrir os olhos aos cegos, tirar os cativos da prisão e livrar do cárcere os que vivem nas trevas” (Is 42.6-7). Pedro diz: “Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito e o poder. Ele andou por toda a parte fazendo o bem” (At 10.38). O Pai mostra seu Filho ao povo como restaurador da dignidade do ser humano. Jesus é o Filho cheio do Espírito do Pai e repleto de seu amor.

3. Meditação

Mateus faz soar a voz do céu como um anúncio, uma proclamação. O próprio Deus proclama Jesus de Nazaré. É este; não há outro. Este é o meu Filho amado. Também César Augusto reivindicou para si o título de Divi filius (Filho de Deus) quando se tornou o primeiro imperador romano em 44 a.C. O termo aparece em moedas com a efígie de César Augusto. Jesus só pode ser o que Deus dele faz. Deus está presente em Jesus para sempre e para todos. Aqui o céu está aberto. Quem é Deus nota-se no jeito de Jesus. Deus é serviço nos gestos de Jesus. Nele Deus nos abre seu coração. Cristo é o Deus por nós, que quer entrar no todo de nossa existência. Em, com e sob a pessoa de Jesus e sua obra os “céus estão abertos”, inicia o novo tempo, no qual convém que toda a justiça seja cumprida.

Justiça é uma palavra central no Evangelho de Mateus, que aparece em oito versículos (Mt 2.23; 3.15; 5.6,10,20; 6.1,33; 21.32). O adjetivo justo aparece
17 vezes. Mas nem todo mundo que usa a palavra justiça dá o mesmo significado a ela. Paulo diz que a justiça é dom de Deus, sinônimo de santidade e, portanto, independente da vontade da vontade da pessoa. Salvação vem exclusivamente através da graça. Do outro lado está Tiago, para quem “a fé sem obras é morta”. Mateus vai por outro caminho. A justiça do reino passa por obras concretas, práticas humanas no meio da comunidade. Mas essas práticas não são justas ou injustas por si mesmas, mas dependem de sua motivação, do “espírito que as gerou”. A nossa justiça deve ser superior à dos escribas e fariseus. Somos convidados a ver tudo com um novo olhar. Com o olhar da misericórdia e da gratidão, do perdão, do amor e do abraço. E nesse novo olhar fundamental para Mateus é o agir. Os verdadeiros discípulos são os que agem, que praticam. No sermão do monte, isso fica muito claro (Mt 5-7). Quem entrará nos céus? “Aquele que faz a vontade de meu Pai” (7.21). Como se conhece o verdadeiro profeta? “Pelos seus frutos os conhecereis”(7.16a). Quem constrói um fundamento seguro para sua vida? “Todo aquele que ouve as minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha” (7.24). Há muitos outros textos em Mateus que comprovam que a pertença ao reino de Deus depende em boa parte do agir. A fé está ligada ao agir. Jesus chama os discípulos ao seguimento, convidando-os a segui-lo e acompanhá-lo no seu agir. Seguir Jesus é agir
com ele. E o agir há de ser dirigido por Deus.

4 Possibilidades para a prédica

a) Ler algumas manchetes de jornais que colocam em evidência o individualismo e a vulnerabilidade do ser humano. Recriar, em seguida, o diálogo entre Jesus e João com acompanhamento de fundo musical. O diálogo nesse texto é de fácil recriação. Causa forte impacto nos celebrantes.

b) Jesus, espelho do coração de Deus; Jesus, o Filho amado em quem o Pai se compraz, conhece a “justiça”, compreende-a, entrega-se a ela e está decidido a trilhar o “caminho” dela. Comente a justiça de Deus, relacionando-a com as manchetes dos jornais.

c) Cabe-nos seguir Jesus no “caminho da justiça” em gratidão e em alegria. Qual o caminho da justiça de Deus hoje? O que é viver como justo no Brasil de hoje?

d) Quando nos sentirmos amados e amadas por Deus como filhos e filhas, quando sentirmos o olhar de Deus sobre nós, teremos a força de fazer o bem aos irmãos e às irmãs.

Olhares são importantes. O olhar de Deus desceu com carinho sobre Jesus em seu batismo no rio Jordão. “Este” é meu Filho amado. Há olhares que confirmam e negam. Há olhares de paixão e de compaixão. Há olhares de consentimento e de reprovação. Há olhares que menosprezam e discriminam. Olhares falam dos sentimentos da alma e do coração. Há olhares que espelham a luz da bondade e do amor. Como será o olhar de Deus? O profeta Jeremias sentiu a necessidade do olhar de Deus. “Olha para mim, Senhor...” (Jr 18.19) E Deus baixou seu olhar sobre Jeremias. Pode haver um pedido mais importante do que este: Olha para mim, Senhor? Moisés já havia clamado: “Olha, Senhor, desde a tua santa habitação, desde o céu e abençoa o teu povo”. O salmista pergunta: “O que fez o ouvido, acaso, não ouvirá? E o que formou os olhos será que não enxerga?”(Sl 94.9). Disse ainda o Senhor: “Certamente vi a aflição do meu povo que está no Egito” (Êx 3.7a). Hagar, doméstica dis- criminada e injustiçada, serva de Sara, mulher de Abraão, testemunhou com fé e convicção: “Tu és Deus que vê...”(Gn 16.13).

Sobre quem caem preferencialmente os olhos do Senhor? O salmista responde: “Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia” (Sl 33.18). “Os olhos do Senhor repousam sobre os justos”(Sl 34.15a).

Jesus sempre tinha olhos bem abertos para as necessidades das pessoas. Via as multidões famintas e ajudava (Mt 9.36). Jesus via a fé e curava (Mc 2.5). E o apóstolo Paulo nos convida em Hebreus 12.2 a correr com perseverança a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o autor e consumador da fé, Jesus.

e) O 1º Domingo após Epifania lembra que estamos ensaiando os primeiros passos de um novo ano. Em cada novo ano, vivemos a esperança de alcançar novas e boas margens em nossa vida e em nosso trabalho. Crer e acreditar em novas margens faz bem à vida. Eu acredito que o batismo foi para Jesus uma espécie de travessia de vida.

Quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, ouvi pela primeira vez a historia bíblica em que Jesus convida os discípulos a passar para a outra margem do lago de Genesaré: “Passemos para a outra margem” (Mc 4.35-41). Entendi esse convite de Jesus como um convite para colocar-se a caminho, para penetrar o desconhecido, rumo ao novo. Então a gente como jovem daquela idade vivia exatamente com esse sentimento de querer passar para outras margens, de querer conquistar novos horizontes e querer experimentar novas travessias de vida.

Muitas vezes, entretanto, a viagem é dura. Há mil perigos. Há travessias que não são fáceis. Há momentos em que temos medo de que a esperança afunde. E é exatamente nesses momentos que mais necessitamos da comunhão das pessoas que acreditam que Deus está conosco nesse caminho, que ninguém menos do que o próprio Jesus Cristo está conosco no barco. E no medo e na tênue esperança nos agarramos a Jesus e clamamos: Mestre, não
te importa que pereçamos?

O que nos dá alento e sempre nova esperança é o fato de que sabemos que Jesus ouve nosso clamor e vem ao nosso encontro: “Acalma-te, emudece”. Eis a resposta de Jesus às forças destruidoras. E depois pergunta: “Por que sois assim tímidos? Como é que não tendes fé?”. Com essas perguntas Jesus desafia nossa fé no amor de Deus e em suas possibilidades. Requisitada é a fé de que com Deus podemos partir para outra margem, para uma nova margem. Desafiada é a fé numa vida melhor, num mundo com mais amor, com mais dignidade e justiça, num mundo de cura.

Jesus procurou João Batista para ser batizado no rio Jordão, porque queria contar com o amor do Pai em suas andanças por lá. Ao deixar-se batizar, expressa assim sua total entrega a Deus. É bom contar com Deus, com seu amor e suas possibilidades e com a companhia de Jesus em nossas andanças por aqui.

5 Subsídios litúrgicos

a) Utilizar a “Oração do Cuidado” que o P. Dr. Rodolfo Gaede Neto fez para a Pastoral Popular Luterana. Utilizei a mesma em diversos grupos e com pessoas diferentes. Trouxe bom conforto.

“Senhor, dá-me a tua mão e conduze a minha vida. Guia os meus pas- sos para que eu caminhe seguro(a). Sob as asas da tua misericórdia sinto-me protegido(a). No colo da tua bondade encontro descanso verdadeiro. Em dias de medo e angústia, abriga-me em teu poder. Em momentos de ansiedade, faze cair sobre mim a tua paz. Ao sentir-me fragilizado(a), ajuda-me a ter esperança. Cuida de mim e dos meus amados. Cuida do meu destino. Quando culpa me acusar, acolhe-me em tua graça. Absolve-me do pecado e faze-me renascer do teu perdão. Se eu cair, permita que eu caia em tuas mãos.
Se eu permanecer caído(a), dá-me a tua companhia. Seja como for, cobre-me com o manto do teu amor. Graças, pelo teu cuidado, graças pela salvação. Agora dá-me a bênção que tanto anseio. Amém.”

b) Poema para ser lido no início do culto ou antes da meditação (O Evangelho de Mateus – em versos e prosas. Severino Batista. Série: Palavra na Vida, n. 146, Centro de Estúdios Bíblicos):
Jesus foi até o Jordão A fim de ser batizado. Mas João se recusou: Eu não sou capacitado.
Jesus disse: Você precisa
De fazer o meu mandado.

Quando ele foi batizado, Logo da água saiu
E lá os céus se abriram
E sobre os céus se viu
Em forma de uma pomba
O Espírito Santo assistiu.

Do céu baixou uma voz E disse pra multidão Todo cheio de amor
Ao filho da redenção: Eis aí meu filho amado,
A quem dou minha afeição.

c) Moldar e/ou formular orações, lamentos, glórias. Deve ser tarefa da equipe de liturgia (da qual o pastor ou a pastora fazem parte), pois são tarefas que requerem o conhecimento da proposta temática do culto, bem como do contexto onde o mesmo é celebrado.

Bibliografia

BATISTA, Severino. O Evangelho de Mateus em Versos Populares – A Palavra na Vida 146. CEBI, 2000.
A Palavra na Vida. O Evangelho de Mateus. Encontros Bíblicos. CEBI, 1999.


 


Autor(a): Ari Knebelkamp
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Epifania
Perfil do Domingo: 1º Domingo após Epifania
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 17
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2007 / Volume: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 18559
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Ele, Deus, é a minha rocha e a minha fortaleza, o meu abrigo e o meu libertador. Ele me defende como um escudo, e eu confio na sua proteção.
Salmo 144.2
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