2 Coríntios 13.11-13

Auxílio Homilético

18/05/2008

Prédica: 2 Coríntios 13.11-13
Leituras: Gênesis 1.1-2,4a; Mateus 28.16-20
Autor: Haroldo Reimer
Data Litúrgica: 1º Domingo após Pentecostes (Santíssima Trindade)
Data da Pregação: 18/05/2008
Proclamar Libertação - Volume: XXXII

1 Introdução
O clima celebrativo neste primeiro domingo após Pentecostes é a vivência (litúrgica) na unidade trinitária. Segundo o testemunho do livro de Atos dos Apóstolos, a partir do dia da descida do Espírito Santo Deus torna-se atuante em três figuras inter-relacionadas em uma só unidade divina: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Vive-se agora no tempo de Pentecostes ou Trindade, a unidade pericorética das três pessoas da Trindade.
A seleção de textos é sintomática. O texto sugerido para a pregação é a saudação trinitária do final da Segunda Carta aos Coríntios. Além da sau¬dação, consta aí uma exortação para a vivência da fé, no sentido do aperfei¬çoamento e do consolo mútuos. Isso é fundamental para a vida comunitária.
Os textos para as leituras são Gênesis 1.1-2.4a e Mateus 28.16-20. O primeiro indica as origens últimas da criação, na qual vivem os humanos junto com a própria realidade transcendente trinitária. Em termos teológico-sistemáticos, esse texto costuma ser lido em perspectiva trinitária, embora, em seu sentido original, dificilmente tenha sido essa a intenção do autor.
O texto do evangelho remete para as palavras de despedida de Jesus a seus discípulos, o envio desses para a missão por todos os recantos do mundo habitado (ecumene) da época. A tarefa da missão e sacramental deve ser feita em perspectiva trinitária (v. 19).
O espírito na celebração deve ser claramente trinitário. Esse é o foco do texto sugerido para a pregação, mas também a menção explícita no texto do Evangelho de Mateus. Pessoalmente, porém, sugiro que, além desse clima trinitário, a reflexão focalize o sentido da presença e atuação pericorética no mundo que habitamos hoje. É um desafio que situa também a tarefa missio¬nária dentro de uma perspectiva ecológica. Por isso sugiro que tematicamente os conteúdos do texto de Gênesis 1 estejam em primeiro plano na reflexão. Por esse motivo, a exegese enfoca esse trecho bíblico.

2 Exegese
As primeiras palavras da primeira página da Bíblia constituem um verdadeiro prólogo para o todo dessa fascinante obra de nossas Escrituras Sagradas. O que aqui se testemunha é a afirmação de fé básica de que Javé, o Deus de Israel, é o Deus criador de céus e de terra e “de tudo o que neles há” (Sl 24.1). Aqui há uma condensação de fé desde a perspectiva de Israel.
O relato de Gênesis 1 abre toda a Bíblia. Encaminha para o que vem depois. Dá um sentido ao que segue. Fundamental é a afirmação que brota da fé de Israel: o mundo existe e o que se experimenta como criação é obra de Deus.
A linguagem do texto é fundamentalmente mítica ou mitológica. Isso não significa de modo algum que a “verdade” das Escrituras seja diminuída. Linguagem mítica é uma forma de comunicação das “verdades” fundamentais em praticamente todas as religiões. A religião de Israel participa dessa forma de comunicação de suas próprias verdades e reconhecimentos.
Linguagem mítica é uma forma de comunicação que utiliza elementos ligados à experiência profunda do ser humano. É o que Jung chamava de “in¬consciente coletivo” ou “arquétipos”. Os arquétipos, que são condensações de experiências coletivas, fluem para dentro dos textos míticos. Facilitam, assim, a assimilação pelos ouvintes ou leitores e já encontram nesses a predisposição para a aceitação, a imitação e o seguimento dos conteúdos fundamentais projetados nos textos míticos.
Textos míticos ou religiosos, assim como outros textos, têm um lugar e um momento de origem. São “históricos” porque uma pessoa ou um grupo colocou um dia as palavras em ordem para transmitir determinado sentido e provocar determinadas práticas. A origem do texto de Gênesis 1 costuma ser datada no chamado “período exílico”, isto é, o tempo em que uma parte do povo de Israel ou Judá teve que viver no exílio na Babilônia. Isso nos remete para a primeira metade do século VI a.C., mais precisamente entre os anos de 587 a 538 a.C.
Na Babilônia, os deportados eram confrontados com outras afirmações de fé igualmente míticas. Um famoso mito chamado enuma elish, assim denominado por causa das primeiras palavras do relato, afirmava que um outro deus, chamado Marduque, seria o criador do universo. Os israelitas certamente conheciam esse mito e utilizaram partes dele para expressar o seu credo de fé, agregando elementos de sua própria tradição. O texto que surgiu no exílio foi posteriormente utilizado como introdução geral ao conjunto que é o Pentateuco, abrindo, assim, toda a Sagrada Escritura.
Sabidamente, o texto de Gênesis 1.1 até 2.4 constitui o chamado “pri¬meiro relato da criação”. Esse texto já está estruturado dentro de um esquema que prescreve uma ordem do tempo. O relato está construído dentro numa seqüência de sete dias, mais precisamente seis dias de trabalho e um sétimo dia reservado para o descanso. Essa estrutura do relato das origens sugere um conteúdo importante: como ouvintes ou leitores do texto, os israelitas devem procurar imitar o Criador, mantendo um ritmo de seis dias de trabalho e um dia de descanso. Se o Criador assim o fez, quanto mais as criaturas devem fazê-lo!
O relato de Gênesis 1 mostra que “criação” é sobretudo uma tarefa de “ordenação”, de colocar em ordem, de fazer surgir cultura. O ambiente origi¬nal, pressuposto no texto, é um ambiente de águas caóticas. No ato criador, a divindade criadora ordena o caos e faz surgir um espaço ordenado. Esse espaço é o ambiente em que as pessoas podem estabelecer-se culturalmente, fazendo brotar vilas, cidades, reinos e até impérios, enfim, fazendo surgir a civilização e a cultura.
Um outro conteúdo importante transmitido ao longo da estrutura do texto é a afirmação de que as outras criaturas (ou elementos da criação) têm uma “dignidade criatural” própria, independente dos seres humanos. Isso sabidamente é afirmado no texto através de uma expressão que se repete várias vezes. A partir do terceiro dia da criação, o autor do relato, após des¬crever a obra criadora do dia, anota: “E viu que era bom!”. Isso quer dizer que os outros elementos da criação têm um valor próprio diante do Criador.
Com a dignidade própria, assegurada aos outros elementos da criação, o ser humano é pensado e afirmado como um elemento integrado dentro do todo da criação. É verdade que lhe é assegurado um elemento especial, que é o de ser imagem e semelhança do Criador (Gn 1.26-31). Como tal, o ser hu-mano recebe um mandato, afirmado no texto com palavras muito pesadas: “dominar a terra e subjugar os animais” (Gn 1.28). Esses verbos “dominar” e “sujeitar” são termos tomados da linguagem dos reis e dominadores. Ti¬veram a sua importância na época, mas hoje, diante das crises ambientais provocadas pela intensa interferência dos seres humanos no ambiente, essa linguagem precisa ser traduzida para conceitos que expressam muito mais a dimensão do cuidado com o ambiente. Hoje é necessário (re)descobrir muito mais a dimensão de que nós, seres humanos, temos a incumbência de ser mordomos dessa grande casa da criação.
O trabalho faz parte da atividade humana. O trabalho dignifica a pessoa – assim se diz tradicionalmente. Mas o trabalho não pode se tornar um fim em si mesmo. Caso contrário, vira escravidão. Atividade de trabalho deve ser sempre interrompida por tempos de pausa. A pausa é necessária, é salutar, refaz o corpo e o espírito. A pausa possibilita o sonho. Dentro de um código de linguagem mítica, o texto afirma que o Criador descansou no sétimo dia e o santificou. Aqui não se santifica um lugar, mas um tempo. É um tempo que antecipa o grande descanso de toda a criação. No saber e poder descansar reside um elemento da dignidade humana. Não pode ser verdade máxima que só o trabalho dignifica; também o lazer, o não-fazer-nada, o descanso são elementos que outorgam dignidade à pessoa humana. Devem ser assegurados a todos os que trabalham.

3 Imagens para a prédica
Para a pregação, eu trabalharia com a imagem do mundo habitado como a grande casa da criação. Nessa casa convivem as mais diversas formas de vida. Entre todas, a vida humana tem um destaque especial pelo fato de ser a vida consciente de sua consciência. Com isso cabe papel de mordomia e responsabilidade dos humanos para com os demais elos da grande casa da criação de Deus. Segundo o credo de nossa fé, nessa casa Deus habita de forma trinitária. Assim como entre as três figuras da Trindade, há relações de mutualidade; assim também as pessoas, moradoras dessa casa, precisam assumir as funções e responsabilidades no sentido do bem comum de toda a casa da criação.

4 Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados:
Querido Deus! Em palavras de doutrina e de fé nós te reconhecemos como o criador e o mantenedor da vida nessa grande casa que tu propicias para o nosso viver. Dá que efetivamente, em nosso pensar e em nosso viver, isso seja um fundamento. Faze com que sejamos abertos a entender que tu criaste este mundo para ser um lugar agradável de vida para todos. Perdoa-nos se nós, por causa de egoísmo e falta de perspectiva, repetidamente atenta¬mos contra a dignidade da vida nessa grande casa, na qual também tu estás presente. Orienta-nos por teu Espírito e faz-nos olhar para ti como a fonte da justiça e misericórdia. Amém.

Oração de coleta:
Deus! Agradecemos por mais este dia de vida. Agradecemos porque despertaste em nós a vontade de te louvar, ouvir tua palavra, nela meditar e com ela aprender. Pedimos que teu santo Espírito abra nossos ouvidos e nossos corações. Faz-nos aptos para entender que criaste esta grande casa na qual nós convivemos com tantas formas de vida diferentes e distintas. Faz-nos sentir que tu também compartilhas esta grande casa conosco, convivendo conosco em tuas formas de ser e estar entre nós. Amém.

Oração de intercessão (após cada petição, a comunidade repete o refrão):
Querido Deus! Obrigado por mais este dia e esta celebração. Queremos pedir-te que nunca deixes faltar em nosso viver a vontade de te louvar e ouvir a tua palavra.
Ouve, Senhor, a nossa oração!
Oh Deus! Nós oramos pelas dores deste mundo. Aquilo que tu criaste para ser a grande casa da criação, agradável para se viver, nós continuada¬mente transformamos em lugar de discórdia e deixamos sucumbir por falta de cuidado. Ajuda-nos a aprender de ti, Senhor.
Ouve, Senhor, a nossa oração!
Deus! Oramos pelas pessoas que em tantos lugares deste mundo não têm mais as condições mínimas de vida com dignidade. Que diante dessa realidade nós não sejamos simplesmente indiferentes, mas nos coloquemos a serviço.
Ouve, Senhor, a nossa oração!
Oramos, oh Deus, por todas as igrejas nas quais a tua palavra é pregada e vivida. Abre nosso entendimento para a necessidade do viver em conjunto com os outros moradores desta grande casa.
Ouve, Senhor, a nossa oração!
Deus! Oramos também por nossos governantes. Pedimos que sejam iluminados por ti para que aprendam a respeitar a dignidade de todas as formas de vida e que coloquem o bem público sempre antes do bem privado.
Ouve, Senhor, a nossa oração!

Bibliografia
MOLTMANN, Jürgen. Deus na criação. Petrópolis: Vozes, 1996.
REIMER, Haroldo. Toda a criação. Bíblia e ecologia. São Leopoldo: Oikos, 2006.
 


Autor(a): Haroldo Reimer
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 1º Domingo após Pentecostes - Domingo da Trindade
Testamento: Novo / Livro: Coríntios II / Capitulo: 13 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2007 / Volume: 32
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 24217
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