Mateus 3.1-12

06/12/1998

Prédica: Mateus 3.1-12
Leituras: Isaías 11.1-10 e Romanos 15.4-9(10-13)
Autor: Roberto N. Baptista
Data Litúrgica: 2º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 06/12/1998
Proclamar Libertação - Volume: XXIV
Tema: Advento

1. Introdução

Essa combinação de textos apareceu recentemente no conjunto de leituras para, justamente, o 2° Domingo de Advento. Foi em 1992. Assim, gostaria de lembrá-lo/a que em Proclamar Libertação, vol. XVIII, já aparece um comentário específico e bastante interessante sobre esse conjunto de textos elaborado pelo colega Carlos Musskopf.

Quanto ao conjunto de textos para este domingo, esta tríade parece bem propícia para esta época do ano. A relação entre os textos, ao meu ver, é bastante clara. Quer privilegiar a ação e vinda do Messias. Os textos enfatizam, principalmente, sua ação abrangente, como uma bandeira para as nações. Os povos passarão para o lado dele (cf. Is 11.10). Ou ainda: Todos os gentios louvem ao Senhor, todos os povos o louvem muito (cf. Rm 15.11).

No entanto, olhando de perto o texto-base, ficam a pergunta e o desafio em relação a qual ênfase se dar! Mateus 3.1-12 nos fala do arrependimento, tônica da mensagem do precursor. Arrependimento cai muito bem numa época como a Quaresma. No Advento, período em que se reforça a missão de Jesus, seguimos esse conteúdo central ou buscamos conteúdos periféricos, mas não menos importantes?
Enquanto escrevo aqui, o desafio continua. Afinal, qual a minha função? Com certeza, não é a de lhe dizer o que você deve pregar. Também não estarei escrevendo o comentário. O que me resta? A minha contribuição, imagino, é a de trabalhar exegeticamente o texto. Muitas pessoas, nos seus ambientes de trabalho, estão longe de comentários exegéticos. Mais uma tarefa: ainda devo oferecer algumas possibilidades, algumas pistas por onde acredito que se deva acentuar. É a minha contribuição. Procurarei abrir vários temas. Com isso, não poderei me ater às questões litúrgicas. Deixo isso para a criatividade de cada um/a.

2. Considerações exegéticas

Quero aqui enfatizar alguns aspectos exegéticos que mais tarde volto a comentar numa perspectiva hermenêutica.

Deserto:

A primeira consideração importante que faço é a referência ao deserto (v. l). Ali se diz que João foi ao deserto da Judéia para pregar e batizar (v. 6). Como entender isso?
Sabe-se que João batizava nas duas margens do Jordão, nas terras pertencentes à Judéia. A referência ao deserto pode ser uma tentativa de harmonizar a ação de João Batista com o profeta Isaías, citado no v. 3. Aliás, todos os evangelhos fazem o mesmo.

Além disso, esta pode ser uma proposta que apresenta a radicalidade dos profetas. Carlos Mesters aponta para o anúncio dos profetas convidando o povo ao deserto, numa clara alusão a voltar aos tempos do êxodo de Moisés. Era o tempo dos 40 anos que o povo caminhou com Deus e se concluiu a aliança.

Numa palavra, os profetas querem voltar às origens, ao tempo da fidelidade do primeiro amor, do início do noivado, até antes da bifurcação, onde o povo desgovernado tomou o rumo errado, que deu no impasse que deu. Os profetas olham o passado mas não são saudosistas. Para eles o passado é a raiz do presente e amostra do futuro. (Carlos Mesters, p. 80).

Profeta - metanoia:

Outra importante referência no texto é o convite ao arrependimento que João propõe no v. 2. João era considerado um profeta. Não era um revoltoso como Barrabás nem um professor como escribas e fariseus. Jesus também era considerado profeta. Ser profeta é mais radical. Mais radical do que Barrabás.

Fariseus e doutores viviam preocupados com a observância da lei de acordo com a tradição dos antigos (Mc 7.3-4,13). Acreditavam que a condição para que o reino de Deus pudesse chegar dependeria basicamente dessa observância da tradição (Lc 17.20). Por isso, entende-se o quanto João e Jesus abalaram essas estruturas.

O profeta exige metanoia para que o reino de Deus chegue. É uma verdadeira mudança de mentalidade, uma verdadeira mudança de comportamento, mentalização transformada e ação modificada. Essa era a exigência de João. Assim também pregava Jesus.

Pouco acima, já lembrávamos as palavras de Isaías. É claro que em Mt 3 as palavras são do profeta, porém não mais o sentido. Isaías aponta para o retorno do exílio, em que o Senhor, Javé, vem conduzindo o povo (também no resgate de um novo êxodo). Mateus e os evangelhos enxergam em João Batista esse precursor que anuncia um novo Senhor, Jesus. Se formos rigorosos em relação aos textos, estranhamos. Mas aqui trata-se de uma bela interpretação dos caminhos de João. Preparar o caminho é anunciar a metanoia.

Tradição e radicalização

A doutrina do profeta precursor como um novo Elias (talvez v. 4) estava baseada na expectativa da vinda do Messias. Os doutores da lei ensinavam que antes da chegada do Messias deveria haver um grande arrependimento do povo (Mt 11.10). Em diferentes comentários os rabinos mencionavam as profecias de Ml 3.1; 4.5-6 e Is 40.3 e as utilizavam para enfatizar a necessidade de arrependimento e conversão (veja Paulo Lockmann, p. 43).

Apesar disso, como já vimos, fariseus e doutores acreditavam que chegariam ao Messias através da observância da tradição. (Carlos Musskopf faz uma observação sobre a importância da tradição para esses grupos religiosos.) Desde o exílio, as autoridades religiosas preocupavam-se com a restauração da nação. A expectativa sempre foi grande. Manter o moral alto, porém, sempre foi uma grande dificuldade. Sucessivas derrotas políticas e militares criaram uma enorme insatisfação. Diríamos hoje que o povo estava frustrado. É a crise de identidade. Naquela época, essa crise se manifestava com maior intensidade, já que para se chegar ao Messias era necessária a tradição.

Por isso, João afirmava que na radicalização da chegada do Senhor não mais era fator de segurança ser da descendência de Abraão (v. 9). Exigia-se, antes de tudo, metanoia. Podemos imaginar o impacto dessa afirmação! De repente, a segurança de fariseus e doutores ia por água abaixo.

Batismo com água — batismo com o Espírito Santo e com fogo

Já no pós-exílio, o judaísmo adotara o batismo como admissão de prosélitos a uma nova experiência religiosa (veja Eugene Brand, p. 10). Com certeza, essa experiência não era exclusiva da religiosidade judaica. Banhos de purificação eram comuns a diversas culturas, religiosas ou não.

Água lava e purifica. Tira sujeiras. Carrega consigo o mau cheiro. Metanoia aponta para a purificação simbolizada no batismo de arrependimento em águas correntes. Aí está a diferença entre o batismo de João e os demais batismos. Estes apontavam para a iniciação ressaltando a pureza ritual. João destaca a pureza moral. Banhar-se no batismo de João era declarar-se arrependido.

Mas o que João quer dizer sobre o batismo com o Espírito Santo e com fogo de Jesus? Aí está a radicalidade dos profetas. Na sua visão escatológica,-João aponta para a justiça. Quem passar pelo fogo estará salvo. É uma nova nação de gente boa. Quem não passar pelo fogo, queimará (...) em fogo inextinguível (v. 12).

Fogo no Evangelho de Mateus enfatiza conceitos fundamentais, como justiça e lei. O que importa em Mateus é agir. Este é o critério definitivo. Os verdadeiros discípulos de Jesus o seguem, não apenas o ouvem. Seguir é caminhar após, nos mesmos princípios do Mestre.

3. Considerações hermenêuticas

Neste ponto, tento pensar junto contigo a prédica ou um trabalho reflexivo com grupos. A ênfase e a aplicação devem respeitar a realidade local. Apresento algumas pistas baseadas nas dificuldades genéricas que encontramos em nossas igrejas.

Deserto

Vimos que a alusão ao deserto aponta, de fato, para a necessidade de um novo êxodo. Quando João opta pelo deserto, ele chama o povo para que retorne ao primeiro amor.

Nós luteranos, como os demais cristãos, tivemos uma experiência de libertação advinda com a Reforma. Se vivíamos escravos das indulgências e presos numa estrutura eclesiástica injusta, com a Reforma alcançamos a libertação.

Quando falamos em Reforma, lembramos da libertação da enorme diferenciação de privilégios que havia entre clérigos e leigos, por exemplo. Retomar o sacerdócio universal foi uma importante conquista daquela época. Mas o que sobra hoje para nós?

A maioria de nossas comunidades e de nossos/as pastores/as ainda acredita na centralização do ministério. Gostaríamos de crescer como Igreja. Precisamos. No entanto, o modelo pastor/a-centrista impede qualquer tentativa deste tipo. Vamos continuar a ser uma Igreja pequena. Muitas coisas precisam mudar.

Podemos e devemos reconquistar tantos avanços obtidos com a Reforma. Tanto na área eclesiástica quanto na área social. Poderíamos também enfatizar aqui avanços na área social.

Metanoia

O tema central de Mt 3.1-12, já vimos, é o arrependimento seguido da transformação. Metanoia aparece aqui no Advento.

Este é um tema importante para nossa reflexão. Retomando o item anterior, lembramos que Lutero afirmava a necessidade de conversão a cada dia.

E, tradicionalmente, também damos um passo nesse sentido. Em cada culto, confessamos pecados. Mas podemos incorrer em dois erros. O primeiro pode ser mera formalidade. Talvez, na verdade, essa prática de confissão não atinja nossos membros. Será que uma maioria toma aquele espaço como oportunidade de auto-exame? O segundo engano é pensar que o arrependimento é tudo o que se requer na metanoia; na verdade é apenas a primeira parte dela. A transformação de pensamento e atitude segue a confissão de pecados.

Ainda algo mais: estamos no Advento. No início já colocava a relação com metanoia e Quaresma. Aproveitando, por outro lado, a conversão diária citada por Lutero, podemos aproveitar esse tema também num período de Advento. Por outro lado, abordamos a tríade e anunciamos a chegada do Messias e enfatizamos a missão de Jesus no Advento?

Tradição/radicalização

Outro ponto importante que vimos no nosso texto é o confronto com a tradição dos pais. A crise de identidade surge quando João afirma que não é suficiente ser filhos de Abraão. A salvação não está garantida.

E sermos luteranos? Sermos filhos e filhas de Lutero, sermos da tradição da Bíblia? Adianta alguma coisa?

Há pouco tempo atrás, perguntávamos pelo que somos: que Igreja somos? Vez ou outra, trabalhamos em nossas comunidades a identidade luterana. Não estamos também em crise de identidade?

Batismo no fogo

Batismo no fogo exige envolvimento:
Não se enganem; não sejam apenas ouvintes dessa mensagem, mas ponham em prática o que ela manda. Porque aquele que ouve a mensagem e não a pratica é como a pessoa que olha no espelho e vê como ela é. Dá uma olhada, depois vai embora e logo se esquece da sua aparência. Mas quem examina bem a lei perfeita que dá liberdade às pessoas e continua firme nela não é somente ouvinte mas praticante do que essa lei manda. E Deus abençoará tudo o que essa pessoa fizer. (Tg 1.22-25.)

Bibliografia:

BRAND, Eugene L. .Batismo: uma perspectiva pastoral. São Leopoldo : Sinodal. 1982. p. 10ss.
Estudos Bíblicos 26 : o Evangelho de Mateus. Petrópolis : Vozes; São Bernardo do Campo : Metodista; São Leopoldo : Sinodal, 1990.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém no tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1990. p.368ss.
LOCKMANN, Paulo. João Batista: a testemunha (Jo 1.19-34). Estudos bíblicos, v. 26, p. 41-48, 1990.
MESTERS, Carlos. Os profetas João e Jesus e os outros líderes populares daquela época. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis: São Bernardo do Campo; São Leopoldo, v. l, p. 72-80, 1988.
MUSSKOPP, Carlos. Meditação sobre Mt 3.1-12. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo : Sinodal, 1992. v. XVIII. p. 15-18.
Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Roberto N. Baptista
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Advento
Perfil do Domingo: 2º Domingo de Advento
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1998 / Volume: 24
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7038
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Salmo 16.2
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