Lucas 11.1-13

Auxílio homilético

08/08/2004

Prédica: Lucas 11.1-13
Leituras: Salmo 138 e Tiago 1.5-6
Autor: Manfredo Wachs
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 8/8/2004
Proclamar Libertação - Volume: XXIX
Tema:

1. Considerações gerais

O texto previsto para o décimo domingo de Pentecoste (Lc 11.1-13) tem a oração como tema de unidade das três passagens bíblicas que a compõem. A primeira passagem (v. 1-4) apresenta o Pai-nosso, a segunda (v. 5-8) trata da parábola de um amigo que solicita ajuda numa hora inoportuna, e a terceira (v. 9-13) fala da insistência da oração e da ação de Deus. Esta é intercalada com uma breve parábola (v. 10 e 11).

Diversos exegetas afirmam que o evangelista Lucas coletou dados da fonte Q e compôs uma unidade temática em torno do tema da oração. Nesse contexto, o exegeta Walter Schmithals denomina Lucas de “evangelista da oração”. Apesar dessa unidade temática, os três textos não podem ser compreendidos como uma unidade linear em que a compreensão de um depende da leitura e da interpretação do outro texto. A unidade temática deve ser entendida como uma intenção didática e como agrupamento temático. Cada texto tem a sua riqueza e possui elementos suficientes para ser abordado independentemente.

Lucas compõe a sua unidade temática da oração e a insere no início da viagem de Jesus a Jerusalém. Ela está inserida no início da proclamação do Reino e da preparação para a Paixão, que ocorrerá em Jerusalém. Essa intenção didática de Lucas dá à oração um caráter de preparação para a jornada que será difícil e pesarosa. Esse elemento pode ser plenamente explorado na mensagem: a oração como preparação para a jornada difícil.

Lucas utiliza um recurso didático para introduzir a sua temática. Ele revela a origem do texto, a motivação para a sua abordagem. Ele revela que a oração do Pai-nosso surge do interesse dos discípulos e não de uma intencionalidade doutrinária do Mestre. Os discípulos solicitam a Jesus: Ensina-nos a orar. Este pedido é motivado por duas imagens ou situações. Eles vêem Jesus orando, mas eles não sabem orar. Esta imagem lhes traz à memória o fato de que os discípulos de João Batista sabiam orar. A imagem de Jesus orando lhes dá a coragem para pedir. No fundo, o pedido revela, também, o elemento de comparação. Eles não queriam ser diferentes dos discípulos de João Batista.

O pedido revela, inclusive, o elemento de identificação. A oração, e no caso especial do Pai-nosso, pode-se transformar num símbolo de identificação e de testemunho de fé, assim como de tradição eclesial e cultural. Nós identificamos a confissão religiosa das pessoas pelos gestos litúrgicos pessoais e comunitários de orar, pelas formulações e pelos hábitos.

Por outro lado, pode-se afirmar e constatar que o processo inicial da aprendizagem da oração se faz pela imitação e pela comparação e não tanto pela convicção. As crianças que aprendem a orar imitam os adultos. Elas fazem os mesmos gestos, repetem as mesmas palavras. Elas criam o hábito mais pela percepção da importância e da dimensão valorativa que damos à oração do que pela convicção e compreensão do momento litúrgico.

2. Esmiuçando

Jesus ensina a orar

Lucas inova a oração ao trazer o termo Abba = pai. A palavra Abba é uma expressão cristológica, pois quer expressar uma relação com Deus. Ela não pretende ter a conotação de uma figura concreta e material, e muito menos ainda uma dimensão sexista. O termo Abbi é diminutivo e deve ser entendido como “paizinho” e expressa uma oração infantil. O termo transmite uma dimensão afetiva, relacional e proximal, pois eu me relaciono com quem está próximo de mim. Na expressão Abba, Lucas pensa na relação pessoal com Deus, que se coloca diante, ao lado da pessoa e caminha com ela. Enquanto oramos que Deus está nos céus, e numa perspectiva concreta, não-simbólica e abstrata ele está longe, na expressão Abba Deus está perto.

A pergunta retórica

A segunda passagem bíblica dessa unidade temática apresenta a parábola de um amigo que bate na porta na hora imprópria. A pergunta é formulada de tal maneira que só permite um tipo de resposta: Sim, é claro que vai dar o pão para seu amigo.

Nessa parábola, devemos imaginar uma pequena vila palestina, onde não há padaria, pois cada família providencia seus próprios pães. Na hora do imprevisto, de uma visita repentina, só é possível recorrer a amigos e vizinhos. Imaginem uma pequena vila onde as pessoas se conhecem e cada uma sabe a quantidade de pão que cada família faz. Todas as pessoas da vila sabem a quem recorrer nessa hora. Sabem também quem são as pessoas dispostas a abrir a porta. Devemos também imaginar a situação das pessoas quando dormem, assim que escurece. A lamparina de óleo só produz um pequeno filete de luz e não permite nenhuma atividade. Devemos também imaginar as portas com trancas de ferro e trava de madeira. Abrir a porta significa fazer barulho e acordar as pessoas.

Levantar da cama, com a possibilidade de acordar as crianças e as demais pessoas da casa, destrancar a porta com as travas de madeira e trancas de ferro, significa um sacrifício. A parábola está, portanto, permeada de situações de sacrifício, e Deus é comparado a esse amigo que se sacrifica para ajudar. O foco da parábola é a ação de Deus. Portanto, devemos cuidar para não dar uma conotação moralista, dizendo que as pessoas devem fazer todo e qualquer sacrifício.

3. Desafios e enfoques

Aqui se pode fazer uma pregação sobre a temática da oração. Portanto, uma abordagem genérica ou enfocar uma dimensão. Neste caso, seria uma opção por um aspecto do texto. Abaixo, apresento diversos enfoques possíveis.

A temática do Pai-nosso

Poder-se-ia abordar o próprio Pai-nosso como uma temática do culto. A pregação trataria de um aspecto, de uma das petições da oração, e as demais petições poderiam perpassar todo o culto.

Oração como elemento encorajador para os desafios da vida

O nosso texto está situado no contexto do início da Paixão, do período em que Jesus está se preparando para ir a Jerusalém. Jesus encontra-se num lugar para orar. Em outros momentos difíceis, Jesus também se afasta para orar e meditar, como é o caso, por exemplo, da oração no Jardim de Getsêmani, que antecede a sua prisão. Nesses momentos, a oração tem a dimensão tanto de pedir proteção quanto fortalecer para os momentos difíceis.

A oração, no aspecto de fortalecimento, pode ter dois caracteres: como um ato de fé ou como uma dimensão psicológica antecipatória. Esta dimensão tem, também, um caráter simbólico, pois, ao orar, a pessoa pode verbalizar os seus sentimentos presentes e os que podem vir. Ela pode antecipar aquilo que, eventualmente, poderia acontecer. Dessa forma, a pessoa articula o seu pensamento e sentimento e se prepara para o momento seguinte. A oração com esta conotação não deixa de ser um ato de fé, pois a pessoa recorre à ajuda de Deus para enfrentar os momentos difíceis.

Nessa perspectiva, uma pregação teria a tônica de encorajar as pessoas a orarem e fazerem dela um encorajamento para a vida. Neste caso, poderiam ser destacados diversos exemplos e situações em que as pessoas se sentem fragilizadas e enfraquecidas. A oração de encorajamento poderia dar equilíbrio emocional, psicológico e racional para as pessoas enfrentarem as dificuldades.

Pai como dimensão simbólica da relação com Deus

A mensagem poderia tratar da figura simbólica de Deus como “paizinho” e da dimensão relacional de Deus. Do Deus que está próximo de nós e que é identificado como uma figura simbólica proximal. Assim como destacar a importância da relação de confiança presente na figura simbólica do Abba. Além de apontar para a importância de ensinar as crianças a orarem.

No Batismo infantil, nós comprometemos pais e padrinhos a ensinarem as crianças a orarem. Contudo, atualmente, esta questão não é tão pacífica. Portanto, não podemos exigir se nós não ensinamos.

Deus que atende as súplicas

No exercício de contextualização do texto, fiquei me imaginando no lugar da pessoa que foi acordada. Em primeiro lugar, não sei se levantaríamos com toda a tranqüilidade. Nós teríamos medo de ser assaltados. Se repararmos em nossas cidades, vamos perceber que muitos serviços de emergência noturna atendem as pessoas sob severa proteção. Há farmácias atendendo através de grades.

A mensagem não deveria cair no caminho moralista de afirmar que todas as pessoas, que todos nós deveríamos nos levantar em qualquer hora da noite e em qualquer situação para atender e ajudar quem bate à nossa porta.

O texto não quer apontar o que devemos fazer, mas revelar o que Deus faz por nós.

Pedir insistentemente

Na terceira passagem bíblica, Jesus toma como exemplo a situação de mendigos que desenvolvem uma habilidade de pedir auxílio. Um mendigo não pode recuar e desistir após ouvir o primeiro não. Saber insistir com sabedoria e astúcia convence o ouvinte.

Exegetas apontam para a dimensão de os pobres e necessitados terem o direito de pedir para as suas necessidades. Mais do que o fato de estar pedindo, deve prevalecer o direito de pedir, o direito de buscar, de lutar por suas necessidades. O contexto existencial pode nos ajudar a entender o texto e a sua situação de pedinte diante de Deus.

Ao mesmo tempo em que o texto tem esse pano de fundo e aponta para a habilidade e persistência de pedir, ele apresenta uma curta parábola. A parábola parte do pressuposto de que nenhuma pessoa é capaz de fazer mal a uma criança. Jamais um pai daria pedra, cascavel ou escorpião à criança que pede comida. Aqui há uma compreensão antropológica positiva das pessoas. A nossa realidade atual não nos permite mais ser tão otimistas. No momento em que presenciamos cenas de violência familiar ou a realidade de crianças vivendo na rua, deixamos de ser tão otimistas. Uma mensagem pode, ao mesmo tempo em que fala de um Deus que acolhe e atende o necessitado, denunciar as situações de injustiça, miséria e indiferença.

Bibliografia

BOVON, François. Das Evangelium nach Lukas. Zürich/Düsseldorf: Benziger Verlag/ Neukirchener Verlag, 1996. (EKK – Evangelisch-Katholischer Kommentar zum Neuen Testament, III/2)
GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Lukas. Berlin: Evangelische Verlagsanstalt, 1978. (Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament, III)
JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1976.
SCHMITHALS, Walter. Das Evangelium nach Lukas. Zürich: Theologischer Verlag Zürich, 1980. (Zürcher Bibelkommentare NT 3.1)

Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Manfredo Wachs
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 10º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 11 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2003 / Volume: 29
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7093
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