Atos 10.34-43

Auxílio Homilético

31/03/2002

Prédica: Atos 10.34-43
Leituras: Salmo 118.1-2, 13-24 e Mateus 28.1-10
Autor: Baldur van Kaick
Data Litúrgica: Domingo de Páscoa
Data da Pregação: 31/03/2002
Proclamar Libertação - Volume: XXVII
Tema: Páscoa

1. O texto em seu contexto

O capítulo 10 do livro de Atos dos Apóstolos contém o relato de um acontecimento que não faz parte dos textos tradicionais previstos para o Domingo da Páscoa. Trata-se da história de Cornélio, um homem temente a Deus (v. 2), que fazia o bem a todas as pessoas (v. 2). Cornélio morava em Cesaréia (v. 1) e um dia teve uma visão na qual lhe apareceu um anjo (v. 3), o qual lhe disse que sua oração havia sido ouvida e que ele deveria enviar mensageiros a Jope, para chamar um homem chamado Simão, que tinha por sobrenome Pedro (v. 5). Cornélio fez o que o anjo lhe disse. Pedro atendeu o chamado de Cornélio e acompanhou os mensageiros até Cesaréia. Quando chegou à casa de Cornélio, este já estava esperando, tendo reunido seus parentes e amigos íntimos (v. 24) para ouvir Simão falar. Simão primeiro compartilhou com eles que Deus não faz acepção de pessoas, o que ele mesmo havia aprendido apenas no dia anterior, pois até então ele próprio pensava que o Evangelho deveria ser anunciado somente aos judeus. Que Deus não fazia acepção de pessoas era novidade para ele próprio. Em seguida, ele falou à família de Cornélio de Jesus: de sua vida na Galiléia (v. 37), de como ele havia sido ungido por Deus com o Espírito Santo, de como ele havia feito o bem por toda a parte (v. 38) e de que Deus estava com ele (v. 38). Simão Pedro relatou também que crucificaram Jesus, mas que Deus o ressuscitou e que Jesus se manifestou a eles e que eles, os apóstolos, agora estavam dando testemunho dele. E Pedro acrescentou duas coisas ao seu relato: que Deus havia feito de Jesus, através da ressurreição, o juiz de todas as pessoas, das que vivem e das que já morreram (v. 42); e que toda pessoa que crer em Jesus recebe remissão de pecados em seu nome (v. 43).

Pedro pregava ainda, e Cornélio e seus familiares estavam ouvindo, quando Deus derramou o Espírito Santo sobre Cornélio, sua família e seus amigos (v. 44), para espanto de Simão e de seus companheiros (v. 45), que parece que ainda não estavam acreditando bem que Deus não faz acepção de pessoas. E, mais uma vez, Pedro e seus acompanhantes aprenderam que o Evangelho não estava reservado somente para os judeus, mas também destinado para não-judeus, como Cornélio (11.17-18).

Creio que é útil ler o texto indicado para a prédica no contexto em que se encontra (10.1-11.18) e no contexto maior do livro de Atos, para não perder de vista a dinâmica dos acontecimentos. Lucas mostra em Atos que a Palavra de Deus (o Evangelho da paz, 10.36) corre pelo mundo de então. Ela causa tumultos nas cidades, é proibida por autoridades, não pode ser silenciada, é pregada primeiro entre judeus e depois entre não-judeus. E onde a Palavra é ouvida, a Igreja vai brotando nos lugares mais surpreendentes, nas ruas, nos cárceres e também nas casas de não-judeus. Os apóstolos mesmos se surpreendem. Eles próprios vão aprendendo que Deus não limita sua Igreja a um povo.

É útil dar atenção também à mensagem própria de Simão a Cornélio. Simão mostra que Deus estava desde o princípio com Jesus e que está também agora com Jesus, a ponto de não ter apenas revivificado Jesus através da ressurreição, mas de ter feito dele, pela ressurreição, o juiz de todos. E Deus está de tal maneira com Jesus após a ressurreição, que deu a ele o cargo de perdoar. E toda pessoa que crê nele recebe em seu nome a remissão dos pecados.

2. Pequeno aprofundamento e reflexões homiléticas

O que a história de Cornélio pode dizer a nós? Em primeiro lugar, ela nos quer ajudar a compreender que também hoje Deus não faz acepção de pessoas. Deus não olha para a cor, a raça, o nível social, a língua falada por alguém. Quem se reúne como Cornélio e seus familiares e amigos para ouvir a Palavra de Deus é abençoado. Onde a Palavra é anunciada, a Igreja brota também hoje. Onde a Palavra é ouvida, Deus dá o Espírito Santo. Para nós, que procuramos constantemente métodos de como edificar a comunidade, o livro de Atos dá uma informação teológica importante: a Igreja é fruto da Palavra de Deus. Ela surge hoje onde a Palavra de Deus é anunciada. Os reformadores lembram, no Artigo VII da Confissão de Augsburgo, que a Igreja “é a congregação de todos os crentes, entre os quais o Evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de acordo com o Evangelho”. Lucas mostra no livro de Atos dos Apóstolos exatamente isto: Deus não faz acepção de pessoas, e a Palavra de Deus alcança as ruas, supera fronteiras, e onde ela é anunciada vai brotando a Igreja.

Em segundo lugar, a história de Cornélio nos quer mostrar que Deus amarrou-se ao nome de Jesus Cristo. A prédica de Simão manifesta isso com clareza: a Jesus Deus deu o Espírito Santo. Com ele Deus estava nos seus dias na terra. Porque Deus estava com ele, Jesus fez o bem por onde andou. Da mesma maneira, Deus está com ele agora, depois da ressurreição. A prédica de Simão não reflete sobre o efeito salvífico da morte de Jesus (v. 39), mas ela acentua a ressurreição. E, para Simão, a ressurreição é mais do que uma revivificação de Jesus. A ressurreição é a instalação de Jesus em uma função, em um ministério, em um cargo: o cargo de juiz. E este juiz dá remissão dos pecados. Jesus é, para todos os tempos, o nome sobre todo nome.

Às vezes, desconfiamos dessa mensagem. Há algo em nós que nos impede de crer que Deus amarrou-se de tal maneira ao nome de Jesus. Às vezes, até preferimos viver com as nossas culpas e com o nosso pecado. Parece melhor. Mas se Deus nos anuncia essa mensagem, e se ele se amarrou ao nome de Jesus, então também temos que ter a coragem de crer em seu nome. E é para isso que a mensagem de Simão convida. Para que Cornélio e nós, os ouvintes de hoje, façamos experiências com a fé no nome de Jesus. É por meio deste nome que Deus dá libertação. Na prédica no dia da Páscoa, deve brilhar a mensagem da remissão de pecados no nome de Jesus.

Tendo que selecionar um tema para não se perder em muitos e acabar não dizendo nada, eu colocaria no Domingo da Páscoa a ênfase nestes dois tópicos: 1) Somos convidados a ser ouvintes da Palavra de Deus, como Cornélio e os seus. Deus não faz acepção de pessoas. Na Páscoa deste ano, somos encorajados a ver isso com mais clareza; 2) Deus se amarrou ao nome de Jesus. Essa decisão de Deus, tornada pública na ressurreição de Jesus, encerra o convite para crer em seu nome com mais intensidade do que temos feito até agora, para experimentar a renovação que vem de Deus por meio de Jesus.

O texto do Evangelho indicado, Mt 28.1-10, mostra que, apesar de os sacerdotes e fariseus mandarem lacrar a sepultura de Jesus (27.62-66), eles não conseguem barrar a ressurreição de Jesus. E quando Maria Madalena e a outra Maria chegam à sepultura, na manhã da Páscoa, elas encontram-se com o Senhor vivo, que as envia aos discípulos para anunciar-lhes que ele pretende encontrar-se com eles na Galiléia. A ressurreição não é para Jesus uma espécie de aposentadoria, depois de seu tempo na terra, mas já na manhã da Páscoa Jesus está atuante e põe em movimento as mulheres e os discípulos. Como o Pai, ele não dormita nem dorme (Sl 121).

O Salmo 118.1-2,13-24 é um hino de gratidão a Deus. O Salmo exalta a misericórdia de Deus, que não abandonou o aflito, antes o acudiu e salvou. Este Salmo foi lido pela primeira comunidade cristologicamente, e o v. 22 – “a pedra que os construtores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra angular” – foi usado no Novo Testamento para apontar para o que aconteceu na crucificação e ressurreição de Jesus. Jesus foi a pedra que os construtores rejeitaram, mas Deus fez dele, pela ressurreição, a pedra angular principal.

O culto da Páscoa não é uma oportunidade para proferir um discurso pré-elaborado, mas é um encontro de pessoas. Assim como Simão encontrou-se com Cornélio e seus parentes e amigos e perguntou antes o que ele levaria para esse encontro, para enriquecer o encontro, da mesma maneira nós perguntamos: o que vamos levar, como mensagem, para o culto da Páscoa? Às vezes, pensamos antes de uma visita em conversar sobre determinado assunto e somos depois surpreendidos com o fato de que o encontro transcorre de modo diferente do que planejamos. Isso faz parte da dinâmica de cada encontro. Também Simão foi surpreendido com o que aconteceu na casa de Cornélio. Assim podemos ser surpreendidos no culto da Páscoa com o que nele acontecerá. Talvez Deus fará algo inesperado. Mas é bom refletir sobre o que vamos levar como mensagem para esse culto.

Podemos perguntar naturalmente se Atos 10 é um texto adequado para o Domingo da Páscoa. Encontrei este texto indicado para o segundo dia da Páscoa, onde tem um lugar apropriado, e – por causa da temática do Espírito Santo, mas com outra delimitação – para o segundo dia de Pentecostes. O pregador ou a pregadora terá que decidir se vai fazer a experiência de pregar a partir dele na Páscoa. Claro que o recorte de Atos 10.34-43 não aponta nem para Cornélio, nem para o envio do Espírito Santo. Mas podemos e devemos isolar o texto de seu contexto, a ponto de não mencionar a edificante história de Cornélio, que dá vida ao texto?

Eu opto pelo texto indicado e, na Páscoa deste ano, não quero falar de Maria Madalena e das outras mulheres, mas de Simão e de Cornélio, e naturalmente de Jesus. A prédica poderia ter o seguinte roteiro: levar para o púlpito uma pedra resistente e bem formada. Explicar o que é uma pedra angular e que um construtor pode rejeitá-la, ao passo que outro pode fazer dela a pedra angular, principal, na construção de sua casa. Lembrar que pessoas também podem se sentir como pedras, tanto rejeitadas como valorizadas. Dizer então que, nesta Páscoa, vamos ouvir a história de Cornélio. Contar, em seguida, sua história. Mostrar que Simão Pedro fez a experiência de que Deus não faz acepção de pessoas. E que Cornélio também fez esta experiência. É isto que o Evangelho nos quer fazer descobrir nesta Páscoa. Expor em seguida o que Simão destacou ainda sobre Jesus: que a pedra que os construtores rejeitaram Deus transformou na pedra principal. Ajudar a comunidade a descobrir que Deus, que antes já se tinha amarrado a Jesus, com a ressurreição de Jesus se amarrou de tal forma a Jesus, que todo aquele que nele crê recebe a remissão dos pecados. Falar das resistências que há em nós para crer nessa mensagem e convidar para crer em Jesus com mais intensidade do que o fizemos até agora.

Destaco dois elementos homiléticos que podem auxiliar na reflexão. Karl Barth, teólogo (1886-1968), disse: “Quem ouviu a mensagem da Páscoa não pode mais andar por aí com o rosto trágico e levar a existência sem humor de uma pessoa que não tem esperança”. – Deus antes da Páscoa esteve com Jesus, e desde a Páscoa está com ele, em nosso favor. Quem conhece essa mensagem não pode de fato andar por aí com o rosto triste, como se não houvesse esperança para ele.

Christian Morgenstern, escritor (1871-1924), escreveu: “Quem desiste de Deus é alguém que apaga o sol para seguir o seu caminho com uma lanterna!” – Às vezes, seguimos nossa vida com uma lanterna, que quase não fornece luz para nossa vida, e desistimos do sol que é Jesus Cristo. E o sol está aí, desde a Páscoa, e ilumina o nosso caminho. Ele nos revela as manchas que há em nossa vida (juiz!). Mas Jesus é acima de tudo (porque em seu nome há remissão dos pecados) o sol que brilha para nós e alegra a nossa vida.

O Evangelho do domingo (Mt 28.1-10) pode ser apresentado pelos confirmandos. Um confirmando assume o papel de locutor e lê algumas partes, outras partes são lidas por um coro de confirmandos. Entre as cenas podem ser usados instrumentos da vida cotidiana, como chaves, pedras, caixas de papelão e garrafas, para manifestar com sons a dramaticidade do acontecimento da ressurreição e a alegria causada pela ressurreição de Jesus na manhã da Páscoa. – A oração de intercessão pode ser feita por jovens, adultos, homens e mulheres que permanecem durante a oração nos seus lugares. A oração pode ser elaborada em conjunto na semana que antecede o culto, e cada participante assume uma parte.

Bibliografia

No PL XIX há um auxílio homilético de Arteno Spellmeier e no PL 23 um auxílio homilético de Clemente Freitag, mas com outra delimitação e para outra ocasião, que deveriam ser consultados para aprofundar a exegese.
As duas citações no final foram extraídas de: AUEL, H.-H. et al. (Eds.). Zitate zum Kirchenjahr : eine Sammlung für; die praktische Auslegung. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1996.
KERLEN, E. Atos 10.34-43. In: Göttinger Predigt-Meditationen. Göttingen : Vandenhoeck & Ruprecht, 1984.
STECK, K. G. Atos 10.34-41. In: Georg EICHHOLZ (Ed.). Herr, tue meine Lippen auf. Wuppertal-Barmen : Emil Müller, 1959. v. 2.


Proclamar Libertação 27
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Baldur van Kaick
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa

Testamento: Novo / Livro: Atos / Capitulo: 10 / Versículo Inicial: 34 / Versículo Final: 43
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2001 / Volume: 27
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7159
REDE DE RECURSOS
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Nós te damos graças, ó Deus. Anunciamos a tua grandeza e contamos as coisas maravilhosas que tens feito.
Salmo 75.1
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