Tito 2.11-14

Auxílio homilético

25/12/1985

Prédica: Tito 2.11-14
Leituras
Autor: Luís M. Sander
Data Litúrgica: Natal
Data da Pregação:
Proclamar Libertação - Volume: XI
Tema: Natal

I — Introdução

É quase inevitável começar este auxílio homilético falando do problema que representa pregar em véspera de Natal. Esse problema resulta, em primeiro lugar, de um fato óbvio, constatado e lamentado vezes sem conta, mas mesmo assim digno de menção: Refiro-me ao fato de que a festa natalina foi, em grande parte, comercializada e desvirtuada (Schmidt, p. 263). Por esta razão, a tão decantada data magna da cristandade tornou-se, de um modo geral, uma festa caracterizada por um desconcertante sincretismo, em que se misturam as mais diversas e, por vezes, contraditórias emoções, motivações, significações e formas de expressão. Por esta razão, para o pregador, Natal é a festa mais difícil e escandalosa, em que muitos se irritam ao extremo, devido à distorção que ela sofre em relação ao seu verdadeiro significado (W. Hüffmeier, in: Proclamar Libertação, v. 7, p. 26). Esse sentimento de irritação será tanto maior quanto mais o pregador se considere um incorruptível guardião da ortodoxia e/ou ortopráxis cristãs. E ele poderá ser mais exasperador ainda se formos obrigados a constatar que, mais uma vez, nós mesmos corremos atrás de presentes e acabamos gastando muito dinheiro para pouco ou quase nada. E, tudo isso, num mundo cheio de necessidades (ibid.). É claro que a irritação com o desvirtuamento do significado do Natal não é injustificada. Ela pode ajudar-nos a não ceder com demasiada facilidade à tentação de uma coexistência pacífica com esse desvirtuamento, a ponto de nos conformarmos com qualquer coisa, desde que um bom número de pessoas marquem presença no culto do dia 24. Um tal conformismo é enganoso. Em meio à torrente de palavras ditas e escritas na época de Natal e comunicadas pelos mais diversos meios, tendo em vista o condicionamento da tradição e considerando o peso dos fatores seculares sobre a celebração dessa festa, até que ponto nossos ouvintes vão poder (e querer) perceber e expressar adequadamente o significado evangélico do Natal?

Os ouvintes e o contexto da prédica de véspera de Natal já foram descritos por outros, de modo que tomo a liberdade de transcrever aqui uma descrição que me parece pertinente: Certamente teremos uma audiência numerosa. Gente que está esperando algo, um toque espiritual na celebração dessa data festiva; uma orientação, uma explicação, talvez, quanto ao significado desse dia. Gente que cumpre uma obrigação, mas que está com pressa de voltar para casa para preparar o churrasco (quando pode dar-se a este luxo) e divertir-se com a família. Alguns são frequentadores assíduos, outros só vieram porque é um dia especial(...). O culto do dia de Natal é o ponto final de uma época de correrias, de preparação de programas, de compra de presentes, de barulho nas ruas, de propaganda agressiva convidando a comprar, comprar, comprar... O Natal já faz parte da religião secular do nosso mundo capitalista, como também a Páscoa, o Dia das Mães, o Dia das Crianças, etc. (G. U. Kliewer, in: Proclamar Libertação, v. 9, p. 147).

Não deixa de ser irônico e, talvez, até um tanto desanimador constatar que o Natal — que, em si, representa algo assim como uma solução — transformou-se, pelas razões mencionadas, num problema ou, no mínimo, numa data ambígua (para o pregador alerta; entre os ouvintes, certamente haverá pessoas que não estão conscientes da problemática implícita na forma como celebramos o Natal em nossa igreja e sociedade).

Por causa dessa problemática, é possível fazer da prédica de Natal um acerto de contas com a ambiguidade e as distorções que cercam essa data (e, implícita ou explicitamente, também com os ouvintes que não correspondem às expectativas do pregador). Uma outra possibilidade (bastante inusitada e arriscada) seria calar, fazer do silêncio um protesto mudo contra o desvirtuamento do Natal. No entanto, parece-me que o mero protesto — seja ele eloquente ou mudo — não faria justiça ao Evangelho nem às pessoas que, seja lá porque motivos, vierem à igreja na véspera de Natal. É preciso ponderar: Por causa da problemática de nossa celebração do Natal, o pregador naturalmente gostaria de aproveitar esta oportunidade para desabafar. Mas é importante que resista a essa tentação. É preciso aguentar. Tudo tem seu tempo. Natal não é hora de xingar, julgar, pregar moral. O mundo no qual Deus se fez carne não era nem pior nem melhor do que o mundo de hoje (...). Não será com a pregação de moral, com silêncio ou com xingação que o pregador conseguirá aproximar-se do mistério do Natal. O que deve determiná-lo é a certeza (...) de que a mensagem de Natal tem algo decisivo a dizer a todos os homens e a cada indivíduo (Hüffmeier, op. cit., p. 26s). Em outras palavras: Em que pese toda sua problemática atual (que não precisa nem deve ser ignorada pelo pregador na prédica), o Natal não representa apenas um problema, mas também uma oportunidade: A festa natalina é uma enorme chance para se proclamar a 'boa nova' (Schmidt, p. 263).

II — Texto

Antes, porém, de abordar essa oportunidade, gostaria de chamar a atenção para mais um problema, relacionado com o texto previsto para este dia. Para surpresa minha, descobri que essa perícope há muito tempo é usada por ocasião do Natal. Minha surpresa deve-se ao fato de que, não apenas quando da primeira leitura, Tt 2.11-14 não me pareceu um texto particularmente apropriado para a véspera de Natal. A rigor, unicamente o v.11 justifica sua indicação para esse dia: A aparição (epifania) da graça de Deus refere-se, aqui, ao nascimento de Jesus (Voigt, p.33s). Pelo menos é desta forma que o versículo tem sido tradicionalmente entendido. Além dessa alusão, o texto aborda uma série de tópicos que, tomados em seu conjunto, constituem, até certo ponto, algo assim como um compacto de teologia sistemática: A encarnação de Deus como graça e seu caráter salvífico em sentido universal (v.11); o caráter educativo da graça de Deus no sentido de nos possibilitar já agora (no presente século) uma nova vida numa tríplice dimensão — com vistas ao próprio eu, é uma vida de disciplina; com vistas ao próximo, uma vida de retidão; em relação a Deus, uma vida piedosa (Jeremias, p.73) —, que implica uma ruptura com formas de existência incompatíveis com a graça e a exigência de Deus (v.12); essa nova vida é vivida em esperança, no tempo intermediário entre a primeira e a segunda epifanias de Jesus (v.13); a aparição e obra de Jesus, em que se manifesta definitivamente a graça de Deus, não se resume à encarnação, mas alcança seu ponto culminante em sua entrega por nós; desta forma, ele reúne em torno de si pessoas de sua propriedade, que aceitam conscientemente a graça universal de Deus, revelada na pessoa e obra de Jesus, e que correspondem a ela através de boas obras (v. 14).

Com relação ao v.12, cumpre observar que a nova vida possibilitada pela aparição de Jesus é descrita com termos do ideal de vida da ética grega (cf. Voigt, p.34; Jeremias, p.73; Ruhbach, p.37s). Ou seja: Uma vida sensata, justa e piedosa não é, em si, uma proposta específica ou exclusivamente cristã. Em que ela se distingue de outros Ideais de vida, tais como o grego, do qual o autor da carta assumiu os termos com que caracteriza a existência sob a graça? Jeremias afirma a esse respeito: Onde a graça de Deus atua, torna-se realidade o que a ética grega esperava da própria força e o que, por isso, exigia em vão. Não obstante o uso dos mesmos vocábulos, abre-se aqui todo o abismo que separa a ética cristã da não-cristã, seja esta judaica ou grega. Lá, a força motriz da moralidade é a exigência da lei ou da razão ou da consciência, exigência essa que coloca o ser humano perante um 'tu deves' que ele não pode cumprir; o cristianismo conhece um novo motivo da ética, motivo esse que concede a força para cumpri-la: 'a graça educa'. A gratidão (...) pelo perdão de Deus é a nova força motriz, através da qual a graça educadora de Deus age como força de santificação (p.73). A espiritualidade e ética cristã (a. vida sensata, justa e piedosa, juntamente com suas boas obras) distingue-se, portanto, por seu fundamento e por sua motivação: a graça salvadora e educadora de Deus, revelada na encarnação (isto é, não apenas no nascimento, mas também na história e no destino) do Filho.

Quanto ao conteúdo do texto, vale a pena destacar ainda a conexão, nele implícita, entre encarnação (v.11) e crucificação (v.14). Essa conexão é significativa (podendo, por isto, ser explorada na prédica) porque nos permite destacar o alcance e a profundidade da solidariedade redentora e libertadora de Deus. Ao contrário do que a atual atmosfera natalina poderia fazer crer, a epifania da graça de Deus neste mundo não constitui um idílio inofensivo, que se prestasse a suscitar e reforçar reações sentimentalóides. Trata-se, isto sim, de uma graça preciosa ou cara, nos termos de Bonhoeffer. Existe uma coerência profunda e uma unidade última entre a manjedoura e a cruz. Identificando-se com o homem morto chamado Jesus de Nazaré em favor de todos os homens, ele (se. Deus) se revela como um ser que ama infinitamente o homem finito. (...) É amando que Deus move a si mesmo a ajudar o morto, o negativo, o maldito, de tal forma que ele não se esquiva da morte, da negação e da maldição. (...) Não se deve repetir a afirmação da igreja antiga a respeito da encarnação de Deus sem articular, ao mesmo tempo, também isso. O fato de Deus tornar-se homem implica que ele compartilhe a miséria da morte com o homem. Sem essa implicação, a confissão da encarnação não passa de palavrório enfático (E. Jüngel, Tod, Gütersloh 1979, p. 139s).

De qualquer forma, nossa perícope nos coloca ante um dilema: Devido a seu conteúdo abrangente, ela não se presta a uma abordagem mais profunda de todos os tópicos que menciona. Caso fizermos uma tal tentativa, estaremos correndo o risco de brindar os ouvintes com um pequeno tratado de teologia sistemática, talvez pouco atrativo e de difícil digestão (nesta direção vai a meditação de Beckmann). Caso optarmos por explorar um determinado aspecto da perícope (o que me parece mais realista), devemos estar conscientes de que não poderemos fazer justiça ao texto em seu conjunto. Neste sentido, uma possibilidade seria concentrar-se nas implicações éticas do Evangelho de Natal. Esta possibilidade representa uma forma de combater a ambiguidade e as distorções de nossos festejos natalinos. Além disso, ela possui apoio na intenção da própria perícope: O acento de nosso texto reside na indicação de que a graça não só apareceu, mas também sempre produz efeito (Ruhbach, p.39).

No entanto, também neste caso temos que nos defrontar com pelo menos um problema, que não se restringe à perícope em pauta, mas se estende à ética de todas as cartas pastorais. Essa problemática poderia ser resumida na seguinte pergunta: Sob que condições e até que ponto o conteúdo da parênese das cartas pastorais é válido em nosso tempo e contexto? O que constatamos com relação ao v. 12 vale para as cartas pastorais como um todo: A espiritualidade e a ética por elas propostas são articuladas com a ajuda de conceitos basilares da religiosidade e moral vigentes em seu tempo e contexto (particularmente no mundo helenístico). Elas refletem e visam um cristianismo integrado na sociedade (cf. H.-D. Wendland, Ética do NT, São Leopoldo 1974, p. 114ss), ao qual se atribuiu, não sem razão, o epíteto de burguês (M. Dibelius). Pode-se, também não sem razão, destacar o lado positivo desse procedimento (nesta direção vai a meditação de Ruhbach), afirmando que ele visa tornar praticável, dentro do contexto sócio-religioso em que as cartas pastorais foram escritas, a pregação cristã. Em resumo: (...) o 'éthos' das cartas pastorais é determinado por entendimento, sensatez e moderação cristãs. É uma ética sóbria e ao mesmo tempo praticável, que se mantém independente tanto do libertinismo como do ascetismo da época (H.-D. Wendland, op. cit., p.117).

Por outro lado, seria problemático trasladar diretamente esse ethos para o nosso tempo e contexto: cf., p. ex., os deveres das várias classes de pessoas crentes (título da versão de Almeida) em Tt 2.1ss, que terminam admoestando os servos à submissão(acrítica e, aparentemente, irrestrita e incondicional) aos seus senhores, sem que destes (se é que os havia entre os destinatários da parênese) se exija qualquer atitude correspondente. Quem seriam os servos e os senhores em nosso tempo e contexto? Recomendar aos servos de hoje que se submetam dessa forma aos seus senhores seria a forma mais adequada de dar expressão ao duplo mandamento do amor (que resume, fundamentalmente, a ética cristã)? No entanto, uma tal transposição mais ou menos direta seria problemática não apenas em termos de conteúdo: A expressão paixões mundanas (v. 12), p. ex., provoca quase que inevitavelmente entre os ouvintes (e entre os pregadores?) mal-entendidos e associações errôneas, na medida em que dá margem a uma falsa identificação da criação de Deus com a rebelião contra o desígnio do Criador (cf. Voigt, p. 37) e em que, conseqüentemente, pode ser usada para fomentar a repressão da sexualidade, característica de não poucos grupos de cristãos. (Os comentadores afirmam que o termo mundano deve ser entendido no sentido joaneu: cf. 1 Jo 2.16.) Quem optar por essa possibilidade precisa, de qualquer forma, responder (para si mesmo e para os ouvintes) a pergunta: Em que consistiria, em nosso tempo e contexto, uma existência sensata, justa e piedosa? Quais seriam os valores veiculados em nossa sociedade e cultura que se prestariam a dar expressão ao duplo mandamento do amor tendo em vista a problemática específica de nosso tempo e contexto e que poderiam, portanto, num procedimento análogo ao do autor da carta a Tito, ser adotados para articular uma ética para os dias de hoje?

Quero transcrever aqui ainda três citações que me parecem relevantes neste sentido. A primeira, de M. Lutero, refere-se à liberdade e criatividade da pessoa cristã no âmbito da ética: Se temos Cristo, então criaremos novas leis com facilidade e julgaremos tudo corretamente. Sim, faremos (até) novos decálogos, assim como o fez Paulo em todas as suas cartas, também Pedro, e, em primeira linha, Cristo no Evangelho. E esses decálogos são mais claros que o de Moisés, assim como o semblante de Cristo é mais claro que o de Moisés (ap. J. M. Lochman, Wegweisung der Freiheit, Gütersloh 1979, p. 13). A segunda citação exprime, de modo provocativo, a problemática implícita na tentativa de utilizar a própria carta de Tito como subsídio normativo (em sentido imediato): Temos diante de nós uma carta que urge uma sociedade de lei e ordem, na qual se propõe moral burguesa como obediência fiel ao Evangelho. A imagem do homem com que o texto nos confronta evoca uma antropologia vitoriana com todo seu autodomínio, sua submissão frente às estruturas e sua aceitação do lugar dado por Deus a cada um na sociedade. Nosso texto dá a impressão de que evoca a encarnação para justificar e ideologizar tudo isso, e essa invocação do argumento mais forte tem, aparentemente, a f unção de reduzir ao silêncio toda crítica e toda dúvida (A. van den Heuvel, ap. Ruhbach, p. 38). Por outro lado, a forma como o autor da carta recorre a padrões éticos já existentes em seu meio ambiente para formular sua parênese deixa claro que a fé viva sempre se articula com vistas a uma situação histórica, não podendo, por isto, ser fixada de uma vez para sempre nem numa conceptualidade teológica nem num sistema ético de valores (Ruhbach, p. 38).

III — Indicações para a prédica

Após explorar a problemática e as possibilidades da ocasião e do texto, quero concluir esboçando, a título de sugestão, a maneira como eu articularia a prédica:

Antes de mais nada, eu não usaria Tt 2.11-14 como texto de prédica em sentido imediato, mas como leitura bíblica. Como texto de prédica eu recontaria, com palavras próprias e acrescido de detalhes tirados da própria imaginação (porém em consonância com o sentido do testemunho bíblico), o relato do nascimento de Jesus de Lc 2.1-20. Neste sentido, talvez seja recomendável iniciar a prédica explicando que a encarnação mencionada em Tt 2.11 não é um acontecimento punctiforme, mas possui uma história, a história de Jesus, que culmina em sua crucificação (e ressurreição).

Depois de recontar a história de Natal, eu acrescentaria uma reflexão despretensiosa sobre o significado do Natal. Essa reflexão poderia explorar um dos aspectos contidos em Tt 2.11-14 e mencionados acima. Ela também poderia ser mais genérica, mais ou menos nos seguintes termos:

Essa é a história do nascimento de Jesus, que todos nós certamente já ouvimos mais de uma vez. Essa é a mensagem de Natal: Em Jesus, Deus se fez homem para nos dizer inequivocamente que nos quer bem, em que pesem as evidências em contrário. O problema com essa história e mensagem de Natal é que ela é, pelo menos aparentemente, tão conhecida que, quando a escutamos, vamos logo pensando: Ah, já sei o que vem agora. E com isso acabamos deixando de ouvir a história e de captar sua mensagem. Qual é mesmo a mensagem de Natal? Talvez o seguinte episódio possa ajudar-nos a entendê-la melhor (cf. para o que segue Heinzelmann, p. 7s):

Certa vez um menino veio com a avó à igreja já decorada para o culto de Natal. A avó lhe mostra o presépio e lhe explica detalhadamente o que tudo aquilo quer dizer. O menino escuta atentamente a explicação, enquanto examina com o olhar, uma a uma, as figuras do presépio. Finalmente, ele se vira para a avó e diz, num misto de surpresa e admiração: Puxa, vovó, mas como Deus é pequeno!

Essa afirmação pode ajudar-nos a redescobrir a mensagem de Natal, pois ela chama nossa atenção para o fato de que Deus não se revelou da forma como as pessoas esperavam. Elas esperavam — e esperam ainda hoje — que Deus fosse maior, muito maior, o maior de todos. No entanto, à primeira vista, o que aconteceu naquela noite em Belém não foi nada de tão extraordinário assim. Um recenseamento por ordem do imperador, uma viagem forçada, uma estalagem lotada, um parto em condições precárias — coisa que, aliás, acontece ainda hoje nas favelas e malocas desta terra, em que os grandes ainda fazem os pequenos correr de cá para lá. E, à primeira vista, também aquele bebê era apenas um bebê como qualquer outro dos milhões que nascem ainda hoje. Foi preciso que Deus enviasse um mensageiro para deixar claro o que de fato estava acontecendo: Aí nessa criança aparentemente sem poder e sem importância está o Libertador de vocês, de todas as pessoas. Ele é Deus mesmo feito um de nós. Acontece que, para poder reconhecer nele o Deus conosco, nós temos que abandonar nossa mania de grandeza (talvez ela seja um dos sintomas da impiedade de que fala Tt 2.12) e aceitar a pequenez de Deus. Pois em Jesus, Deus se fez pequeno — não para se esconder, mas para chegar mais perto de nós, tão perto quanto possível. Deixemos que o mesmo mensageiro nos diga, com as mesmas palavras, o que de fato aconteceu naquele dia e que vale da mesma forma para nós hoje: Estou aqui para trazer boas notícias a vocês, e elas vão ser motivo de grande alegria para todo o povo (cf. a universalidade da graça em Tt 2.11)! Hoje, na cidade de Davi, nasceu o Salvador de vocês — Cristo o Senhor.

Para redescobrirmos a mensagem de Natal, é preciso que alguém nos diga e que nós nos demos conta: Puxa, mas como Deus é pequeno! Pois também a pequenez de Deus (em jargão teológico: a abscondidade da revelação de Deus na manjedoura e na cruz) faz parte do Natal e daquilo que ele significa para nós (não obstante a expressão grande Deus em Tt 2.13). Em Jesus, Deus se fez homem, se fez uma criança necessitada e vulnerável, para ser assim como tu e eu. Em Jesus, Deus mesmo se fez pobre e oprimido para que eles não estejam sozinhos em sua luta e para que não precisem abdicar da dignidade que possuem na qualidade de criaturas de Deus e destinatários privilegiados do Evangelho. Em Jesus, o próprio Filho de Deus se deixou crucificar (cf. Tt 2.14), para que quem sofre não mais precise sofrer em solidão absoluta e sentir-se totalmente desamparado por Deus. Em Jesus, o próprio Deus tomou o pecado humano sobre si, para que ninguém precise dizer que está excluído da comunhão com Deus por causa do pecado. A manjedoura e a cruz significam: nada do que é humano é estranho a Deus.

É isso que quer dizer o Natal: Deus está conosco. Nós não estamos sós. E a pequenez de Deus quer dizer que a salvação não começa com um toque de mágica, com um abracadabra qualquer, nem com o emprego da violência, com um toque de avançar sobre o inimigo, nem com uma festividade impressionante, ao som de fanfarras e foguetes, mas sim com aquela criança aparentemente sem poder e sem importância. A questão é se nós estamos dispostos a reconhecer nele o Deus conosco, o Libertador prometido por Deus e esperado pelas pessoas, se estamos dispostos a render graças a Deus por ele se ter feito tão pequeno por nossa causa, e se estamos dispostos a corresponder â pequenez de Deus solidarizando-nos com os pequenos deste mundo. Não é nisso que consiste a existência sensata, justa e piedosa, consequência da revelação da graça salvadora e educadora de Deus em Jesus de Nazaré?

IV — Subsídios litúrgicos

Quanto aos subsídios litúrgicos, sugiro que sejam elaborados por ou com um grupo de membros da comunidade. Seria uma forma, ainda que limitada, de dar expressão ao caráter comunitário do culto evangélico, ainda por demais monológico. (De resto, volumes precedentes de Proclamar Libertação já oferecem subsídios litúrgicos para os cultos de Natal.)

V — Bibliografia

- BECKMANN, J. Meditação sobre Tito 2.11-14. In: Hören und Fragen, v. 6, Neukirchen-VIuyn, 1971, p. 47-55.
- CONZELMANN, H. & LINDEMANN, a.Arbeitsbuch zum Neuen Testament, 6a. ed.,Tübingen, 1982, p.244-249.
- FEINE, P.; BEHM, J.; KUEMMEL, W.G. Einleitung in das Neue Testament, 16a. ed., Heidelberg, 1970, p. 265-280.
- HElNZELMANN, S. Weihnachtsgrüsse, n.° 44, Neuffen, 1979.
- JEREMIAS, J. Die Briefe an Timotheus und Titus. In: Das Neue Testament Deutsch, v. 9,11a. ed., Göttingen, 1975.
- RUHBACH, G. Meditação sobre Tito 2.11-14. In: Göttinger Predigtmeditation, Göttingen, 28(1973/74):32-40.
- SCHMIDT, E. Meditação sobre Tito 2.11-14. In: Proclamar Libertação, v. 2, São Leopoldo, 1977, p. 263-268.
- STECK, K.G. Meditação sobre Tito 2.11-14. In: Hören und Fragen, v. 4/1, Neukirchen-VIuyn, 1975, p. 34-42.
-VOIGT, G. Meditação sobre Tito 2.11-14. In: ___ .Der zerrissene Vorhang, v. 1, Göttingen, 1969, p. 33-38.
- WIMMER, U. & KOEPPEN, W. Meditação sobre Tito 2.11-14. In: Predigtstudien für das Kirchenkjahr 1979/80, v. 1, Stuttgart e Berlin, 1979, p. 44-56.

Proclamar Libertação 11
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Luís Marcos Sander
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Natal

Testamento: Novo / Livro: Tito / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 11 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1985 / Volume: 11
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7247
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