O Pai Nosso - A Primeira Petição

Auxílio Homilético

21/03/1982

Santificado seja o teu nome

Geraldo Graf

I - O nome de Deus é santo

É preciso, em primeiro lugar, estabelecer o seguinte critério: Para a pessoa atual, secularizada, esta petição, como expressão, faz parte da rotina de sua vida e não desperta mais o temor, tremor, medo e pasmo como nas primeiras pessoas que tiveram uma experiência concreta com Deus (Qn 28.17 e Êx 3.6). A expectativa é muito maior para aquele que é encontrado por Deus no camtnho de sua vida do que para aquele que, desde o nascimento, já está enquadrado e documentado como cristão. A desvalorização do termo santo já começou na Igreja Primitiva, pois se acentuou que cada um, ao ser tocado por Deus, no Batismo, se tornava santo. Na análise deste tema não podemos fugir destes fatos.

Na Bíblia, sempre que acontece a experiência Deus — pessoa, isto acontece nurn campo bem pessoal — humano, não individualista — Deus se comunica com a pessoa. Na experiência de Deus com Moisés fica evidente a expectativa humana em saber algo mais acerca de Deus. O homem sente a experiência divina nos frutos que ela traz, no ambiente em que o ser humano vive. Moisés pergunta pelo nome de Deus. Nem este é dado ao conhecimento humano. O nome de Deus é mistério. O nome de Deus faz parte do sagrado, santo, não pode ser usado pela pessoa indevidamente. Aiiás, o nome de Deus é a única coisa que o homem pode usar, mas existem regras estabelecidas quanto ao seu uso: o Segundo Mandamento e a Primeira Petição. O nome de Deus somente pode ser usado para louvor, agradecimento e para invocá-lo em todas as necessidades.

Deve ficar claro que não é a pessoa que estabelece o contato com Deus nem determina a forma do mesmo. A pessoa deve submeter-se inteiramente ao nome de Deus (ou melhor, a Deus mesmo), da mesma forma como Moisés tirou suas sandálias, pois o lugar onde pisava era santo. Conclui-se, pois, que o ser santo também não é critério humano nem meta atingível pelas pessoas. Santo é ali onde Deus está. A reaçâo da pessoa, quando percebe a experiência com Deus (reconhecimento) é de temor, terror e medo, toma conhecimento de sua dependência, de sua limitação, de sua fraqueza, de sua culpa. Sente-se menor ainda, quando percebe que só Deus pode estabelecer contato, relacionamento. Cristo é a ponte que Deus lançou em direção das pessoas. Poderíamos afirmar que Cristo é a forma mais concreta que temos do nome santo de Deus.

No Novo Testamento, Cristo é chamado santo em oposição ao profano, como na expulsão dos demónios (Mc 1.24) ou na confissão de Pedro (Jo 6.69). Ao ensinar o Pai Nosso, Jesus dá mostras de que a santidade não é uma meta atingível humanamente. A santidade efetua-se dentro de um processo, uma dinâmica, que só se concretizará plenamente no venha o teu reino, a prece seguinte.

Aqui entra um elemento novo: o Espírito Santo. O Santo do Espírito determina que ele não é uma força obscura qualquer, mas que procede do Santo que é Deus. Está profundamente ligado ao Santo, Cristo, pois através dele se anuncia a Boa Nova (Mt 3.11; Lc 1.35; Jo 20.22). Através dele (At 2.4) forma-se o novo povo de Deus (Rm 15.16; Ef 3.16). O Espirito Santo é o meio que Deus usa para santificar. É pelo Espirito Santo que Deus chega ainda mais perto da pessoa, sim, penetra e habita nela (1 Co 6.19). Novamente deve ficar evidente que a pessoa não pode tomar iniciativas. É Deus quem é santo, é Deus quem envia o Espírito Santo, é Deus quem santifica. A pessoa recebe e deve perseverar.

Através do Espírito Santo â pessoa não se sente entregue a forças abscuras, mas sabe que o seu Senhor é Deus. Sabe que uma ponte foi lançada e que pode orar, pois foi feito também filho do Pai Santo (Jo 17.11). Mas, simultaneamente, a pessoa não pode perder de vista que persiste uma distância entre Deus e ela, que esta distância não pode ser diminuída pelo lado humano (Mt 6.9 e Lc 5.4ss). Poderíamos ilustrar (com todas as imperfeições de uma ilustração) esta situação, imaginando a pessoa segurando a extremidade inferior de uma longa corda e estando sem apoio sob os pés. O peso do próprio corpo (obras) puxa a pessoa para baixo e não para cima. E quanto mais força a pessoa fizer para subir, tanto mais enfraquece, mais seu próprio corpo puxará para baixo. Se a pessoa, porém, toma a consciência que o importante é segurar na corda (o resto Deus faz), haverá tempo e disposição para olhar em torno de si e descobrir todos os outros que também necessitam desta corda e, porventura, estão sendo pisados, na tentativa da própria pessoa de achar apoio para os pés. Um outro extremo da situação (negativo) seria a pessoa desprezar e não querer agarrar a extremidade da corda (pecado consciente). A corda simboliza o Santo que se lança (ponte) à pessoa, em Cristo.

II — A Primeira Petição desobriga-nos da santificação do próprio nome e nos conduz à santificação do nome de Deus

O nome de Deus não tem a necessidade de ser santificado, pois já é santo por si mesmo e sem a nossa interferência. O nome de Deus é eterno. Já antes dos tempos, antes da criação do mundo e, portanto, antes da existência das pessoas e das cousas criadas, o seu nome já era santo. E o será também depois dos tempos, quando já não houver mais vestígio humano sobre a terra. Diz Lutero: O nome de Deus por si mesmo é santo. Na oração do Pai Nosso pedimos que o nome d« Deus seja santificado entre nós. A nós humanos não é permitido usar Deus, apenas o seu nome, e com restrições. Como também não podemos usar uma outra pessoa nem difamar o seu nome sem com isto sofrer ou provocar uma série de consequências! A proteção da pessoa • do nome do outro deriva-se do mandamento de Cristo sobre o uso do nome de Deus — Pai Nosso.

Deus não precisa de nós para ser santo. Portanto, não estamos fazendo nenhum favor para Deus (certamente acontece o contrário). Nós não santificamos o nome de Deus, mas precisamos pedir que o nome de Deus seja santificado entre nós (não só em nós — caráter muito Individualista). Se nós precisamos pedir, é sinal de que o nome de Deus não é suficientemente santificado entre nós. Ao orar o Pai Nosso fazemos uma confissão de fraqueza e culpa. O significado desta Primeira Petição se cruza com o significado do Batismo: Nós pessoas nada temos de bom a apresentar para Deus; por mais que nos esforcemos, sempre seremos imperfeitos, fracos, infiéis. Por nós mesmos jamais seremos santos. Dependemos inteiramente da bondade e da compaixão de Deus. Todo o nosso agir perante Deus jamais é iniciativa nossa, mas sempre será resposta àquilo que Deus/á fez por nós (como compreender a comunhão dos santos no Terceiro Artigo?).

Precisamos lembrar o que diz o Segundo Mandamento (com explicação de Lutero). Ê mais fácil e comum usar o nome de Deus â toa (em vão). Abusamos do nome de Deus em todas as situações nas quais deixamos de viver como filhos de Deus (desprezamos a corda que Deus nos lança), onde deixamos de espelhar, com a nossa vida, a vontade de Deus. Por isso precisamos pedir, no Pai Nosso, por forças para poder persistir na santificação do nome de Deus entre nós. O ideal seria um ser humano poder olhar para o outro e ver nele espelhada plenamente a vontade de Deus. Seria o auge da santificação. Mas, fiquemos com os pés na terra e nos coloquemos na nossa real situação. Se humanamente fosse possível alcançar tal ideal, não haveria mais necessidade de orar o Pai Nosso. Deve ficar claro que na santificação do nome de Deus não se trata de um fervor individualista, mas de relacionamento humano sob a vontade de Deus.

O termo santo inclui todas as virtudes, qualidades: paz, verdade, justiça, bondade, pureza, misericórdia (cf. as bem-aventuranças em Mt 5) e o amor (1 Co 13). Santificar o nome de Deus significa praticar estas virtudes constantemente, ou persistir nelas. A pessoa não pratica estas virtudes para si mesma, mas sempre no relacionamento com o próximo. Aqui entra fortemente o Segundo Mandamento como corretivo das infracões ocorridas ou em vias de ocorrer. Qualquer infra-ção contra uma das virtudes acima citadas é uma infração contra o nome santo de Deus. Aqui o pregador deve concretizar seu trabalho com exemplos ocorridos a nível local ou geral, de como des-santificamos, abusamos, profanamos o nome de Deus. O termo justiça, com seus derivados paz e verdade e amor, encabeça a lista. A situação brasileira atual, por exemplo, é um berrante abuso do nome de Deus. O indivíduo pode estar levando uma vida fervorosa, mas deixar que as coisas aconteçam, a sua omissão como cristão ou até a sua colaboração e participação na injustiça, na violência, na mentira e na exploração do mais fraco pelo mais forte, hão o deixam em situação muito confortável diante de Deus. Ele é igual aos infratores diretos. Diz o ditado: Quem cala, consente. E como cristãos brasileiros estamos na situação de calados frente á injustiça reinante: inflação galopante, recessão económica, consequente desemprego em massa, falência da agricultura. E o cristão acha que não tem nada a ver com isto!

Praticar as virtudes é defender a justiça, é envolver-se com a paz, é lutar pela verdade. Quem conseguir safar-se da ilha da própria (e falsa) santidade e envolver-se mais com este mar profano que o envolve, estará começando a entender a sua tarefa cristã. Este será bem-aventurado. Perderá o medo até do sacrifício: Quem perder a sua vida por minha causa, vai achá-la (Mt 10.39).

Porém, não pense o cristão que consegue resolver os problemas do mundo por próprias forças! A desordem que existe no mundo é prova da nulidade do esforço humano. Quanto mais se fala em paz e justiça, tanto mais há transgressões das mesmas. Jesus nos ensina que nós não resolvemos nada sozinhos, mas que temos a necessidade de invocar o nome de Deus. O Pai Nosso nos coloca na condição de reconhecer que só Deus pode transformar o mundo (para melhor; nós só sabemos estragar). Ele quer usar-nos como seus instrumentos, mas não precisa. O Pai Nosso quer fazer-nos reconhecer nossa dependência de Deus e necessidade de obediência.

III — Tentativas de uma santificação individual

Vivemos numa época de reavfvamentos espirituais. O indivíduo chega muito facilmente à impressão de ter, agora, a posse definitiva da •entidade. Esta impressão é reforçada pela ocorrência de mudanças d« atitude: antes um pecador, agora uma vida regrada e piedosa. E, para adquirir segurança, a pessoa começa a comparar-se com outras, geralmente mais profanas, mundanas, aquelas que propositalmente abusam do nome de Deus. Isto dá segurança, embora falsa, para aquele que procura levar uma vida mais regrada. Lutero afirma que aquelas pessoas que se comparam com o mais fraco, com o mais pecador, e assim se julgam santas, justas, não lembram que abusam do nome de Deus da mesma forma como os que o usam para o mal. Aquele que se julga melhor (e que certamente gosta de reconhecimento) automaticamente está julgando o seu próximo. O piedoso deve saber que também está na extremidade inferior da corda (cf. o exemplo citado). Portanto, se deseja traçar uma comparação de virtudes, que o faça com quem é perfeito, santo. Então descobrirá que, diante de Deus, também não passa de um pecador que necessita da misericórdia divina. Aliás, ninguém é dono das virtudes, mas deve praticá-las. Se alguém leva vantagem — uma vida mais regrada — que a use para servir e ajudar o próximo, não para julgar ou desprezar o mais fraco.

O Pai Nosso nos ensina a não desesperar, mas a procurar e confiar na graça e ajuda de Deus. Só Deus pode santificar. Deus só considera bom aquele que reconhece a sua situação e sinceramente confessa que desonra o nome de Deus, procurando, assim, viver na justiça de Deus. Aquele que despreza e desobedece a Deus, assim como também aquele que confia na sua própria santidade (consciência), não admitindo ter abusado do nome de Deus, não tem muita chance diante de Deus.

O Pai Nosso quer colocar-nos no devido lugar. O fato é que iodo* as pessoas são abusadoras do nome de Deus, umas mais, outras menos. Enquanto vivemos escandalizamos, abusamos, desonramos, des-santificamos o nome de Deus.

IV — Sugestão para uso

Para prédica dialogada ou como tema de estudos em grupos de Comunidade.

1. Iniciar com o chavão: fazer nome. Analisar o que isto significa no relacionamento entre as pessoas e quais as consequências.

2. O fraco, o sem nome, sem vez, o índio, a criança, o sem honra, o sem título, o sem direito à raça, nestes mais facilmente se santifica o nome de Deus, pois nada têm para apoiar-se. Dependem inteiramente da graça de Deus. O falso piedoso não aceita isto, pois julga santificar o nome de Deus através do seu próprio esforço em levar uma vida regrada. Analisar esta tese com o grupo, ouvir e coletar suas impressões.

3. Apresentar, baseado no exposto acima, a nossa situação como profanadores por excelência do nome de Deus.

4. Explicar a ilustração da corda.

5. Cristo nos ensina a orar o Pai Nosso; consequências práticas do pedir: Santificado seja o teu nome.

V — Subsídios litúrgicos

1. Hinos: 163; 161; 171; 133 (hinário velho)

2. Intróito: Salmo 99

3. Absolvição: Efésios 2.4-5

4. Evangelho: Lucas 7.36-50

5. Epistola: Efésíos 4.25 - 5.2

6. Confissão de pecados: Senhor, santo e poderoso Pai! Confessamos a ti todos os nossos pecados, Reconhecemos que conduzimos a nossa vida de tal maneira que ela se transformou num constante pecar. Teimamos em ser os nossos próprios senhores. E, quando fracassamos, recorremos aos falsos deuses da superstição, nos agarramos no poder do dinheiro, ou até nos escondemos sob o manto de uma falsa religiosidade. Moldamos um deus à nossa imagem.

Seguidamente calmos no erro de nos considerarmos bons e justos. Julgamos o nosso próximo pelas suas fraquezas e nos satisfazemos com o nosso aer religioso. Consideramos que a comunhão dos santos è apenas o nome dado aos bons e justos da comunidade. Perdoa-nos, Senhor, por este violento pecado, ao querermos considerar-nos melhores do que os outros e perdoa-nos também por te desrespeitarmos completamente ao agirmos como se a santidade fosse fruto de um esforço humano.

Confessamos também a nossa desobediência aos teus mandamentos. Ajuda-nos para que a nossa vida não continue assim. Age em nossa vida, mesmo que seja de forma dolorosa; abre os nossos ouvidos ao teu chamado. Perdoa-nos, Senhor, em nome de Jesus Cristo!

7. Oração de coleta: Senhor! Estamos reunidos, como comunidade, diante de ti. Trouxemos a ti o nosso louvor, adoração e agradecimento, além de nossas angústias, sofrimento e pecados. Ajunta os nossos pensamentos para qut a tua Palavra penetre em nossos corações e transforme as nossas vidas. Tira-nos do nosso individualismo, santifica-nos dentro da comunhão com Jesus Cristo e com todas as pessoas. Derrama o teu Espirito Santo para que percamos o medo e a preguiça, tornando-nos mensageiros da tua palavra em todos os lugares e em todas as situações, não deixando que ameaças ou corrupções façam calar nosso testemunho do teu amor, da tua paz e da tua justiça. Amém.

8. Oração de intercessão: Misericordioso Pai! Ouvimos a tua Palavra e o ttu chamado. Envia-nos agora para o mundo, onde devemos ser testemunhas do teu amor. Dá-nos a tua bênção, da qual tanto necessitamos e sem a qual não conseguimos viver.

Pedimos pela divulgação da tua Palavra. Dá que todas as pessoas anunciem esta Palavra com sinceridade, para que o teu nome possa ser santificado entro nós. Não permitas que nos consideremos melhores do que os outros. Voltamos agora para os nossos lares: Pedimos que nos dês a disposição para aproveitarmos o nosso tempo ajudando as pessoas em suas dificuldades. Dá que o nosso trabalho seja honesto, não nos aproveitando de outras pessoas, dos empregados, para o próprio benefício.

Ajuda para que a nossa família possa viver na bênção concedida no dia do casamento. Ajuda para que o amor e a fidelidade sejam levados a sério e sempre renovados em ti. Dá que pais e filhos possam respeitar-se mutuamente.

Senhor, vivemos cada vez mais em crises e dificuldades. Nós te pedimos: age com poder para que a ganância e o logro, a violência e a guerra sejam eliminados. Não deixes calar o nosso testemunho contra a injustiça reinante neste mundo.

Pedimos também por aqueles que estão cansados, aflitos, doentes e tristes. Consola, fortalece pela tua Palavra. Usa-nos como teus instrumentos para que estas pessoas sejam socorridas, visitadas, ajudadas.
Senhor, ansiamos pelo teu Reino. Faze-nos anunciadores da tua Boa Nova para todos os povos. Amém. Pai Nosso...

VI — Bibliografia

BAUER, J.B. Artigo Santo. In: Dicionário de Teologia Bíblica, Vol. 2. São Paulo, 1973, pp. 1050-1054.
LUTHER, M. Deutsche Auslegung des Vaterunsers für die einfältigen Laien. In: Calwer Luther-Autgabe. vol. 3. München/Hamburg, 1965.
LUTHER, M. Derg rosse Katechismus. In: Calwer Luther-Ausgabe. Vol. 1. München/Hamburg, 1965.


Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia


Autor(a): Geraldo Graf
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1982 / Volume: Suplemento 1
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 7300
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