Crise interna - 1991

Carta Pastoral da Presidência

09/01/1991

Um novo ano iniciou, mas as marcas do passado nos acompanham. Grandes incertezas pesam sobre nós. No momento em que escrevo ainda é desconhecido o desfecho que terá a crise do Golfo Pérsico. Da mesma forma angustia a dramática situação econômica em nosso país, ameaçando agravar ainda mais a violência, o desemprego, a miséria e outros males sob os quais sofremos.

Essa situação de incerteza e temores talvez explique em parte a preocupação que me faz escrever e que julgo dever compartilhar. Multiplicaram-se, no decurso do ano de 1990, os sinais de estafa e desânimo na IECLB. Cresceram os conflitos e as tensões, exteriorizando-se não raro em agressões, desabafos ou manifestações de resignação. Voltaram a se acentuar diferenças teológicas, regionais e grupais, envolvendo instituições, comunidades e órgãos diretivos.

É claro que o clima geral reinante no país se projeta também dentro da Igreja de Jesus Cristo. Os problemas financeiros, a necessidade de cortes orçamentários, enfim a falta de perspectivas a curto e médio prazo, tudo isto não deixa de afetar a vida eclesial. E todavia, os problemas externos não explicam de todo a crise interna. Aliás, não sei, se de fato devemos falar em crise. Mas os sinais são numerosos e merecem nossa atenção a fim de não prejudicarmos nossa missão.

Uma Igreja, na verdade, não se distingue em muito de qualquer instituição humana. Por isto também os conflitos fazem parte de sua vida.

Há interesses e convicções diferentes entre os seus membros, e suas estruturas e necessidades em muito se assemelham às de outras organizações. Ainda assim, nem tudo deve ser igual ao que é usual no mundo. Permito-me lembrar que, além de instituição humana, somos uma comunhão de pessoas que agradece a Deus pelas suas dádivas e suas promessas. Somos uma comunidade de culto e adoração. Simultaneamente, o Evangelho nos chama a uma nova maneira de viver, a dar o nosso testemunho e a servir à vida. E nisto se inclui, de modo privilegiado, a forma de enfrentar dificuldades, de conviver e de resolver conflitos. Caso contrário perderemos a credibilidade.

Tentando interpretar o que isto significa eu diria o seguinte:

1. Fundamental é a renovação diária de nossa fé. Deus está acima de nossas dificuldades e também acima de nossas imperfeições. Sem esta convicção não vamos longe. Vamos antes afundar em nossas rixas, culpar-nos mutuamente da desgraça e perder o fôlego na caminhada.
Sem a fé o amor enfraquece e a comunidade se desfaz.

2. Como comunidade de Jesus Cristo temos uma missão comum. É a causa maior que nos compromete e que sempre de novo deveria prevalecer por sobre questões de ordem pessoal. O individualismo destrói a comunidade. O mesmo efeito devastador têm a luta por poder, a vontade de se impor e de ganhar projeção. Não é a Igreja que nos deve servir, mas nós devemos servir à Igreja e às pessoas a que Deus nos envia.

3. Na Igreja jamais houve unanimidade de opinião. Dentro de certos limites, é legítima e até necessária a pluralidade. A variedade de situações e experiências, bem como fatores individuais, sociais e culturais diversificam as manifestações da fé. Unidade cristã jamais significou uniformidade. É dinâmica, alicerçada no mesmo espírito (1 Co 12,3s), envolvida em permanente processo de aprendizagem. Por isto, cumpre-se admitir diferenças na comunidade e aprender a trabalhá-las. Para tanto é indispensável a arte do diálogo, a busca do parceiro, a dinâmica da interação. É preciso argumentar em vez de condenar, é preciso ouvir e entender antes de excluir. “O amor é paciente, é benigno, o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece...”(1 Co 13,4).

4. A Igreja não é uma empresa com patrões e empregados. Ela é o corpo de Cristo e por isto uma comunhão de irmãos e irmãs. Conseqüentemente não cabe o pensamento sindicalista. Nas divergências importa tentar o entendimento mútuo, o apelo ao bom senso, ao espírito da fraternidade. Caso contrário, a comunidade vai dissolver-se em facções antagônicas, tornando-se incapaz de agir como um todo.

5. Não poucos conflitos na Igreja têm raízes econômicas. Há membros em melhores e outros em piores condições de vida. Embora esteja fora do alcance da Igreja resolver o problema à parte da sociedade em que vive, cabe-lhe ensaiar a lei de Cristo, dizendo: “Carregai as cargas uns dos outros...” (Gl 6,2). O tratamento mútuo que nos é devido tem muito a ver com justiça e a disposição de repartir onde há necessidade. Justamente na atual situação de generalizado empobrecimento, este aspecto é da mais alta relevância.

6. Naturalmente, também na Igreja se deve lutar. Todos temos os nosso defeitos, e também a Igreja os tem. Mas a metodologia deve ser evangélica, tentando ganhar os irmãos e as irmãs, não perdê-los. Deve haver misericórdia na crítica, bem como respeito no estilo do tratamento, mesmo que sejamos “minoria vencida”. Quem deve vencer na Igreja é o próprio Cristo, a sua verdade e a vida que ele dá.
Para tanto não precisamos apenas da contestação. Precisamos sempre mais de propostas construtivas e de projetos viáveis, o que exige um decidido esforço conjunto.

Apresento estes pensamentos como subsídio para estudo individual ou em grupo, em reuniões do presbitério, conferências de obreiros e obreiras e outras oportunidades, a fim de serem avaliadas suas razões e as conseqüências práticas. A IECLB é uma Igreja com grandes potencialidades e uma grande missão no contexto social e ecumênico brasileiro. Tanto mais necessário se faz não dispersar as energias em inúteis conflitos internos e, sim, concentrá-las na solução dos desafios à nossa frente. A hora é de somar esforços e de facilitar-nos mutuamente o trabalho. É tarefa de todos os membros. Que o ano de 1994 nos aproxime desta meta e que Deus nos dê a força para tanto.

Porto Alegre, 09 de janeiro de 1991


P. Dr. Gottfried Brakemeier


 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Presidência
Natureza do Texto: Manifestação
Perfil do Texto: Manifestação oficial
ID: 12554
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Colossenses 3.13
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