Desemprego - uma angústia atual

01/12/2000

Desemprego - uma angústia atual

• Karin H. K. Wondracek •

João perdeu o emprego...

Maria não consegue trabalho...

Dia após dia, mês após mês, ouvimos histórias tristes ao redor desse tema. E se Maria e João conseguem trabalho, agora é José ou Luíza que perderam o seu, ou nós mesmos estamos nessa situação.

Como lidar com esta angustiante dificuldade? Como ajudar 'os que estão nela?

O que significa estar desempregado?

A palavra emprego tem dois significados: é o nosso trabalho e também é nosso valor de uso, nossa utilidade.

Um exemplo do primeiro caso: A firma X empregou 100 mulheres. E do segundo: Não se emprega mais a palavra alfarrábio.

Um grande problema, para o desempregado, é que dentro cabeça há uma junção dos dois significados: além de não ter trabalho, sente-se sem valor.

Nossa cultura ajuda a aumentar esta confusão: quando nos apresentamos a outras pessoas, costumamos dizer o nome e nossa profissão. Exemplo: Eu sou João, sapateiro. Nosso trabalho faz parte do que somos. Quando perdemos nosso posto, também sentimos que se vai nosso valor como pessoas.

Antigamente, essa confusão só atingia os aposentados, mas agora, com as constantes demissões, atinge pessoas em todas as idades. Em nossa cultura, o emprego é a roupa que reveste o ser da pessoa, e por isso, quando perde o trabalho, ela se sente atingida no seu centro vital.

Além do poder econômico, também diminuem a autoestima e a autoimagem. A pessoa sente-se uma fracassada, sem direito a receber consideração e respeito. E uma pessoa neste estado deplorável, como vai procurar novo trabalho? Como vai mostrar-se capaz de merecer um novo posto? Muitas atitudes erradas em entrevistas para emprego podem ter sua origem na diminuição da auto-estima.

Como mudar essa situação? Penso que há três dimensões a considerar.

Dimensão psicológica

Sabendo desta confusão de valorizar-se como pessoa através do trabalho, é necessário estar atento para pensamentos de desvalorização. Cuidar para não entrar no tudo ou nada, mas buscar seu valor próprio em outras dimensões, que não dependem do emprego. Por exemplo: aproveitar o tempo livre para aproximar-se da família.

Uma pesquisa feita na Inglaterra sobre fatores de stress para adolescentes mostrou que eles não se sentem mal com seus pais desempregados. Pelo contrário, sentem-se mais acompanhados no dia-a-dia. Para eles, pai desempregado é pai mais presente. (Também devemos levar em conta que lá o seguro-desemprego ajuda mais do que aqui.)

Mas, que tal aproximar-se mais da família e dos amigos? Que tal descobrir coisas que não custam dinheiro?

Pode-se repensar o modo de nossa utilização do tempo. Por exemplo, a televisão, com sua chuva de histórias fantásticas e de propagandas para consumir, produz no desempregado uma sensação ainda maior de fracasso. Que tal aproveitar para estreitar relacionamentos, aperfeiçoar-se em cursos, praticar esportes, trabalhar como voluntário? Muitas vezes, é por estes caminhos que surgirá um novo emprego. E a satisfação por estar ativo aumentará a auto-estima e impedirá a derrota. O entrar em contato com a realidade de outras pessoas reduz a autopiedade e mobiliza o que há de melhor em nós.

Também é tempo de repensar nosso agir. O conceito de inteligência emocional tem entrado nas empresas e modificado o processo de escolher funcionários. Procuram-se pessoas que saibam relacionar-se bem, trabalhar em grupo, respeitar os seus sentimentos e os alheios. Mais do que crânios, querem-se pessoas. Até as escolas estão repensando seus currículos, já que, deste ângulo, mais importante do que tirar uma boa nota no exame é aprender a relacionar-se com outros e resolver bem os conflitos. É preciso que cada um revise como tem sido seu jeito de estar com as pessoas. Talvez haja dificuldades de relacionamento, e isto esteja dificultando o conseguir ou manter um trabalho.

Dimensão espiritual

Como cristãos, temos outros recursos para viver uma crise de desemprego. Nosso Deus está conosco em todas as horas e quer mostrar-se também no meio desses desertos. Talvez até possamos nos aproximar mais dele, no meio da crise, pois nossas fontes de satisfação cotidianas foram fechadas. Henry Nouwen (NOUWEN, Henry. A volta do filho pródigo. São Paulo, Paulinas, 1998) ressalta que Deus é o primeiro a nos amar incondicionalmente, não pelo que temos nem pelo que somos com nosso esforço, mas apenas porque somos seus filhos. Vale a pena reler a história do filho pródigo, pensando nesses aspectos: Deus nos acolhe e nos restaura, vendo em nós a imagem de filhos amados. A partir desse relacionamento com Deus-Pai cheio de graça, a crise do desemprego já não é enfrentada sozinho, mas sendo conduzidos pela mão do Pai amoroso. Nossa estima já não depende do que fazemos, mas de sermos filhos e filhas amadas do nosso Pai.

A oração também constitui uma fonte de consolo e de restauração, pois, entregando nossas ansiedades a Deus, saímos com mais confiança para a busca do trabalho. Com menos angústia, vemos as oportunidades que aparecem e temos mais energia para aproveitá-las.

Entretanto, é preciso cuidado para não transformar nossa fé numa desculpa para nossas falhas. Não podemos sair por aí dizendo que Deus não nos deu um emprego ou Deus não quis, se não fizermos nossa parte: esforço para sair, batalhar, aperfeiçoar-se, ser responsável.

Estamos aproveitando o espaço da comunidade para compartilhar temores, anseios, criando espaço para solidariedade e oração? O tempo de crise também pode ser de grande crescimento em nossa sensibilidade e solidariedade. Sentindo na carne as necessidades, tornamo-nos mais sensíveis às dificuldades dos nossos próximos. Alimentar, vestir e visitar o necessitado a partir de viver isso na pele é um caminho concreto para seguir o mandamento de Jesus.

Dimensão externa

Quando se pensa em desemprego, logo vêm à mente as manchetes dos jornais: globalização, neoliberalismo, FMI, novo modelo econômico, recessão...
Estamos numa época que não ajuda a criar postos de trabalho. O modelo econômico esqueceu-se dos valores humanos, da dignidade da pessoa, e tem jogado milhares de trabalhadores na rua.

Estamos atentos a isso? Procuramos os canais competentes para levar nosso protesto e nossa energia para mudar essa situação? Temos participado de discussões, de movimentos grupais que fazem essas reivindicações?

Também o relacionamento entre empregador-empregado tem se alterado. Já não se procura o empregado submisso, mas aquele que tem novas ideias, coloca sua criatividade no serviço. Muitas empresas já não enquadram as pessoas em hierarquias, mas formam equipes de trabalho, onde todos ajudam todos na realização das tarefas. Estamos atentos para essas mudanças? Ou fechamos os olhos a tudo, querendo que o mundo não mude, que permaneça como no tempo dos nossos pais? Será que a crise precisa nos atingir em cheio para que comecemos a pensar e a agir?

Pensando no futuro: estamos preparando nossos filhos e nossas filhas para essas mudanças? Estamos educando-os com criatividade e garra para enfrentar o mundo?

Conclusão

Não estamos vivendo numa época fácil, e isso exige de nós cuidados redobrados: com nossa saúde emocional, reconhecendo nossas dificuldades, procurando resolvê-las. Também precisamos estar atentos ao que acontece ao nosso redor e procurar todos os meios possíveis para ajudar-nos na solidariedade. E, acima de tudo, que possamos chegar ao nosso Pai amoroso, lançando sobre ele toda nossa ansiedade, porque ele tem cuidado de nós.


A autora é psicóloga e psicanalista, mestranda do IEPG, e reside em Porto Alegre/RS. E-mail: karinw az.com.br


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Autor(a): Karin H. K. Wondracek
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Acompanhamento e consolação
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2001 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000
Natureza do Texto: Artigo
ID: 32978
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