Efésios 6.1-4 - A família - Uma pequena comunidade

Prédica

19/01/1979

A FAMÍLIA -- UMA PEQUENA COMUNIDADE
Efésios 6.1-4 (Leitura: Salmo 127) 

Cada um de nós está relacionado com numerosas pessoas: Irmãos, cônjuge, colegas, vizinhos e muitas outras. Mas há um relacionamento que é diferente de todos os demais. Há duas pessoas, um homem e uma mulher, com as quais nos achamos relacionados de forma única. São nossos pais. Ou, no caso de sermos nós os pais — nós somos tais pessoas para nossos filhos. Neste ponto há uma igualdade básica entre os homens. A pessoa mais rica e poderosa se encontra na mesma situação que o mendigo mais miserável. Eles vieram ao mundo da mesma maneira. Pouco importam as circunstâncias exteriores. O que importa é que cada ser humano foi concebido no corpo materno, onde duas minúsculas células, uma do pai, outra da mãe, se uniram para formarem um novo indivíduo. A este indivíduo, formado maravilhosamente em seu corpo, a mãe deu à luz, e ele veio a viver na companhia dos pais. Sua vida, sua sobrevivência dependeu totalmente deles. Todos nós temos este histórico — também o assim chamado «bebê de proveta», que tanto alarde fez nos últimos tempos. 

O relacionamento entre pais e filhos, de início, é bastante unilateral. A mãe amamenta, o filho mama, O pai protege, o filho se deixa proteger. É bastante parecido com aquilo que acontece entre os animais. Tanto a ovelha como a onça amamentam seus filhotes e os defendem, às vezes com risco da própria vida, contra qualquer inimigo. É só ver as andorinhas que perseguem um gavião dez vezes maior do que elas, ao chegar perto do ninho delas. É uma coisa da natureza, poderíamos dizer, Mas, pensando bem, este cuidado dos pais pelos filhos (ou pelos filhotes) parece ser antes uma coisa contrária à natureza. Porque em tudo mais, na natureza reina o egoísmo. O homem e o animal defendem normalmente a própria pele -- e mais nada. O instinto materno e o paterno — e será justo, colocarmos a mãe, neste caso, em primeiro lugar — parece superar o egoísmo. Pai e mãe cuidam da pele do filho, antes de cuidarem da própria pele. Até a serpente faz isso com sua semente, cuja cabeça o homem vai pisar, segundo 3 maldição imposta a ela. É que homens e serpentes, ovelhas e onças, sabiás e andorinhas trouxeram do paraíso esta preciosa herança, uma das poucas coisas da natureza em que se reflete, de forma clara e evidente, o amor e a bondade do Criador. 

E como se distinguem pais humanos de «pais animais»? Nem sempre de modo positivo, vamos admitir — sabendo como um pai bêbado ou uma mãe descontrolada são capazes de tratar os filhos. Mas a gente sabe que assim não deveria ser. Sabe que a relação de pais humanos para com seus filhos vai muito além da natureza. Não é só uma coisa de instintos, uma questão de biologia, de amamentar e de criar. Pais humanos educam seus filhos, além de criá-los. Eles têm por alvo não só fazer com que eles cresçam, mas que se venham a tornar seres responsáveis. O amor de pais humanos a seus filhos é diferente do amor de pais macacos ou pais tigres a seus filhotes. Pais humanos falam com seus filhos, orientam-nos, ajudam-lhes a serem eles mesmos; levam os filhos a orar, a encontrar-se com Deus, a dialogar com seu Criador.

E há mais uma outra diferença fundamental: Os filhotes de animais, sem exceção, depois de adultos, não se interessam mais pelos pais. A natureza não o requer. Depois de terem cumprido o seu dever «natural», os pais estão sobrando — ao menos, para esta ou aquela ninhada de filhotes. Verdade é que isto também acontece entre os homens — e muito, até. Mas nós sabemos, pela palavra de Deus, e por nossa própria consciência, que não deveria ser assim. Sabemos o que Deus quer, é que entre pais e filhos humanos haja uma relação de amor, de respeito e de gratidão (nos dois sentidos) e isto, enquanto a vida durar. Esta, ao menos, é a «natureza» das relações que existem entre pais cristãos e filhos que, na linguagem do Novo Testamento, vivem «em Cristo». 

«Filhos, obedecei a vossos pais, no Senhor, pois isto é justo.» A palavra «obedecer» vem da mesma raiz que a palavra «ouvir». O obedecer humano está, pois, ligado ao falar e ao ouvir. — «Meu filho não quer ouvir!» — É uma queixa que frequentemente se escuta. Não é que o filho seja surdo. Ele não quer ouvir. É uma surdez da alma, uma surdez da vontade, que não o deixa ouvir, que não permite um diálogo verdadeiro com os pais. O assim chamado conflito entre as gerações existe também entre os animais ( entre lobos, cães e coatis os argumentos são dentadas). Mas o conflito entre as gerações (que é um nome mais fino para «desprezo do quarto mandamento») — quando se manifesta entre seres humanos, é coisa mais séria. Revolta contra os pais fere algo de fundamental na criação de Deus. 

Mas — você talvez dirá — a culpa pode bem ser dos pais. Quantos pais bitolados, quantos pais irresponsáveis existem na terra! É verdade. Por isso o autor de nossa carta, o apóstolo Paulo, diz que os filhos devem obedecer aos pais «no Senhor», porque isto é justo! Obedecer no Senhor, obedecer em Cristo --- isto é, obedecer aos pais, obedecendo ao Senhor, é ouvir 95 pais, ouvindo o Senhor. É um obedecer dentro de uma área onde habita confiança. Confiança que permite um diálogo franco, respeitoso e amoroso. Um diálogo no qual Cristo participa. Uma relação entre pais e filhos «no Senhor» acontece no chão da comunidade de Jesus. Aí é que a própria família se transforma em uma pequena comunidade, com membros idosos e jovens, com membros fracos e fortes, com membros antigos e recentes. Membros que se tornam culpados uns para com os outros, mas que se perdoam e que se aceitam em Cristo. E pode haver membros resistentes, membros que nem querem mais ser membros em Cristo. Este caso também foi previsto pela Bíblia que filhos vão abandonar seus pais por amor a Cristo. Mas nestes casos os anjos choram. Choram, não pelos filhos, mas choram pelos pais, que ficaram devendo o melhor para seus filhos: a vivência da fé e da vida cristã. Porque o que Deus quer, é que a casa do homem seja casa de Jesus, e aqueles que nela habitam, sejam irmãos de Jesus.

«Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento que tem promessa) para que te vá bem e sejas de longa vida sobre a terra.» Por que será que este mandamento é o primeiro que tem promessa? Será que tal promessa — «que te vá bem e tenhas longa vida na terra» é uma espécie de prêmio, oferecido por Deus para os filhos bem comportados? Assim, como pais às vezes dizem aos filhos: Se tu fores bem comportado, fazendo que nós te mandamos, então vais receber uma bicicleta ou uma boneca? — Não. Entendemos que a promissão contida no quarto mandamento tenha outro significado e outra dimensão. Veja, uma vez: os pais da gente são fonte de nossa própria vida. A fonte verdadeira, porém, é Deus, eles são instrumentos de Deus. Mas é um fato que sem eles nós não existiríamos. Então você é convidado a prolongar este pensamento para dentro de sua vida. Assim, como um bebê que tomou a mamadeira se sente bem, assim como uma criança que obedeceu aos pais, não brincando com gasolina e fósforos, escapa de morrer e tem chances de viver uma vida longa assim as coisas continuam para nós — se quisermos viver debaixo do quarto mandamento. E este mandamento, em verdade, não é nenhuma prisão. Ele não só diz o que os filhos precisam fazer. Diz, se bem que de forma indireta, qual é a obrigação dos pais: A função dos pais é justamente lutar, trabalhar, ter cuidado para que os filhos «vão bem e para que tenham longa vida na terra». Você entende, como isso muda a situação? Como este quarto mandamento deixa de ser uma lei imposta aos filhos como ele vira promissão, vira evangelho? Os pais estão aí para verem seus filhos felizes, para deixarem seus filhos em condições de terem uma vida longa — o que significa uma vida cheia, plena, chegada à maturidade — vida que dá frutos. Que cada filho que não consegue mais amar seus pais pense sobre este ponto. Mesmo que seus pais não tenham conseguido ser espelhos fiéis e claros do amor de Deus — ele vai descobrir em seus pais, se o quiser em verdade, muitos sinais da vontade de Deus de salvar, de dar vida plena e verdadeira, de dar paz e felicidade — já aqui nesta terra. 

Ao lermos o quarto mandamento na própria Bíblia, descobrimos que também aí o filho é convidado a obedecer os pais «no Senhor». Pois no primeiro mandamento, locomotiva que puxa todos os dez vagões, vem escrito: «Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.» Deus é nosso Deus, que nos tirou da casa da servidão. Se ele nos tirou, então não estamos mais vivendo nela. Então estamos vivendo numa casa onde há o contrário de servidão: Há liberdade «no Senhor» -- há confiança, alegria, bem-estar e paz. 

Pais - pais cristãos! Vocês já pensaram com seriedade no fato que a casa de vocês não é nenhuma prisão que antes é uma casa de Jesus na qual ele libertou os que moraram na casa de escravos? — Filhos - filhos cristãos! Vocês já pensaram com seriedade no fato que a casa de vocês, de acordo com a vontade de Deus, não é um lugar azedo, chato, em que a gente não se sente bem? Que antes se precisa procurar liberdade, bem-estar, vida descontraída e alegria lá fora? Uma casa cristã não tem atmosfera de cadeia. Tem atmosfera de alegria e amor. Pense na parábola do filho pródigo. Como resplandece aquela casa como irradia alegria e bem-estar! Será que tal coisa só existe nas parábolas e nas histórias da Bíblia? Será que nós, pais e filhos, não estamos passando por cima de um tesouro que se acha oculto bem perto de nós? Será que talvez hoje mesmo Deus nos queira fazer descobrir este tesouro de sua promissão? 

«E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor.» — Esta palavra mostra que o quarto mandamento não é uma rua de mão única, como já procuramos demonstrar. Os pais também devem honra aos filhos. Os filhos não são propriedade deles. A honra que eles devem aos filhos — eles a demonstram, criando-os na disciplina do Senhor, não lidando com eles dentro das manhas e da teimosia do velho homem «não provocando a ira» (isto é, a revolta) dos filhos, É que a educação que pais cristãos estão devendo a seus filhos, mesmo a disciplina, a severidade, os castigos, também deverão acontecer no Senhor. No chão da comunidade de Cristo. Comunidade na qual reina justiça, respeito, amor, perdão. É uma palavra que deveria deixar bem pensativos aqueles pais que sempre pensam que a Bíblia só mostra, quais os deveres dos filhos. Não é assim, não! No Antigo Testamento, escrito num tempo muito autoritário, por vezes já enxergamos uma faísca da promissão de pais que espelham a face de Deus. No Novo Testamento essa promissão se cumpre. — Em Lucas 1,17 um anjo cita o último versículo do Antigo Testamento, o qual diz que o precursor do Cristo «converterá os corações dos pais aos seus filhos». Eis uma contribuição essencial para o problema do conflito de gerações! Que assim seja entre nós. Que Deus converta os corações dos pais aos filhos e o coração dos filhos aos pais — em Jesus Cristo! 

Oremos: Graças te damos, Pai Celeste, por nos teres dado pais, que cuidaram de nós e que nos amaram. Perdoa-nos toda ingratidão para com eles. Dá-nos a graça para que em nosso lar possamos viver em Cristo. Abençoa nossos pais, nossos filhos, abençoa a nós, Senhor. Amém.

Veja:

Lindolfo Weingärtner 

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

Editora Sinodal

São Leopoldo - RS

 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Família
Testamento: Novo / Livro: Efésios / Capitulo: 6 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 4
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19665
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Se reconhecemos as grandes e preciosas coisas que nos são dadas, logo se difunde, por meio do Espírito, em nossos corações, o amor, pelo qual agimos livres, alegres, onipotentes e vitoriosos sobre todas as tribulações, servos dos próximos e, assim mesmo, senhores de tudo.
Martim Lutero
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