Ela gosta de dançar e escrever

01/12/2000

Ela gosta de dançar e escrever

Seu primeiro emprego foi o de professora de ballet. Simone Saueressig continuou estudando dança após concluir o segundo grau na Fundação Evangélica de Novo Hamburgo (RS) em 1982. Só mais tarde entrou no mundo das letras. Entre 1991 e 1994 trabalhou no suplemento infantil Popinha, do Jornal NH, de Novo Hamburgo. Em 1994 foi morar na Espanha, onde permaneceu até julho de 1999. Na Espanha, Simone colaborou na página infantil do diário Ya , de Madrid. De volta ao Brasil, passou a exercer várias atividades: professora de dança flamenca, redatora da página de passatempos da Folha de Novo Hamburgo e escritora. Simone admite que seu gênero predileto é a fantasia, onde pode explorar campos ricos como o folclore brasileiro, que já foi tema de diversos trabalhos seus. Mas ela também gosta de escrever ficção científica, mistério e, às vezes, contos de terror.


AE: Qual foi o seu primeiro livro e Simone: ser escritora foi acontecendo em minha quantos já publicou?

Simone: Meu primeiro livro foi O mistério do formigueiro , editado em 1987 pela Editora Kuarup. Ele fazia parte da coleção Já sei ler e destinava-se aos leitores que estavam aprendendo a ler, com bonitas ilustrações de Avelino Guedes. De lá para cá já são nove títulos, sendo que três deles foram editados pela Sinodal: Dois teimosos e um jundiá, em 1995, Um rio pelo meio, em 1996, ambos infantis e pela coleção Grão de Mostarda, e Uma questão de tempero, em 1997, com uma temática juvenil.

AE: Por que você decidiu ser escritora?

Simone: Ah, mas eu não decidi ser escritora! Isso foi acontecendo na minha vida. Quando eu era pequena, gostava de inventar histórias para as minhas amigas. Muitas vezes, elas pediam para que eu repetisse um dos contos. Mas, como eu sempre fui muito esquecida, era muito difícil atender os pedidos. A sequência natural da coisa foi que eu comecei a anotar algumas ideias, sobretudo os sonhos bacanas que eu tinha e achava que podiam tornar-se argumentos legais para inventar histórias. Daí até publicar um livro, é claro, vai uma distância muito grande. Mas um dia achei que a ideia poderia dar certo e fui em frente, com a cara e a coragem. Eu não conhecia ninguém no meio e tampouco tinha dinheiro para bancar uma edição independente. A verdade é que eu tive muita sorte, porque na segunda editora que eu procurei, a Kuarup, já houve interesse por meu trabalho. Depois, com um livro já editado, o caminho tornou-se um pouco menos difícil. Mas até hoje eu passo pelo crivo das editoras e, muitas vezes, recebo meus originais de volta com uma cartinha de agradecimento. Conseguir editar é muito difícil.

AE: Como nascem seus livros?

Simone: De maneira geral, eu simplesmente me ponho a escrever. Tenho uma ideia que me parece boa, então me sento e começo a dar-lhe forma, procurar o tom do texto. Mas nem sempre ela vai adiante. Tenho o computador cheio de contos começados e largados. Por quê? Simplesmente não sei. Às vezes, eu acho que a ideia pode ser rascunhada em dois ou três dias. Se passa dessa marca, a tendência é perder o interesse por ela. Outras vezes, a história parece seguir por um caminho diferente daquele que eu tinha pensado no princípio. Então eu dou uma parada. Numa leitura posterior, geralmente eu descubro onde a ideia se desviou do fio inicial e corrijo. Mas não sou muito de corrigir, não. Se me parece que o texto tem muitos problemas, o mais comum é que eu o deixe de lado e parta para outro. Por um lado, sou preguiçosa. Por outro, tenho pouco tempo para escrever e não posso estar me dedicando a uma ideia cujo único problema seja, talvez, não ter sido amadurecida o bastante.

AE: Vale a pena escrever livros?

Simone: Isto depende daquilo que o escritor está procurando. Se a pessoa quer simplesmente enriquecer, eu aconselharia outra profissão, apesar de alguns exemplos bem populares. Mas se a pessoa está tentando comunicar algo e resolveu apostar na literatura como um veículo de expressão, eu diria que vale a pena. O texto literário é algo maleável, que se deixa moldar. E, depois, o processo é muito interessante: a gente tem uma ideia, que é algo vago, fugaz, às vezes até bem difuso. Dá-se uma forma a essa ideia e um suporte, que pode ser o papel ou o computador. Se ela tem força própria e a forma tem qualidade, essa ideia pode vir a se tornar um objeto, que é, ao mesmo tempo, único e múltiplo: havendo apenas uma história que conte determinados acontecimentos, faz-se dela, ao mesmo tempo, milhares de objetos iguais. Mas não são meras cópias. O livro enquanto objeto tem uma personalidade própria. Só os volumes das enciclopédias é que são iguais. Os demais são sempre diferentes, de diferentes tamanhos, cores e grossuras. Por outro lado, acho que não tem nada mais incrível do que passar pela estante de uma livraria e ver ali um livro escrito pela gente. É uma ideia que se pode tocar — é o oposto da dança, algo efêmero, que dura apenas o instante em que é feito o movimento; ou da música, que somente pode ser ouvida. Nenhuma delas pode ser tocada. A escultura, a pintura e a arquitetura podem ser tocadas. Com exceção de algumas técnicas, as peças costumam ser únicas. Nem todo mundo pode ter um Van Gogh na sala de sua casa, mas qualquer um pode chegar a ter nas mãos O Tempo e o Vento.

AE: Mantém contato pessoal com seus leitores? Como eles reagem?

Simone: Eu converso com meus leitores, geralmente quando vou às escolas ou às feiras de livros. Mas já me aconteceu encontrar gente que comenta meus textos comigo em festas ou outros lugares. As pessoas sempre me surpreendem. Geralmente, elas comentam algo que nem eu lembrava mais que tinha posto em determinada história. É muito difícil que me digam algo sobre as coisas que eu achava que interessariam ou causariam curiosidade ou estranheza.

AE: Tem alguma experiência inusitada como escritora?

Simone: Não. Mas tive a oportunidade de viajar para várias cidades do estado, que de outra maneira talvez não chegasse a conhecer. E a primeira vez que viajei para a Espanha também foi por causa de minha atividade como escritora.

AE: Como foi sua experiência no exterior?

Simone: Muito rica, maravilhosa mesmo. Até porque eu tive a sorte de viver cinco anos ao lado de uma pessoa muito especial. Viver em outro país é algo que nos ajuda a ver o Brasil com outros olhos. A gente dá-se conta de que as pessoas são pessoas em todas as partes, que elas querem as mesmas coisas em todos os países, brigam pelas mesmas coisas, exigem os mesmos direitos, sonham com coisas semelhantes. A diferença está na forma como buscam e aplicam soluções aos seus problemas, acho eu.

AE: Tem algum projeto novo?

Simone: Tenho uma história que necessita várias revisões e que se chama Os nomes dos dias. É uma novela curta para adultos. Acho difícil classificá-la, porque não gosto muito do termo realismo fantástico — Sue talvez se adaptaria melhor ao texto. E mais uma metáfora cheia de fantasia, uma metáfora sobre a Espanha que eu vi e tal como eu a entendi, o que não significa que seja melhor do que à visão de ninguém. Também tenho outro projeto, mas este não é novo, é velho: o de escrever uma história infantil de fantasia, utilizando o folclore de diferentes países da América. Mas ainda não consegui dar-lhe um formato que me convença.

AE: Como você vê o futuro da literatura no Brasil?

Simone: Esta é uma pergunta muito complicada. Creio que o futuro de qualquer coisa que se faça no Brasil passa pela educação — educação como um todo, não só escolaridade, bem entendido. Acho que a gente ainda não se deu conta da importância da educação neste país, por muito que se fale. Sem educação não se faz nada: não se tem leitores, mas também não se tem bons votantes, e se não se tem bons votantes, qualquer tipo de político pode eleger-se. Se não se tem educação, tem-se uma multidão que só identifica os problemas mais próximos e imediatos, e as soluções que tenderá a encontrar também são próximas e imediatas, mas nem por isso necessariamente sábias. Se não se tem educação, não adianta ter tecnologia, internet, livros, arte, terra fértil, câmara de vereadores nem congresso nacional, porque simplesmente o país não vai saber o que fazer com tudo isso. Não adianta nem mesmo ter futebol, porque até para ver um jogo a gente tem que saber o que está vendo, tem que ter uma educação desportiva que ajude a valorizar o que está acontecendo em campo. Não adianta só chamar o juiz de ladrão. Tem que estar claro se ele é ladrão mesmo ou se a gente está sendo simplesmente um torcedor doente do time do coração. Por outro lado, creio que o Brasil é um cadinho que esquenta, esquenta e não chega a cozer direito o que tem dentro. A nossa tendência ainda é supervalorizar o que vem de fora, e o livro infantil e juvenil brasileiro ainda precisa do apoio da escola. Ao mesmo tempo, tem gente fazendo uma literatura muito própria, experimentando e buscando novas formas de texto... enfim, não sei. Essa é uma resposta que só o tempo saberá dar.


Entrevista realizada por Rui L. Bender em maio de 2000


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Autor(a): Rui Bender
Âmbito: IECLB
Título da publicação: Anuário Evangélico - 2001 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2000
ID: 32998
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