Filipenses 2.1-13

Auxílio Homilético

25/09/2011

Prédica: Filipenses 2.1-13
Leituras: Ezequiel 18.1-4, 25-32 e Mateus 21.23-32
Autor: Eloir Enio Weber
Data Litúrgica: 15º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 25/09/2011
Proclamar Libertação - Volume: XXXV 

1. Introdução

Humildade em tempos de autoexaltação. Amor fraterno em tempos de egocentrismo. Comunidade em tempos de isolamento.

A temática que perpassa o texto da pregação (Fp 2.1-13) está posto. A comunidade de Filipos é convidada a evitar divisões através da competição interna. A busca pela unidade e a autêntica vivência do evangelho devem ser constantes. A comunidade deve zelar pela harmonia, que é alcançada quando há humildade. Cristo é o exemplo de humildade, fidelidade e obediência a Deus até a morte... e morte de cruz.

O texto do evangelho (Mt 21.23-32) traz a discussão que Jesus trava com as autoridades em Jerusalém, pouco antes de sua morte na cruz. Jesus é questionado quanto à sua autoridade em ameaçar a estrutura defendida por elas. Ele devolve a questão com uma pergunta referente à autoridade de João Batista, cuja resposta as autoridades não sabem. Assim, Jesus dá a entender que sua autoridade vem de Deus. E que sua autoridade não requer autoexaltação, mas, sim, obediência, confiança e humildade diante de Deus.

Ezequiel 18.1-4,25-32 – o texto de leitura – fala para as pessoas exiladas na Babilônia, combatendo a ideia de que elas estão sofrendo pela culpa dos antepassados. Cada geração é responsável por sua conduta individual e coletiva. Igualmente, para cada geração é dada a possibilidade de converter-se e, em se convertendo, viver. O caminho de Deus é direito; tortuoso é o caminhar das pessoas.

Vejo uma confluência entre os textos colocados. O caminho de Deus é justo; injustos são os nossos atos em toda e qualquer geração (Ezequiel). Apesar de nossa incapacidade em relacionar-nos de forma saudável, somos desafiados a ser comunidade de fé que busca viver de forma harmoniosa a partir da humildade e da obediência ensinadas por Cristo (Filipenses). Viver em uma comunidade assim só é possível se estamos abaixo da autoridade de Deus (Mateus).

2. Exegese

2.1 – A Carta aos Filipenses

Filipos foi a primeira cidade europeia que recebeu a mensagem do evangelho. Foi fundada durante a segunda viagem missionária do apóstolo Paulo. O primeiro núcleo dessa comunidade surgiu na casa de Lídia, uma vendedora de púrpura, que ouviu a mensagem de Paulo nas margens do rio, ao lado de outras mulheres (At 16). Não se sabe ao certo o lugar e a data na qual a carta foi escrita. No entanto, a maior parte dos estudos aponta para a prisão na cidade de Éfeso, por volta dos anos 54-55. Apesar de provavelmente ter sido escrita na prisão, em meio às incertezas do autor, ela é chamada de “carta da alegria”, porque esse é um tema que aparece forte na mesma.

2.2 – O texto

O texto inicia com a exortação chamando a comunidade a viver em unidade, humildade e harmonia. Retrata uma preocupação de Paulo referente a um possível desentendimento causado pelo espírito de competição e egoísmo de algumas pessoas. Não há indícios claros de que houvesse maiores problemas na comunidade de Filipos. Paulo exorta a comunidade preventivamente diante da ameaça dos pregadores judaizantes. Para exemplificar a unidade e a humildade que a comunidade deve buscar, ele traz, na segunda parte do texto, o Hino Cristológico. Para fechar o assunto dentro do texto, o autor aponta, ainda, para a ação de Deus na salvação do ser humano: “porque Deus é quem efetua...” (v. 13).

V. 1 e 2 – O autor traz alguns elementos (ações e sentimentos) que nascem e florescem na vivência comunitária de uma espiritualidade saudável, que se fundamenta sobre o próprio Cristo. Ele cita a exortação em Cristo, a consolação de amor, a comunhão do Espírito e entranhados (vitais, profundos, vindos do âmago.... do coração) afetos e misericórdia. Sobre esses elementos se fundamentam a união e o comprometimento dentro da comunidade cristã, que se baseia em Cristo. A vivência comunitária necessita do “encorajamento” (exortação = paraklesis) em Cristo, do “incentivo” (consolação = paramuthion) ao amor, da “participação” comum no Espírito, do afeto mútuo e da “simpatia” que paira sobre a comunidade. Todos esses elementos, em separado ou em conjunto, servem de poderoso argumento em prol da submissão mútua entre os crentes em favor da harmonia entre eles, em favor da atitude que evita lutas e divisões por causa do egoísmo. A unidade da comunidade de Filipos traz alegrias ao apóstolo. E, para completar a sua alegria, ele pede que as pessoas pensem na mesma direção, tenham o mesmo amor, sejam unidas de alma e tenham o mesmo sentimento.

V. 3 e 4 – A alegria pela unidade, no entanto, não elimina o sinal de alerta. O autor aponta, nesses versículos, para alguns perigos que podem ameaçar a unidade. Essa ameaça é constate, pois o coração humano é orgulhoso, e esse seu orgulho pode gerar divisões e discussões na comunidade. A desunião geralmente cresce onde o egoísmo e a ambição predominam, onde cada pessoa procura garantir o que é seu e quer mais do que as outras. Diante disso, ele aponta para a prática da graça altruísta, que é desencadeada pelo amor. Considerar os interesses alheios é a própria essência do amor cristão. Deve-se, outrossim, deixar claro que nem todas as diferenças e disputas teológicas podem ser atribuídas pura e simplesmente à vaidade pessoal; seria leviano e raso.

V. 5 a 11 – Esses versículos trazem o Hino Cristológico. Toda e qualquer unidade na comunidade cristã só é saudável se provém de Cristo, promove Cristo, realiza a missão de Cristo, aponta para Cristo... Nesse ponto há radicalidade. O autor, a fim de dar fundamento mais sólido à exortação, aponta para a atitude de Cristo, que deve ser exemplo para todas as pessoas que estão unidas a ele. O hino apresenta, em forma poética, a humilhação de Cristo e sua exaltação. Provavelmente fazia parte da liturgia do culto cristão.

O hino inicia com um imperativo: “Tende em vós...”. Percebe-se que a tônica continua sendo a exortação, apontando agora para o caminho e a conduta de Jesus. Jesus não deve simplesmente ser apresentado como exemplo ou um ideal a ser imitado pelos cristãos, mas é ao mesmo tempo aquele que fundamenta e possibilita o novo modo de pensar e agir dos crentes. Aliás, o hino dá um grande destaque ao evento salvífico. Ele renunciou à sua vida no modo de subsistência de Deus e nasceu como ser humano, foi humilde, obediente e fiel até a morte, e morte de cruz (teologia da cruz). O sofrimento e a cruz de Cristo apontam para nossa salvação. Deus torna-se humano e vai às últimas consequências para salvar a humanidade, ou melhor, a criação. O preço foi alto. A radicalidade da teologia da cruz não pode ser esquecida sob pena de deturparmos a compreensão da pró- pria encarnação de Cristo. Assim como a história salvífica, o hino não termina na Sexta-feira da Paixão. Aponta para a Páscoa – ressurreição; para a Ascensão – subida ao céu. Deus não abandona na morte o Cristo obediente, mas o ressuscita e lhe dá o nome que está acima de todo nome, para que diante dele dobrem-se todos os joelhos e todas as línguas confessem que Jesus Cristo é o Senhor.

V. 12 e 13 – Toda a vivência da fé cristã é motivada por Deus. A unidade na comunidade é ação de Deus através do ser humano. O grande plano de Deus para o ser humano é salvá-lo. Esses versículos apontam nessa direção. Os crentes devem viver na presença de Deus, sendo-lhes imputada a posição de glória mediante a atitude de humildade, sob a condição de trabalharem juntamente com Cristo, de modo a serem verdadeiros filhos de Deus. Em tudo transparece a verdadeira semelhança, ainda que imperfeita. O objetivo último é a salvação do ser humano. O texto aponta para a ação de Deus na salvação: “porque Deus é quem efetua...”. Se o ser humano pode manter a esperança na salvação, é porque Deus a realiza por sua graça, seu amor, sua misericórdia e seu perdão.

3. Meditação

A exortação para viver a unidade na comunidade e seguir o exemplo de Cristo em sua humildade serve também para nós nos dias de hoje. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman refere-se ao tempo atual como sendo líquido. Ele usa essa designação, porque os líquidos, diferentemente dos sólidos, facilmente perdem sua forma. Movem-se com facilidade. Não ficam presos a formas preestabelecidas; pelo contrário, estão sempre propensos a mudanças. Os espaços são ocupados somente por um instante. A grande mobilidade dos fluidos é o que os associa à ideia de leveza, ausência de peso e inconstância.

Há um efeito colateral lamentável que é provocado pela leveza e fluidez do poder cada vez mais móvel, escorregadio, evasivo: é a desintegração da rede social e a derrocada das instituições de ações coletivas. Tanto a desintegração social como a derrocada de instituições é uma condição e também um resultado da nova técnica de poder, que necessita de pessoas desengajadas e individualistas. Para que o poder possa continuar fluindo com liberdade, as pessoas devem estar desarticuladas. Uma rede densa de laços sociais é um obstáculo a ser eliminado.

A grande meta das pessoas na atualidade é emancipar-se, sentir-se livres. Experimentar uma vida sem obstáculos e resistências que impeçam os movimentos. Sentir-se livre é conseguir atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir. E quando a pessoa não consegue atingir tal equilíbrio, vem o sentimento de derrota, vazio e incapacidade. A necessidade de buscar a emancipação torna-se por si uma escravidão.

A marca registrada da sociedade moderna é a apresentação dos membros como indivíduos. A sociedade moderna move-se diária e incessantemente dentro do processo de individualização. De semelhante modo, as atividades dos indivíduos consistem na reformulação e renegociação diária da rede de relacionamentos chamada sociedade. Há uma interdependência. No entanto, nenhum dos dois lados – nem o coletivo, tampouco o individual – fica parado por muito tempo. Assim se cria mais uma das características dos tempos atuais: a mudança permanente da forma de organização individual dentro do coletivo. Grandes consequências do individualismo no qual vivemos são a corrosão social e a desintegração da cidadania. O interesse geral não passa de um conjunto de egoísmos.

Edificar comunidade num contexto assim certamente não é tarefa fácil. Bauman ressalta que, se compartilhar intimidades tende a ser o método preferi- do – talvez único – de construir comunidade, o resultado previsível é de se ter comunidades tão frágeis e transitórias como emoções esparsas e fugidias, saltando de um interesse ao outro, na busca sempre incompleta de rumos e objetivos. Comunidades com temores, ansiedades e ódios compartilhados, mas não curados, pois cada indivíduo solitário “pendura” os seus solitários medos no “cabide” do individualismo coletivo.

As pessoas vivem em comunidades, porque o ser humano é um ser relacional. Ele necessita de interação e de vida social. Para Bauman, um dos principais apelos do comunitarismo é a promessa de um porto seguro. E isso tem sido o sonho de muitas pessoas nesses tempos de incertezas, ansiedades e de falta de perspectiva. O tempo atual é marcado pelo individualismo; no entanto, o ser humano, exatamente motivado pela preocupação individual, vai buscar seu bem- estar em relações comunitárias. Isso significa dizer que seus vínculos acontecem e são buscados, mas são mais distantes. Busca-se satisfação pessoal nas relações no grupo. Interação sem exposição e comprometimento demasiado.

A igreja não está fora dessa realidade; muito pelo contrário, é um dos espaços que as pessoas ainda procuram para ter uma resposta diante das incertezas e tribulações da vida. Deveria ser o espaço, por excelência, de promover a vida. Percebe-se, no entanto, que esse modelo traz consequências para a igreja. Os laços de pertença, os vínculos das pessoas com a igreja são distantes e frágeis. Buscam-se satisfazer necessidades espirituais sem ter compromisso com a mesma. A comunidade cristã deve ser espaço de acolhimento e de fuga para lidar com os medos. Um espaço com uma proposta alternativa de vida em comunhão. As pessoas necessitam ter esse espaço. As pessoas vivem hoje num mundo conturbado, os medos são muitos e também motivados por diversas fontes. Traumas são criados, e é necessário superá-los ou aprender a lidar com eles. Por isso esse deveria ser um indicativo forte que deve ser levado a sério, pois ele leva as pessoas a buscar sarar as feridas e suportar as dores e medos em comunidade. Se a comunidade cristã não tiver espaço, essas pessoas vão achá-lo em outro espaço.

A necessidade da autoproteção leva as pessoas a buscar um espaço de compartilhamento. Mesmo que a motivação e o fim sejam individualistas, o meio é comunitário. Diante do exposto, parece que o comunitário nos tempos atuais é, no fundo, o suprassumo do individualismo. Muitas são as pessoas que participam, mas não se envolvem. Buscam satisfazer suas necessidades individuais, sendo que o coletivo não é importante. Por outro lado, a exortação do texto de Filipenses continua “buzinando em nossos ouvidos”. O que fazer com ela?

Bem ou mal, é nesse contexto que a comunidade cristã é exortada a viver a unidade e a humildade a exemplo de Cristo. É convidada a lançar suas redes e buscar criar vínculos seguros e duradouros. Mostrar que ela está aberta para acolher como Cristo acolheu.

4. Imagens para a prédica

Sugiro que a pregação inicie com uma reflexão sobre o individualismo e as consequências para a vivência do evangelho de Cristo nos dias atuais (subsídios no ponto 3 deste estudo).

Na sequencia, falar sobre a exortação à unidade e à humildade no texto bíblico (v. 1 a 4).

Buscar, em seguida, falar do exemplo de Cristo no evento salvífico – Hino Cristológico (v. 5 a 11).

Terminar a reflexão baseando-se nos v. 12 e 13 – a salvação (ação de Deus) é o fim último de vivermos a unidade, a humildade e o exemplo de Cristo.

5. Subsídios litúrgicos

O Livro de Culto da IECLB, a partir da p. 279, tem recursos litúrgicos diversos. Eles são muito úteis para a moldagem da liturgia do culto em sua comunidade. Sugiro alguns:

Acolhida: p. 280 – 3

Confissão de pecados: p. 298 – 8

Kyrie eleyson: p. 303 – 11

Oração eucarística: p. 317 – 2

Bênção: p. 326 – 11

 

Bibliografia

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

BORTOLINI, José. A carta aos Filipenses: O Evangelho encarnado. São Paulo: Edições Paulinas, 1991.

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. V. V. 4.ed. São Paulo: Milenium Distribuidora Cultural, 1983.

KÜMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.








 


 


 


Autor(a): Eloir Enio Weber
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 15º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Filipenses / Capitulo: 2 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 13
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2010 / Volume: 35
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25064
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