João 19.16-30 (31-37)

Auxílio Homilético

10/04/2009

Prédica: João 19.16-30 (31-37)
Leituras: Isaías 52.13-53.12 e Hebreus 10.16-25
Autor: Mauro Alberto Schwalm
Data Litúrgica: Sexta-feira da Paixão
Data da Pregação: 10/04/2009
Proclamar Libertação – Volume: XXXIII

1. Introdução

O tema do dia é absolutamente dominante. A comunidade vem para a celebração comunitária sabendo de antemão o conteúdo da mensagem, os hinos, as orações, sabendo que vai se tratar do tema relativo ao sofrimento e à morte de Jesus Cristo, de sua crucificação. Muitas pessoas inclusive já viram filmes que procuram, com maior ou menor realismo, retratar a brutalidade dos acontecimentos descritos nos evangelhos. Isso pode gerar um certo automatismo. É uma época em que muitos cristãos visitam as igrejas com uma motivação ritualística, quase como que para poder sentir-se “em dia com suas obrigações religiosas”. Levando em consideração também que os textos, além de conhecidos, são densos e extensos, opto pela não-inclusão dos v. 31-37 quando da leitura do Evangelho de João com vistas à pregação. A proposta do lecionário para o dia também os coloca entre parênteses, apontando para a possibilidade de não abordá-los explicitamente. Neste estudo, portanto, os v. 31-37 não serão tomados como texto-base para a prédica.

A Sexta-Feira da Paixão está no núcleo das celebrações do povo cristão, uma vez que se reporta a conteúdos decisivos para a compreensão de Jesus Cristo, de sua pregação, sua vida, seu significado em termos teológicos. Dessa forma, constitui-se numa celebração que tem um caráter de memória, de rememoração constante com vistas à consolidação de convicções, dentro do espírito do texto da leitura do dia, Hebreus 10.25: “não abandonemos o encontro comunitário”. Justamente por isso a comunidade é convidada e chamada para a rememoração de acontecimentos passados em relação aos quais a fé prevalece como elemento de ligação a transcender épocas. Nesse sentido, é também uma oportunidade para relembrar as pessoas de que a participação no culto não quer ser um gesto de sacrifício, mas de vivência e fortificação comunitária da fé e da pertença ao povo de Deus.

2. Exegese

Creio que se pode dizer que não há apenas uma narração descritiva de fatos relacionados com o sofrimento, crucificação e morte de Jesus Cristo no Evangelho de João, mas uma tentativa clara de situar os acontecimentos no horizonte de uma interpretação orientada na história do povo de Isarel e em sua tradição, sobretudo profética. O autor do evangelho quer evidenciar a consumação das antigas profecias nos acontecimentos que envolveram Jesus Cristo, sensibilizando seus leitores, sobretudo num contexto de animosidade para com a comunidade cristã, isso por volta do final do primeiro século. Para o autor do Evangelho de João, era importante ressaltar nos aconteci- mentos relacionados com Jesus Cristo o caráter de cumprimento do propósito divino. A leitura do texto de Isaías 52.13-53.12 igualmente reforça essa ênfase no todo do culto. Abaixo seguem elementos para uma compreensão de detalhes do texto para a pregação.

2.1 – Contexto antes do texto

Considero imprescindível lançar os olhos sobre o contexto, sobre as palavras precedentes. O evangelista descreve em João 19.1-15 o processo de julgamento e a tensão do embate entre Pilatos e as lideranças políticas e religiosas do povo de Israel. O componente político desempenha um papel destacado, tanto na argumentação de Pilatos bem como no discurso das lideranças judaicas. Também para os sacerdotes, César é o rei, e não Jesus. E esse componente de ordem política, aliado aos aspectos de ordem religiosa, determina o andamento dos fatos. É claro que ambos os aspectos não são unidades estanques, pois se mesclam na argumentação, de acordo com os interesses e preocupações em jogo. Pilatos abre mão de sua tendência complacente inicial diante da lembrança do poderio do imperador romano (v. 15), razão pela qual o processo desemboca no seu gesto de lavar as mãos.

V. 16 – Entrega: ao “entregar” Jesus a seus algozes, Pilatos “transfere” responsabilidade ou ilude-se de que o está fazendo. O gesto quer sinalizar isenção. Mas é inegável que ele poderia ter evitado a “entrega”, pois dispunha de autoridade e poder para tal, até porque a crucificação apenas foi consumada após esse ato de “entrega”. Com isso fica evidenciada a sua participação decisiva no processo.

V. 17-18 – Solidão: a tortura física e espiritual contra Jesus continua, na medida em que ele mesmo precisa carregar o aparato que será usado para a sua execução. De acordo com João, ele é o cordeiro que carrega o pecado do mundo. Portanto carrega também a cruz que nem deveria ser “sua”. O caminho é de enfrentamento solitário dos próprios limites físicos e emocionais num contexto de flagrante injustiça. Que ali se realize a justiça de Deus não pode embotar a visão para o fato de que são acontecimentos injustos. No topo do monte, cujo nome evoca a imagem da morte consumada –“caveira”
–, a solidão é potenciada apesar da crucificação coletiva: o justo continua só e incompreendido ao ser igualado àqueles que agiram criminosamente. Ainda assim, a descrição de João não enfatiza a violência e dramaticidade dos acontecimentos.

V. 19-22 – Confissão velada: a ingerência de Pilatos reaparece ao ordenar a identificação do crucificado, que, a seu ver, talvez nem deveria ter sido crucificado (Jo 18.38) e um título é atribuído a Jesus: rei dos judeus. Pilatos baseia-se no diálogo tido com Jesus durante o processo. O que significa esse gesto? Poderia significar a convicção de Pilatos ou sua dúvida, afinal Jesus não disse nem contradisse, embora tenha deixado claro que seu reino não é deste mundo (Jo 18.36). Mas certamente o gesto de destacar a identidade de Jesus também foi uma manobra mediante a qual Pilatos procurou isentar-se a si mesmo e evidenciar uma causa externa para a condenação (Jo 19.7). A reação dos “principais sacerdotes” evidencia o desconforto gerado. Querem que Pilatos volte atrás e mude a formulação. Pilatos nega e mantém sua posição. A interpretação acaba ficando sob responsabilidade de quem lê a placa. Para muitos visitantes que naqueles dias vieram a Jerusalém, certamente ecoou a pergunta: que rei é esse? Um agitador político e religioso. Provavelmente a resposta mais fácil... Ou o “enviado de Deus”, o Messias. João não dá uma resposta nesse texto. Mas seu evangelho está permeado da resposta. A descrição está a serviço de sua convicção: a convicção de alguém que havia compreendido as Escrituras (Jo 20.9).

V. 23-24 – Nudez: como se fosse um despojo de guerra, os poucos “bens” de Jesus são repartidos entre seus algozes. Sinal de que é caminho sem volta: a cruz não seria uma experiência a mais, ela seria a experiência derradeira. Sua nudez não será mais coberta por sua túnica. O evangelista reporta-se ao Antigo Testamento para comunicar a seus leitores que os fatos acontecidos por ocasião da execução correspondem às antigas profecias e assim estabelece o elo com a vontade salvadora de Javé.

V. 25-27 – Ternura em meio ao sofrimento: um aspecto marcante desses versículos é o resgate da proximidade humana. O evangelista narra o zelo de Jesus para com sua mãe na medida em que estreita o elo de ligação entre a mesma e o “discípulo amado”. Para aquele que estava morrendo, esse certamente foi um marco libertador, uma vez que pode entregar-se sabendo que entre os que permanecem consolidam-se a solidariedade e o cuidado mútuo. Embora o processo, o carregar da cruz e o sofrimento tenham sido solitários, resgata-se aqui o horizonte da pertença para além dos limites impostos pela morte inevitável. Proclama-se a importância da comunhão entre os que permanecem.

V. 28-29 – As forças se esvaem: mais uma vez, o evangelista reforça sua compreensão acerca da realização das profecias e sublinha que no Jesus pendurado na cruz se projeta o propósito divino. Aqui está o Jesus humano, como muitos prefeririam não tê-lo visto: frágil e sem forças para libertar-se a si mesmo, enfrentando a morte, sendo vítima de uma última ação que não aplaca, ao contrário potencia a sua sede. E na escritura antiga encontra-se a evidência de que aqui se cumpriu a vontade de Deus. O arco vai se curvando até chegar a seu ponto mais profundo; esse ponto sinaliza: o propósito de tudo em breve estará cumprido.

V. 30 – Entrega: se antes Jesus foi entregue à cruz, desta vez se trata da entrega de Cristo na cruz. Para o evangelista, o Cristo sabedor do porquê de tudo aquilo entrega seu último suspiro com a convicção de ter completado a sua missão. É uma entrega consciente. Assim como enfrentou conscientemente a entrega aos soldados por parte de Pilatos, entregou-se no momento derradeiro. João não o escreve, mas subentende: Jesus entregou-se nas mãos de Deus, de quem dependia o sentido de sua vida e de sua morte.

2.2 – Contexto depois do texto

Outros aspectos relacionados com a narrativa da morte de Jesus Cristo são abordados pelo evangelista, culminando no seu sepultamento. De maneira especial nos v. 36-37, o evangelista sublinha seu propósito de vincular a descrição feita com a mensagem da profecia veterotestamentária. Mesmo o sepultamento de Jesus teve de acontecer de forma rápida e discreta para evitar mais enfrentamentos em uma Jerusalém apinhada de visitantes por causa da Páscoa. Um pequeno círculo familiar, além de amigos e conhecidos mais próximos, resgata o corpo e lhe oferece o derradeiro repouso.

3. Meditação

Jesus foi entregue por Pilatos para ser crucificado. Quanto poder, quanta autoridade! Eu hoje parto do princípio de que Pilatos estava obviamente errado. Ninguém, convencido do significado da vida, pregação, obra de Jesus Cristo, conseguirá interpretar diferente. Jesus caiu nas redes traiçoeiras da incompreensão e da injustiça, ainda que dessa forma Deus tenha consolidado sua vontade de salvação. Porém ecoa em minha memória o pensamento acerca de inúmeros processos injustos, calcados em interpretações étnicas, religiosas, políticas parciais, que desembocam na “entrega” à morte de tanta gente mundo afora. Entre essas pessoas há homens e mulheres que se destacam, integram o rol das biografias famosas, mas há igualmente inúmeros mártires desconhecidos. No calor da disputa, tendem a prevalecer o argumento e a posição de quem detém o poder. Muitas vezes, por causa do temor de quem tem ainda mais poder.

Por maior que seja o número daqueles que acompanham um paciente terminal, o conflito e o embate com a morte são solitários. O paciente terminal sabe – e também os que o acompanham – que ele é o foco: o foco da doença, o foco do tratamento, o foco das visitas. Ou ele sobreviverá, ou não. Jesus era o foco, o centro do processo. Ou seria inocentado, isentado, ou não. Mas o conflito já tinha ido longe demais. Como voltar atrás? Quem iria pagar o preço de uma derrota? Pilatos e seus palacianos? Os incitadores do conflito e sua “causa coletiva”? Iria Jesus renegar sua pregação? Os poucos que acompanhavam Jesus e compactuavam com sua causa não conseguiram evitar o desfecho. Solitariamente, Jesus é torturado, achincalhado, carrega sua cruz e sabe que é só questão de tempo, depois de ter os pregos cravados em sua carne. Não estava só. Mas estava só!

Fico imaginando o quanto esse “caso” incomodou a consciência de Pilatos (ou não...). Entre tantos outros prováveis casos, esse recebeu destaque especial, com uma placa de identificação em três idiomas correntes naqueles dias. Uma placa que desencadeou reações de indignação entre a liderança do povo, pois a frase tem marcada conotação política e religiosa. Hipóteses: a) Pilatos queria deixar claro mais uma vez que não era por causa dele ou de Roma que Jesus estava morrendo; b) Pilatos estava impressionado com a convicção com a qual Jesus encarou a morte e veladamente formula uma confissão; c) Pilatos queria ridicularizar Jesus e destacar assim a sua pretensiosa “loucura”. Em todos os casos, Pilatos baseou-se nas informações que recebeu também de Jesus. Em seu diálogo em João 18.36-37, Jesus menciona “seu reino” como um reino que não é deste mundo e que ele é testemunha da verdade. E como Jesus não nega o título que lhe é atribuído, Pilatos sente-se legitimado a usá-lo, servindo assim, de alguma forma, a propósitos para além de sua compreensão.

A ação misteriosa de Deus se faz perceber. O evangelista João procura já em sua descrição apontar para essa presença, para essa ação. O elo entre as esperanças do Antigo Testamento e a pregação de Jesus Cristo é destacado. O evangelista queria e precisava argumentar situando os eventos no contexto de uma história de raízes antigas e abrangentes, para evidenciar o propósito de salvação contínuo e renovado de Deus. E havia muitos pontos de conexão entre as profecias e os eventos envolvendo Jesus Cristo. Como deixar de perceber isso? Como deixar de relatar sobre isso? Deus age misteriosamente.

Ainda há espaço para ternura e solidariedade em meio à angústia da morte avizinhada. Não é assim que muitas vezes o moribundo se preocupa tanto com os que ficam, assim como esses com ele? Deixar a mãe para trás, quem sabe desamparada, numa sociedade discriminatória, é doloroso para quem está consciente de que está morrendo e nada mais pode fazer. Imagino que tenha sido uma sensação reconfortante poder entregar o espírito, sabendo que uma perspectiva de caminho se abria também para quem ficava. Recentemente, vi uma reportagem que contava – entre outras – a história de uma mãe africana, portadora do vírus HIV, cuja filha pequena era sua maior preocupação: “Preciso me cuidar”, dizia ela, “para poder estar o máximo de tempo ao lado de minha filha”. E isso a despeito das precárias condições de vida de que dispunham. A marca da morte não necessariamente impede a solidariedade, o zelo e o cuidado para com a outra pessoa. Também aí Deus age misteriosa e inesperadamente. E o evangelista aponta para a dimensão da comunhão que pode brotar entre aqueles que se deixam guiar, conduzir, unir debaixo da herança da mensagem anunciada por Jesus Cristo.

Jesus foi entregue às mãos de seus juízes. Quis um deles fazer-se de desentendido e lavar suas mãos. Não é assim que muitas vezes repetimos o gesto? Penso em detalhes do cotidiano, em que a atitude mais fácil é “tirar o corpo fora” para não se dar mal. Jesus não tirou o “corpo fora”. Ao contrário, manteve-se coerente com sua pregação e encarou o risco. E, no final, Jesus faz mais uma entrega: inclinando a cabeça, entrega o espírito. Corpo e espírito são entregues num gesto de coerência e concordância consigo mesmo, com a vocação para ser testemunha da verdade. Que verdade?, perguntou Pilatos. Pergunta que se repete e ecoa ainda hoje. Quando Jesus entrega o espírito, consuma-se o juízo. Mas é – assim leio – uma entrega em esperança e convicta dignidade. Aqueles que somente conseguem ver os reinos “deste mundo” dão a história por encerrada. Mas o seu reino não é deste mundo; seu reino não vê na injustiça nem na arbitrariedade a última palavra.

Penso, ainda, em duas situações de preocupação global, que são cruzes no caminho: a) nós estamos submetendo nosso planeta, de limitados recursos, a um processo de degradação agressiva e injusta. O aquecimento global é uma cruz imputada à criação. Nossas vaidades levam-nos a produzir tanto lixo, que sobrecarrega ecossistemas; nosso consumo de energia é tão desvairado, que as fontes conhecidas vão se esgotando. Vamos esperar até que a Terra diga: “está consumado”? b) grupos inteiros de pessoas, povos, não têm tido acesso à água ou a alimentos por causa de processos de distribuição injusta. Uma agricultura “industrializada” produz essencialmente com base em princípios de lucratividade, e as crises vão aumentando mundo afora, gerando conflitos humanos sociais por causa da cruz da fome. Como lidar com essa situação sem simplesmente “lavar as mãos”?

4. Imagens para a prédica

1 – As imagens que derivam do próprio texto são imagens que vêm carregadas de um forte simbolismo e que podem desencadear diferentes associações. Menciono duas: Carregar a cruz – a maioria das pessoas pensará não somente na cruz que Cristo carregou, mas poderá associar rapidamente com a sua própria cruz (pessoal, particular). Popularmente, fala-se muito de “carregar a própria cruz”, em alusão aos sofrimentos pelos quais se passa: doença, luto, desemprego, pobreza, desentendimentos com o companheiro, brigas familiares, crises e tragédias... Não creio que seja possível evitar esse caminho; mas se pode tentar ajudar as pessoas a não pensar apenas nas suas próprias cruzes, mas nas dos outros também. Caveira – assim podia ser chamado o monte no qual aconteceu a crucificação. Caveira lembra morte, lembra a exposição dos ossos, sem carne, sem vida. “Ser ou não ser, eis a questão”, proclamava o personagem de teatro, contemplando uma caveira e meditando acerca do sentido da (sua) existência. Sexta-Feira Santa confrontanos com o sofrimento e a morte de Jesus Cristo. Qual o sentido desse sofrimento e de sua morte? Teriam tido um fim em si mesmo? Ou teriam sido antes o desfecho de uma vida dedicada “ao espírito da verdade”? Há que se perguntar se a ênfase deve estar na mensagem da morte vicária ou na mensagem da vida devotada aos propósitos do reino de Deus. A morte de um mártir apenas se torna relevante quando associada a uma vida relevante para a causa em nome da qual ou por causa da qual se enfrenta a morte (ou por causa da qual a morte se torna “o preço” a ser pago). Antes de morrer por nós, Jesus viveu por nós. E acrescente-se a mensagem da Páscoa, que não pode ser esquecida: reviveu por nós.

2 – Enquanto pensava sobre o texto e sua mensagem, lembrei-me de uma antiga ilustração. Encontrei uma versão no site da Associação de Pastoras e Pastores da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (APPI), bem como uma outra lenda chinesa que pode ser aproveitada:

a) Um homem queixava-se constantemente perante Deus. Ele dizia: “Meu Deus! Tu tens colocado sobre mim uma cruz pesada demais. Os outros, com suas cargas, estão em melhor situação. Sei que cada um tem que carregar sua cruz, mas a minha é muito pesada”. Ele estava sempre descontente e reclamava, invejando os outros. Certo dia sonhou. Estava numa enorme sala com muitas cruzes empilhadas, de ouro, prata, madeira, rústicas, trabalhadas, grandes, pequenas, leves, pesadas... De repente, uma voz surgiu, dizendo: “Escolhe uma para ti”. Então ele tirou do ombro aquela que tanto o incomodava e experimentou primeiro a de ouro. Era a menor e mais bonita. Constatou que era muito pesada. A sua própria era melhor. Pegou a de madeira, fina e longa, mas ficou enroscando pelos cantos. A sua era melhor. Pegou uma feita de taquara. Essa sim era leve! Mas as pontas o incomodavam. A sua ainda era melhor. Já estava aborrecido. Não encontrou nenhuma. Então olhou para a porta e viu uma cruz média, que lhe agradou: era nem muito grande, nem pequena, de madeira simples. Pôs sobre seus ombros e gritou: Viva! Achei! É esta! Nova- mente olhou a cruz e reparou que era a mesma que ele havia deixado junto à porta ao entrar. Acordou, então, de seu sonho, envergonhado de tanto reclamar. Deus criou-nos de maneira especial. Ninguém é totalmente igual. Assim também nossa vida, nossa responsabilidade, nossos fardos são diferentes. Deus concede ânimo a todos para levar seus fardos (1Co 10.13). A solução não está na reclamação, mas na luta por condições melhores, lembrado que Deus nos concede entendimento e força para cumprir nosso chamado.

Oração: Senhor! Tu és o nosso Criador. Ajuda-nos a entender o mundo que nos cerca, o nosso coração e o teu chamado, colocando em nós disposição para te servir. Amém.

b) Vida sem sofrimento – Uma lenda chinesa conta que uma mulher ficou muito abalada com o falecimento de seu filho e por isso foi procurar os conselhos de um sábio. Perguntou-lhe: “Que orações o senhor conhece para que eu possa livrar-me desse grande sofrimento?” – “Traga-me um grão de mostarda de uma casa em que não houve sofrimento”, respondeu o sábio. A mulher saiu a procurar a sementinha especial. Chegou a uma casa muito bonita e bateu na porta. “Procuro uma casa sem sofrimento. Será que é aqui? É muito importante para mim”, disse a mulher. Mas os moradores passaram a relatar as desgraças que volta e meia lhes aconteciam. A mulher pensou: “Quem poderia ajudar melhor essa gente abatida do que eu?”. Ela ficou e começou a animar as pessoas. Depois continuou procurando a semente de mostarda da casa sem sofrimento. Mas onde quer que chegasse, nas cabanas ou nos palácios, sempre encontrou sofrimento. Ela ficou tão ocupada em consolar as pessoas, que esqueceu a busca do grão de mostrada e, sem se dar conta, superou a sua própria dor.

3 – Citações avulsas de uma prédica que encontrei na internet e que apresento aqui traduzidas livremente (Nürnberg – endereço da web na bibliografia):
“Sexta-Feira Santa é um dia carregado de tristeza, porque expõe diante de nossos olhos o que o ser humano pode fazer a outros seres humanos.” “Dolorosamente tomamos ciência num dia como hoje como para muitas pes- soas é difícil fazer o bem e não ver em pessoas que fazem o bem necessariamente inimigos. Sexta-Feira Santa é um dia carregado de tristeza, porque dolorosamente nos damos conta de como muitos poderosos na sociedade e na política fazem valer seu poder e sua vontade sem um pingo de misericórdia.” “A vida de Jesus não foi sem sentido. O que ele semeou no coração humano encontrou solo fértil. A morte na cruz não apagou seu significado nem sua mensagem.” “Quem confia na mensagem de Jesus de Nazaré sabe que um sinal evidente da fé é a comunhão com outras pessoas.” “Seus últimos pensamentos estão voltados para a comunhão, para a lembrança de que ninguém neste mundo precisa estar só com sua dor. Tudo o mais pode passar, mas isso permanece.” “Jesus lança as bases de uma comunhão que transcen- de sofrimento e morte. Assim a sexta-feira santa também é um apelo contra a morte e a favor da vida.”

4 – Não por último, os pontos abordados na exegese e na meditação podem ajudar na construção da pregação: a questão da entrega, da confissão velada, da ternura e do cuidado, a ação misteriosa de Deus contra as evidências, as cruzes globais...

5. Subsídios litúrgicos

“Bendito seja o Senhor que, dia a dia, leva o nosso fardo. Deus é a nossa salvação” (Sl 68.19).

Oração de confissão:
Deus misericordioso, mediante Jesus Cristo, teu filho, tu nos ofereces a possibilidade de comunhão para a vida. Em Jesus Cristo, que carregou a cruz que não era sua, depositaste também o nosso pecado, a nossa culpa. Somos comunidade que a ti pertence, por isso podemos achegar-nos confiantemente a ti, sabedores da tua graça, da tua piedade, da tua disposição para perdoar. Aju- da-nos a olhar para nossa vida; ajuda-nos a perceber nossos pecados. Ajuda- nos a perceber quando imputamos dor a alguém; ajuda-nos a perceber quando simplesmente lavamos as mãos e nos afastamos do caminho da justiça, da fraternidade. Ajuda-nos assim a dar sempre renovadamente o passo do pedido de perdão e do retorno aos caminhos de teu amor, da solidariedade para a qual nos chamas. Por isso nós te pedimos, a ti que és Senhor sobre a vida e a morte, Senhor da esperança e da ressurreição: perdoa-nos e concede-nos a disposição para seguir pelos caminhos indicados em tua palavra. Amém.

Oração do dia:
Deus de fidelidade, tu te encarnaste e enfrentaste fielmente o fardo do sofrimento injusto. Foste entregue como mercadoria e despojado de tua dignidade, sinalizando assim o caminho da coerência entre palavra e vida. Não te esquivaste da dor e do descaso, abrindo o caminho da redenção no segui- mento da verdade. Também nós muitas vezes nos deparamos com a pergunta ou perguntamos a nós mesmos: o que é a verdade? Ou onde está a verdade? Ou ainda, qual verdade? Ajuda-nos, ao ouvir a tua palavra, a reconhecer a verdade que ofereces: verdade de amor, de justiça, de solidariedade, verdade de paz e superação do mal causado pelas cruzes que proliferam neste mundo. Alimenta nossa esperança com a tua palavra. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.

Bibliografia

BRAKEMEIER, Gottfried. Observações introdutórias referentes ao evangelho de João. In: Proclamar Libertação. V. VIII, p. 7-15. São Leopoldo, 1982. SANDER, Luís Marcos. Sexta-Feira Santa, João 19.16-30. In: Proclamar Libertação. V. X, p. 284-293. São Leopoldo, 1984. http://www.appi.org.br/
— http://www.moegeldorf-evangelisch.de/










 


Autor(a): Mauro Alberto Schwalm
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Sexta da Paixão

Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 19 / Versículo Inicial: 16 / Versículo Final: 30
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2008 / Volume: 33
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 24537
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