João 16.12-15

Auxílio Homilético

26/05/2013

Prédica: João 16.12-15
Leituras: Provérbios 8.1-4,22-31 e Romanos 5.1-5
Autor: Gottfried Brakemeier
Data Litúrgica: 1º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 26/06/2013
Proclamar Libertação - Volume: XXXVII

1. Introdução

Não é por acaso que o 1º Domingo após Pentecostes esteja dedicado à celebração do mistério da Trindade. Encerra-se o período das grandes festas cristãs, confluindo numa visão conjunta da revelação de Deus. A encarnação de Deus no Natal, a morte e ressurreição do Filho na Sexta-feira Santa e na Páscoa, bem como a manifestação do Espírito Santo no dia de Pentecostes identificam o Deus ao qual o ser humano deve a salvação. O cristianismo fala no trino Deus, que a um só tempo é Pai, Filho e Espírito Santo. É isso o que neste domingo deve ser lembrado e justificado. Por que falamos de Deus desse jeito?

Para não poucos, esse discurso é escandaloso. O cristianismo estaria transformando o monoteísmo em “triteísmo”, adorando três divindades diferentes. É essa a acusação que vem do islamismo. Também outros têm dificuldades com esse credo. Seja admitido não ser fácil falar do trino Deus. E, no entanto, há boas razões para fazê-lo. Isso porque, como cristãos, não ficamos presos à pergunta quem Deus é. A nós interessa o que Deus fez, faz e fará. Nós proclamamos um Deus atuante, ou seja, um Deus que cria o universo e cada um dos seres viventes; que se compadece da criatura; que chega perto das pessoas; que perdoa suas dívidas; que as arranca das garras da morte; que envia o seu Espírito para orientar o seu povo. Por isso temos que falar três vezes do mesmo Deus, a saber, de sua atuação como criador, como redentor e como guia. Está aí a Trindade.

E ela de modo algum fere o monoteísmo. Mostra-nos, isto sim, o rosto misericordioso de Deus, que ama a criatura indigna e que pretende a sua vida. Onde é que temos um discurso igual a esse? É bem verdade que o Novo Testamento ainda não formula um “dogma” a esse respeito. Isso acontece somente mais tarde. Mesmo assim, o evangelho tem natureza essencialmente trinitária. Confirma-o o texto proposto para a prédica neste dia. Ele não fala diretamente da “Trindade”. E, no entanto, ninguém vai entendê-lo fora desse horizonte.

2. Noções exegéticas

O trecho de João 16.12-15 insere-se no bloco em que o evangelista reúne os assim chamados discursos de despedida de Jesus. Ele abrange os capítulos 13 a 17. Jesus está a caminho da cruz e vai deixar os discípulos sozinhos num mundo hostil. Mesmo assim, não há motivos para resignação e desespero. Pois Jesus lhes promete o envio do Espírito da Verdade, o Auxiliador, o Consolador. Por ele Jesus mesmo vai fazer-se presente e assistir seus seguidores. Assim já o lemos em passagens anteriores (cf. 14.16s; 15.26s). O presente texto, ao qual a rigor pertencem também os versículos 5 a 14, trata do mesmo assunto, ou seja, da vinda do Espírito Santo. Ele vai amparar os discípulos e dar-lhes instrução. Vejamos o conteúdo do texto mais de perto, no que podemos ser breves. Remetemos às meditações anteriores nessa série de auxílios para complementação e comparação (PL 4, p. 65s; 20, p. 177s; 26, p. 200s).

Dentro em breve, os discípulos não mais poderão contar com a presença física de seu mestre. Devem “virar-se” sozinhos no mundo. Jesus ainda teria muito a lhes dizer (v. 12). Mas, nesse exato momento, eles ainda não o podem suportar. Há coisas que eles irão entender somente após a crucificação e a ressurreição. Será essa uma das grandes obras do Espírito Santo, a saber, conduzir os discípulos a toda a verdade. Ele vai revelar-lhes o segredo da missão de Jesus. Simultaneamente, vai anunciar-lhes as coisas que hão de vir. Portanto o Espírito dirige os olhares não só para trás, lembrando de tudo o que Jesus disse e fez (14.26). Ele aponta também para as obras previstas por Deus no futuro.

Isso significa que o Espírito Santo não é saudosista. Lembra a história de Jesus, sim, mas não fica preso a ela. Dá olhos para as promessas de Deus, assim como Jesus já o fizera. O Espírito Santo dá motivos para a esperança. Em tudo isso ele “glorifica” Jesus, ou seja, dá-lhe razão, faz valer a sua palavra, confirma a sua obra. Essa obra, aliás, é a do próprio Deus. Pois assim como Jesus nada fez por si, e sim por mandato de Deus, assim também o Espírito Santo. Ele não vai falar por si (v. 13), em autoridade própria como se fosse outra pessoa. Ele vai falar em nome de Jesus, assim como Jesus falou em nome de Deus. Pois tudo o que o Pai tem é de Jesus, e tudo o que o Espírito Santo anuncia ele o recebe de Jesus (v. 15). Portanto é inseparável a unidade entre o Pai, Jesus e o Espírito da Verdade.

Vale anotar que, de acordo com o evangelista João, o Espírito Santo não se manifesta em prodígios e sinais extraordinários. Nada ouvimos de glossolalia e de fenômenos extáticos. Sua obra consiste antes no ensino (14.26), no testemunho (15.26), na revelação de pecado, justiça e juízo (16.8s). Em outros termos, Espírito Santo atua como intérprete de Jesus, assim como Jesus tem sido o intérprete de Deus. Ele manifesta a palavra de Deus em graça e juízo, conduzindo exatamente assim a toda a verdade. É essa a ajuda de que a comunidade cristã precisa para enfrentar o mundo e os desafios que coloca. O Espírito Santo, enviado por Deus em nome de Jesus Cristo (14.26), é poder que sustenta e indica o rumo a seguir. Ele consola na tristeza, fortalece na fraqueza, dá orientação na escuridão. Sua vinda é promessa que Jesus tem para quem segue o seu caminho.

Assim sendo, já não há motivos para o temor. Evidentemente, os discípulos serão privados da presença de seu mestre. Ele será morto na cruz e há de ressurgir para nova vida. Mas no Espírito Santo ele voltará para estar junto com os seus. O Espírito é a presença de Jesus e do próprio Deus. O texto em apreço fala de Pentecostes, assim como também lembra a obra de Jesus e de Deus Pai.

3. Meditação

Para que serve a fé? De acordo com estatísticas recentes, cresce o número de pessoas que se declaram “sem religião”. Ainda não se sabe exatamente o que isso de fato significa. O fenômeno exige estudos mais minuciosos. Mesmo assim, é óbvio que para não poucos contemporâneos a igreja já não faz falta. “Não acredito em Deus e sou feliz” – é o que propagam os novos ateus. Religião passou a ser considerada um supérfluo. Já não serve para mais nada. Talvez não seja esse o espírito predominante na sociedade brasileira. Mas ele existe e preocupa também a comunidade evangélica. Como reagir a pessoas que se mostram desinteressadas em assuntos religiosos? Para que existe igreja? Que é que ela acrescenta?

Certamente, não há como duvidar da honestidade subjetiva das pessoas que se dizem felizes sem Deus. Felicidade não se prende à filiação a uma comunidade de fé. Ateísmo pode ser até mais fácil por desincumbir do respeito à autoridade divina. Libertaria o ser humano de uma incômoda tutela religiosa. Assim pensam alguns. Assim, porém, não pensaram os discípulos de Jesus. Uma vida sem a presença de seu mestre causa-lhes pavor. É como uma vida sem Deus que condena o ser humano à condição de órfão no universo. Já não terá em quem se orientar e segurar. Você pode ser feliz sem Deus, claro. Por algum tempo isso é possível. Mas, nas tempestades da vida, em quem você vai buscar socorro? Diante de quem será responsável? A eliminação de Deus levanta sérios problemas. Acaba em terrível empobrecimento espiritual. É o que o texto para este domingo denuncia. Ele assegura proteção contra o perigo da orfandade cósmica. Jamais estará desamparado quem crê em Deus, Jesus Cristo e o Espírito Santo.

Ao mesmo tempo, o texto oferece ajuda contra o mal da desorientação. É grande a confusão religiosa em nossos dias. Ao lado da descrença pulula o fervor religioso. Não se trata de novidade. Já nos tempos do Novo Testamento competiam os mais variados credos no mercado religioso. Disputavam freguesia e adeptos, na maioria das vezes com nítidos interesses econômicos. Hoje a situação se agravou. Isso em razão dos meios eletrônicos de comunicação e da informação global. Qual é a religião que devemos seguir? Serão todas equivalentes? A afirmação de valores normativos tornou-se difícil. Tudo parece reduzir-se a uma opção particular. Sinais de relativismo existem também nas comunidades da IECLB. Então qual deve ser o discurso de uma comunidade luterana? Seu dever consiste na pregação da palavra de Deus, sendo um dos grandes objetivos a orientação em assuntos de fé e de conduta. Jesus promete a vinda do Espírito Santo, que vai guiar seus seguidores a toda a verdade. Que significa isso em tempos de pluralismo religioso?

A resposta é a afirmação da Trindade. Quem fala apenas de Deus, sem nenhuma referência a Jesus Cristo e ao Espírito Santo, está no perigo de transformá-lo num tirano, num abstrato princípio filosófico, numa energia positiva ou qualquer coisa assim. O ser humano cria Deus à sua imagem. Daí a confusão “teológica”. Ora, Deus é assim como Jesus falou, agiu e viveu. É Jesus Cristo quem cria a nossa imagem de Deus. E ele o define como misericórdia, compaixão, amor. Jesus coloca os parâmetros para nosso discurso sobre Deus. Também o Espírito Santo é importante. Esse impede que seja Deus entendido como distante ou mesmo ausente. O Espírito Santo é a presença de Deus em pessoa. Da mesma forma, erra quem fala de Jesus de Nazaré sem falar de Deus. O nazareno, esse caso, será apregoado como respeitável benfeitor da humanidade, como “personalidade-padrão”, merecedor de aplausos e admiração. Mas ele permanece sendo mero exemplo a ser seguido; nada mais. Ele já não será o enviado de Deus. Enfim, é perigoso também falar do Espírito Santo sem o simultâneo recurso a Deus e a Jesus Cristo. Nesse caso, o Espírito poderá resumir-se a uma simples força sensacional, que tira o juízo das pessoas e que poderá ser abusado para satisfazer dúbios interesses humanos. Será esse o nosso Deus?

Nós deveríamos detalhar essa reflexão. Falta espaço. De qualquer forma, vale a pena fazer o teste: Se isolarmos as pessoas da Trindade e falarmos de cada uma delas em separado, onde vamos acabar? A fé cristã não pode deixar de correlacionar Deus, Jesus e o Espírito Santo. Ela afirma que todo discurso sobre Deus, para ser autêntico, exige o lado a lado dessas perspectivas. Somente desse modo perderá a ambiguidade e terá critérios que lhe permitem orientação na confusão religiosa.

O texto para a pregação neste domingo, ao anunciar a vinda do Espírito Santo, promete amparo aos fiéis nas agruras, nas tentações, nas vicissitudes da vida. A comunidade cristã pode estar certa de não enfrentar o mundo sozinha. Ela o faz no poder do Espírito, que lhe relembra as palavras e os gestos de Jesus, bem como a obra de Deus Pai. É esse Espírito que a conduz, que lhe mostra o caminho e que lhe revela a verdade sobre Deus e o ser humano.

4. Imagens para a prédica

Entre os produtos à venda num supermercado existem os de primeira necessidade, os necessários e os supérfluos. Sobre esses, considerados dispensáveis ou de luxo, incidem pesados impostos. Vale a pena explorar essa imagem, perguntando como se enquadra o Espírito Santo nessas categorias. Trata-se igualmente de um “supérfluo” que no fundo não faz falta? O texto para a prédica dá uma resposta muito precisa. Ele anima a dar continuidade à celebração de Pentecostes? Quais as razões?

Detalhando o assunto, a prédica poderá utilizar reflexões expostas na meditação acima. Trata-se de prestar contas do credo cristão frente a pessoas que já não acreditam em mais nada, cansadas e até decepcionadas com a religião. Para muita gente, Pentecostes, assim como também Natal e Páscoa, reduzem-se a nada mais do que a um simples “dia feriado”, bonito por causa dos símbolos tradicionais, mas de resto sem maior importância. A igreja tem a tarefa de resgatar a “novidade” do evento de Pentecostes e de proclamar a “revolução” que a vinda do Espírito de Deus significa. Ele é a âncora que segura nas incertezas e tempestades da vida. Simultaneamente, ele impede a tirania do “velho espírito” que produz desgraça e destruição.

Da mesma forma, trata-se de fazer frente ao politeísmo, ou seja, à confusão em assuntos de fé. Nós não adoramos um espírito qualquer, mas o Espírito do Deus Criador e de Jesus Cristo. É o momento de falar da “Trindade”. A imagem que pode ilustrá-la é a tridimensionalidade do espaço. Assim como todos os corpos têm largura, comprimento e profundidade, assim o discurso sobre Deus requer três abordagens para afirmar justamente a unidade. A omissão de uma delas perverte o discurso. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Em seu nome somos chamados a celebrar o culto, os sacramentos e a conduzir nossa vida.

5. Subsídios litúrgicos

Confissão de pecados:

Senhor! Não há nada mais difícil do que confessar a própria culpa. Nós costumamos empurrá-la a outros, a coisas ou circunstâncias. É raro ouvir dizer: “Eu errei!”. De culpa costumamos fugir. Mas perante ti não podemos mentir. Tu nos conheces melhor do que nós. Perdoa a nossa hipocrisia. Derruba em nós aquela maldita vaidade que julga sempre ter razão e tiraniza o ambiente. Dá-nos a coragem para ser humildes e honestos. Perdoa o nosso pecado e faze-nos capazes de também perdoar o pecado dos outros. Para tanto pedimos a força de teu santo Espírito. Amém!

Oração do dia:

Senhor, nosso Deus! Crimes humanos, estupidez e cinismo estão na raiz da maioria das dores neste mundo. Tem compaixão! Converte os corações para que os povos e as pessoas aprendam a se opor à violência e à destruição. Nós te agradecemos pelo envio do teu Espírito. Ele introduz novidade nas relações sociais. Faze com que as pessoas o acolham e o traduzam em bem-estar, justiça e paz. Queremos que Pentecostes se repita diariamente para o bem da criatura e para a glória de teu nome. Amém!

Intercessão:

Senhor! Trazemos diante de ti o que nos preocupa... Casos de doença na comunidade, desastres naturais, estragos ambientais, ocorrências assustadores. Intercedemos em favor... da Igreja de Jesus Cristo em todo o mundo; das comunidades da IECLB e sua direção; de iniciativas sinodais; das famílias e da educação; de todo o trabalho honesto; do governo em nosso país. Pedimos por... paz em nosso país, sustentabilidade; justiça e bem-estar. Senhor, ouve as nossas preces. Amém!


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 1º Domingo após Pentecostes - Domingo da Trindade
Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 12 / Versículo Final: 15
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2012 / Volume: 37
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25428
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Se reconhecemos as grandes e preciosas coisas que nos são dadas, logo se difunde, por meio do Espírito, em nossos corações, o amor, pelo qual agimos livres, alegres, onipotentes e vitoriosos sobre todas as tribulações, servos dos próximos e, assim mesmo, senhores de tudo.
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