Lições de vida entre controle e liberdade

01/12/1997

Lições de vida entre controle e liberdade

Dorothea Wulfhorst

Na esquina conversavam duas mães, uma com o bebê no colo, outra com um menino de mais ou menos seis anos, pela mão. Ele estava impaciente, querendo escapar da mão segura da mãe. Eu ao passar, ouvi-a exclamar: —Ah, como tenho saudade do tempo em que ele era só meu, bem cuidado nos meus braços!

Desde o nascimento de uma criança, pais e filhos aventuram-se juntos, com dor e amor, num crescente processo de individuação e separação. Os filhos são os filhos da ânsia da vida por si mesma... (K. Gibran) e nunca nossa propriedade. Demandam proteção, não controle — inspiram cuidados, não superproteção. Mas isto mete medo — em ambos! É importante sentir esta contradição e ambivalência que existe tanto nos pais como nos filhos: a vontade de ficar, mas também de ir — de segurar, mas também de soltar! Porém, laços de amor que prendem acabam sendo cordas que amarram. Querem unir, mas acabam prendendo. Controle que é obrigação e coação — e não primeiramente proteção e temo cuidado — asfixia a necessidade de liberdade e o espaço de amor que só cresce dentro da liberdade.

Equilíbrio na educação

Ana Júlia contempla e ¨curte¨ o mundo do alto de seus doze anos. Está à mil, sempre em busca de sua própria identidade, que lhe aparece muitas vezes ameaçada por muitos NÃOS! Ensaia, a cada dia, novos passos rumo a uma vida independente, vacilando entre coragem atrevida e medo irracional. Num dia, o mundo todo parece pequeno para seus grandiosos sonhos e planos, noutro encolhe-se debaixo das cobertas, mas o que desejaria mesmo, inconscientemente, é voltar ao primeiro lugar protegido de sua vida: a barriga da mãe. Sente que vai dar muitas cabeçadas e chutes no ar antes de aprender a ocupar seu espaço. Ninguém pode nem deve impedir estas vivências, que ensinam a viver, sofrer, lutar, amar.

Ana Júlia tem uma mãe bastante controladora, ordeira e certinha. Volta e meia ela tenta driblar estas cobranças. Mas ela também sabe que pode contar com sua mãe a qualquer hora. Ela é como a rocha no mar. Já o pai de Ana Júlia é como o mar: movimentado, muito livre, ora maré alta, ora maré baixa — um pouco imprevisível, despreocupado e alegre. Movimentos leves como as ondas do mar. A mãe mais lhe ajuda a controlar a vida e descascar os ¨abacaxis¨ e resolver os ¨pepinos¨, e o pai a lhe mostrar que é um desafio fazer da vida uma salada de frutas gostosa. Ana Júlia é sortuda. Tem a chance de aprender suas lições de vida nesta corda bamba entre controle e liberdade — dever e prazer, amor e dor. E provavelmente a criança livre e alegre, original e criativa dentro dela viverá sempre!

Mas solidarizo-me também com tantos pais que, com sua diversidade, não conseguem um equilíbrio e harmonia na educação de seus filhos, morrendo de medo ao notarem como o controle sobre a vida dos filhos lhes escapa das mãos e corações angustiados. Também eu tive tantos ímpetos de colocar nossos quatro filhos sob uma redoma para protegê-los, para eles depois me sinalizarem: — Mamãe, isto aí nos impede de achar nosso próprio caminho. Amor não pode prender, só colocar limites claros, que precisam ser negociados.

Pistas

Neste espaço gostaria de compartilhar com você o que ¨funcionou¨ na nossa família nesta questão:

1. Controlar o mínimo possível para preservar e desenvolver a vida do filho possibilitando cada vez mais espaços próprios de aprendizagem de vida.

2. Dialogar, dialogar, dialogar! E, passo a passo, fazer com os filhos tratos firmes, inteligentes e claros, cujo cumprimento seja aceito por todos os membros da família. Cada vez que for necessário, qualquer membro da família pode solicitar uma ¨conferência familiar¨ para renegociação, expressão de sentimentos... A nefasta frase: Quero que aprendas de uma vez por todas... — será banida, pois aprender a conviver democraticamente é um processo, nunca um ato isolado. Ninguém nasce sabendo ser pai, mãe, filho...

3. Atos têm consequências! Isto é uma aprendizagem de vida das mais importantes. Também para nossos filhos. Na educação, frequentemente, fazemos dois erros fundamentais: ou ¨pulamos na fogueira¨ para ¨salvar¨ o filho toda vez que ele toma uma iniciativa que é ou parece prejudicial, ou então o abandonamos à sua sorte ou desgraça quando comete um erro e ele não quis ouvir nosso conselho.

Assim como dosamos um medicamento, precisamos ir aumentando na educação a dosagem da ¨linguagem das consequências¨, começando com as pequenas coisas. Não levantou — atrasou para a aula. Brigou — levou. Não estudou — rodou. Educar filhos para a responsabilidade é fazê-los arcar com as consequências. Pais que vivem ¨pulando na fogueira¨ se queimam e os filhos nunca conhecem o ¨fogo¨ e como conviver com ele e evitá-lo.

4. Cada membro da família tem voz e vez. Os conflitos são resolvidos em conjunto, cada qual podendo expressar seus medos, desejos e ideias livremente. Assim a família aprende a lutar pelo que deseja, a ceder quando necessário e a distinguir o possível do impossível.

5. Amor exigente não é egoísmo nem chatice. O amor é uma relação aberta e tolerante — mas não é rua de mão única! Amor de mão única costuma levar à exploração, à falta de limites e à anulação de um em favor do outro. Há escravidão tanto de pais como de filhos. O amor exigente usa a linguagem do sentir para expressar o que precisa, o que não consegue tolerar e o que pede, levando a felicidade própria tão a sério quanto a do outro. Também no relacionamento entre pais e filhos vale amar a si mesmo como ao outro.

6. Filhos não são propriedade dos pais. Pais não são propriedade dos filhos. Mas juntos, numa família cristã, somos propriedade de Deus. Esta relação nos coloca a todos num nível de IRMÃOS, responsáveis pelo bem-estar do outro, prontos a fazer nossa parte.

E onde há abuso de controle e dominação, somos convocados a oferecer auxílio ou, em caso extremo, denunciar este desrespeito à integridade do ser humano.

Finalizando: quem perde o controle sobre os filhos geralmente ¨puxou demais as rédeas¨, levando o filho a rebelar-se, ou afrouxou as rédeas de tal forma que o filho não sentiu mais os limites necessários e perdeu a noção do caminho certo. É bom, porém saber que sempre é hora de mudar, de começar de novo, de admitir, de perdoar... Nós todos, pais e filhos, vivemos desta graça.


A autora é psicóloga e reside em São Leopoldo, RS


Ver ìndice do Anuário Evangélico - 1998 
 


Autor(a): Dorothea Wulfhorst
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Família
Título da publicação: Anuário Evangélico - 1998 / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1997
Natureza do Texto: Artigo
ID: 33114
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