Lucas 12.13-21

Auxílio Homilético

01/08/2010

Prédica: Lucas 12.13-21
Leituras: Eclesiastes 1.2,12-14, 2.18-23 e Colossenses 3.1-11
Autor: Júlio Cézar Adam
Data Litúrgica: 10º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 01/08/2010
Proclamar Libertação - Volume: XXXIV

1. Introdução

O texto de Lucas traz à tona um tema candente: a relação humana com o dinheiro, com a riqueza e as consequências dessa relação com o sentido da vida. No texto, essa relação é abordada em três aspectos, que até hoje continuam dando o que falar: a divisão da herança, o acúmulo de riquezas e o sentido da existência. Estamos, portanto, diante de um tema atualíssimo e um tema humano por excelência. A mensagem de Jesus Cristo é muito clara: o que importa nesta vida é a própria vida, dádiva de Deus. Viver a vida é o sentido da existência humana. O dinheiro, a herança, o acúmulo são apenas meios para garantir a própria vida. Eles são meios, não os fins. Os textos do Antigo Testamento (Ec 1.2, 12-14, 2.18-23) e da Epístola (Cl 3. 1-11) detalham e ampliam o mesmo tema. O sábio de Eclesiastes fala do quanto é vazio e sem sentido trabalhar uma vida toda, juntando riqueza para deixar a alguém que, às vezes, nada fez por merecer. A lógica do acúmulo é nada mais do que vaidade, segundo ele. Já Paulo, na Carta aos Colossenses, fala da liberdade que temos em Cristo a partir da sua ressurreição como caminho cristão para se libertar de todas as formas de domínio, como a cobiça, o dinheiro e as riquezas.

2. Exegese

O texto bíblico encontra-se dentro de um grande bloco de ensinamentos de Jesus. Jesus está ensinando questões bem concretas da vida diária. A relação com o dinheiro não poderia ficar fora desse ensinamento. Não apenas esse texto, mas outros também procuram ensinar como lidar com os bens, com o dinheiro e a riqueza (A confiança em Deus: 12.22ss; Riquezas no céu: 12.32ss; A ovelha perdida: 15.11ss; O filho perdido: 15.11ss; O administrador desonesto: 16.19ss; O jovem rico: 18.18ss; Zaqueu 19.1ss). Os diferentes personagens desses textos tomam diferentes decisões frente aos bens, à riqueza. Com essas histórias, Jesus vai fazendo um contraponto entre a economia do dinheiro e a economia do amor. Jesus não condena a riqueza, os bens e o dinheiro em si, mas ensina que eles são meios para viver uma vida digna e colocar em prática o mandato do amor.

V. 13-14 – Jesus não é um jurista: do meio da multidão que ouvia Jesus um homem pede orientação de Jesus sobre a divisão da herança com o irmão. O  assunto da herança aparece de uma forma um tanto atravessada, indo de encontro ao que Jesus está ensinando. Jesus reage dizendo não ser ele juiz ou advogado para lidar com questões legais relacionadas à herança. O homem está tomando Jesus por rabino típico, que eram os que geralmente opinavam ou decidiam questões não contempladas nas leis judaicas.

V. 15 – Jesus aproveita a brecha e chama a atenção dos ouvintes para a questão da riqueza, especificamente a avareza. Jesus faz uma advertência às pessoas para se proteger da cobiça assim como se protegem de um inimigo. A vida não consiste nos bens materiais que alguém possui, diz ele.

V. 16-29 – Jesus passa a contar uma parábola a respeito de um homem muito rico, que, tendo colhido muito, aumenta seus depósitos de cereais para poder acumular mais e então ser feliz e viver, sem dar-se conta de que a morte está à sua espreita. Deus vai recolher sua alma (psychè, semelhante a nèphèsh = ser vivente, pessoa ou ainda a essência do ser humano) naquela noite, quando o homem decide viver.

O problema não é ser rico, mas o fato do fazendeiro já rico colocar sua confiança nos celeiros, na riqueza acumulada. A festa, tão valorizada por Lucas (A grande festa 14.15ss; por causa da ovelha encontrada 15.6; a festa pela volta do filho perdido 15.22-24), demonstra a alegria da partilha na abundância. Aqui, no entanto, não há festa. Apenas acúmulo egoísta.

Nos v. 18 e 19 chama a atenção o pronome possessivo: meus depósitos, minhas colheitas, mim mesmo. Trata-se de um egoísmo inveterado. O homem não usa sabiamente a riqueza. Muito menos pensa em reparti-la com os que têm menos. Está interessado apenas em sua autossatisfação.
André Chouraqui, em seu livro A Bíblia: Lucas, apresenta a seguinte tradução para os v. 19 e 20: “E direi a meu ser: Meu ser, tens muitos bens para muitos anos. Repousa, come, bebe e deleita-te! Elohim lhe diz: “Louco, ainda esta noite, teu ser te será pedido! Aquilo que preparas, será para quem?”1
No final da parábola (v. 20) reaparece o tema da herança, de modo agora relativizado, através da pergunta “quem ficará com toda a riqueza?”, lembrando muito o texto de Ec 2.18ss.

V. 21 – Jesus conclui que isso é o que acontece aos que acumulam para si, mas se esquecem do verdadeiro sentido da vida. De que adianta o acúmulo sem saber viver, sem sabedoria?

3. Meditação

Jesus não veio para trazer um plano econômico nem leis jurídicas para lidar com dinheiro, a herança, para garantir, assim, ganhos e segurança financeira. Jesus quer ensinar aqui que na vida o essencial não é o dinheiro. O mais importante é a vida e o viver. Isso não significa que não necessitamos de dinheiro. O dinheiro, no entanto, é apenas um meio. Não pode ser transformado em um fim, uma obsessão, um vício. A cobiça é uma força que orienta todas as nossas energias numa só direção: ter mais. Jesus sabe disso.

Por dinheiro somos capazes de romper com os melhores amigos, abandonar a família, roubar, até matar. Em abril de 2009, tivemos na minha cidade um massacre praticado por uma mulher que, diante da falta de dinheiro e das dívidas, matou o marido, a irmã e a sobrinha, de apenas seis anos. A esse ponto as pessoas têm chegado. Um país faz guerra em nome do acúmulo de riquezas. Milhares de pessoas morrem diariamente de fome, enquanto toneladas de comida são jogadas fora por causa de interesses econômicos.

Além disso, o dinheiro, os bens e as posses não nos tornam melhores do que ninguém. A morte, precisamente, cedo ou tarde, põe todo o acúmulo em suspenso. Tudo o que temos não nos garante uma vida melhor, nem felicidade, nem nos livra da morte. Assim, a proposta que está por trás desse ensinamento de Jesus é muito simples, porém difícil de ser assimilada e vivenciada, hoje talvez mais do que ontem: devemos nos preocupar com as coisas que mais importam. Não são as coisas que dão sentido à vida, mas nós e Deus damos sentido às coisas.

Esse mesmo ensinamento está em outros textos dentro do mesmo capítulo, por exemplo o belíssimo texto sobre a providência divina (v. 22ss) e o texto sobre a vigilância com o fabuloso versículo que diz: “Onde está teu tesouro, ali está teu coração” (v. 34).

Também os textos paralelos nos chamam para esse ensinamento tão simples e essencial da vida. A carta de Paulo fala da liberdade conquistada a nós por Cristo. Quantas vezes o dinheiro e a busca por riqueza nos fazem de novo escravos.

Nesse sentido, alguns aspectos poderiam ser tratados na prédica:

Refletir sobre o que as pessoas são capazes de fazer para ter mais. Alguns tentam ganhar dinheiro de forma ilícita. Outros se corrompem para ter mais. Outros passam por cima das pessoas, familiares (basta lembrar as tantas tragédias geradas pela divisão da herança após o falecimento de alguém), em nome do acúmulo, destroem a natureza, destroem-se a si mesmos, para ter ou parecer ter. No entanto, as pessoas não são mais felizes. Pelo contrário! As pessoas vivem estressadas, deprimidas, doentes de tanto trabalhar. Muitos ganham tanto dinheiro e mesmo assim não sabem aproveitar, curtir a vida, viajar, ter tempo para si, para a família, para os amigos, partilhar os bens com quem precisa de ajuda, ajudar a comunidade de fé a buscar as pessoas carentes e distantes. As pessoas querem mais dinheiro, e quanto mais têm, mais bens de consumo encontram para comprar e depois descartar. O dinheiro está deixando as pessoas loucas, vazias de si e vazias de sentido para viver. Perderam-se de si mesmas e afastam-se de Deus, porque acabam confiando mais no dinheiro, nos bens, seja a casa própria, os seguros, os planos de saúde, a aposentadoria, a conta no banco etc.

Hoje se fala muito em qualidade de vida. Às vezes, as pessoas confundem qualidade de vida com sentido de vida. A qualidade de vida, na maneira como é hoje entendida e propagandeada, tem a ver com uma vida de qualidade, conforto, bem-estar, tempo para lazer, descanso, viagens, cuidados com a saúde, lugar agradável para viver, status. Qualidade de vida é algo que se tem, se adquire. Sentido da vida, por sua vez, não necessariamente é algo que se tem, mas é algo que se vive e se sente. Alguém pode ver sentido em sua vida mesmo vivendo sem qualidade de vida. O contrário não se dá, ou seja, a qualidade de vida não garante sentido para viver. Podemos dizer que vivemos hoje um paradoxo: no tempo da qualidade de vida, tempo de depósitos abarrotados, as pessoas vivem uma profunda crise de sentido para viver. Perderam a sabedoria de Eclesiastes e perderam a liberdade de Colossenses. Tornaram-se ricos néscios. Quando acumulamos e pomos aí, nesse acúmulo, nosso coração, nossa alma é levada, a essência da vida nos é arrancada. Morremos. Não dá para guardar a vida em silos!

Por fim, seria muito bom lembrar as coisas essenciais, aquilo que faz a vida ser vida e ter sentido. Estávamos mortos, mas fomos ressuscitados com Cristo, como diz Paulo (Cl 3.1ss). A economia de Deus tem a ver com algo maior. Voltar o olhar para Cristo significa espelhar-se na vida de Jesus Cristo e na sua ressurreição como exercício de liberdade. Viver a ressurreição no dia-a-dia de tal forma que a presença de Jesus seja uma realidade entre nós. Essa fé dá sentido à existência.

4. Imagens para a prédica

Um recurso que pode ajudar na reflexão é o seguinte: o pregador/pregadora segura uma cédula de dinheiro na mão, levanta a cédula e pergunta à comunidade: O que vocês estão vendo? Em seguida, coloca a cédula na frente do peito e pergunta: O que vocês estão vendo? Depois coloca a cédula diante do rosto e faz a mesma pergunta. As pessoas responderão, provavelmente todas as vezes, que estão vendo 10 reais ou 20 reais, dependendo do valor da cédula. O pregador/ pregadora chama a atenção dos ouvintes o quanto a cédula nos impossibilita de ver além, ou seja, ver a mão que a segura, o braço, o corpo e o rosto. O dinheiro desvia o nosso foco. É uma comparação muito simples, mas muito plástica e que faz pensar.

Outro recurso é um pensamento do Dalai Lama, que poderia enriquecer o estudo. Ele diz: “Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro esquecem do presente, de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido”.

5. Subsídios litúrgicos


Confissão de pecados:

Se meu passo é errante,

converte-me, Senhor;

Se minha fé é débil,

converte-me, Senhor;

Se minha mente é estéril,

converte-me, Senhor;

Se minhas mãos são redes,

converte-me, Senhor;

Se meus olhos são ferozes,

converte-me, Senhor;

Se minha língua é cruel,

converte-me, Senhor;

Se minhas intenções são más,

converte-me, Senhor;

Se meu coração é fraco,

converte-me, Senhor;

Converte-me, Senhor, e serei o que, realmente, sou. (Luiz Carlos Ramos)

Bênção:

“Que Deus te abençoe com inquietação
diante das respostas fáceis, das meias-verdades, diante das relações superficiais,
para que sejas capaz de aprofundar o senso da verdade em teu coração.

Que Deus te abençoe com a ira diante da injustiça, da opressão
e diante da exploração das pessoas, para que 
possas trabalhar pela justiça, pela liberdade e pela paz.

Que Deus te abençoe com lágrimas,
para derramá-las por aqueles que sofrem dor, maus-tratos, fome e guerra,
para que sejas capaz de estender tua mão, reconfortá-lo e transformar sua dor em alegria.

Que Deus te abençoe com suficiente loucura
para crer que tu podes fazer a diferença neste mundo
e que tu podes fazer o que os outros proclamam como impossível.” Amém.

Nota:

1 Chouraqui, p. 199.

Bibliografia

CHOURAQUI, André. A Bíblia: Lucas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 1983. p. 522-541.
LANCELLOTTI, Ângelo; BOCCALI, Giovanni. Comentário ao evangelho de São Lucas. Petrópolis: Vozes, 1979.



 

 



 


Autor(a): Júlio Cézar Adam
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 10º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 12 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 21
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2009 / Volume: 34
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25101
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