Lucas 14.7-14

Auxílio Homilético

28/08/2016

Prédica: Lucas 14.7-14
Leituras: Salmo 112 e Hebreus 13.1-8,15-16
Autoria: Marcos Henrique Fries
Data Litúrgica: 15º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 28/08/2016
Proclamar Libertação - Volume: XL

 

1. Introdução

Jesus tem muito a dizer sobre humildade. E isso não é de se admirar, pois foi o orgulho que causou a primeira ruína do ser humano por ocasião da queda (Gn 3). São, pois, inúmeros os textos bíblicos que tratam desse tema, incluindo o nosso. E é nessa perspectiva que vamos estudá-lo neste auxílio homilético.

Os demais textos previstos, Salmo 112 e Hebreus 13.1-8,15-16, tratam do tema “humildade” indiretamente, pois convocam para uma vida de serviço em favor do próximo. Poderíamos dizer que apontam para uma ação concreta a partir de uma vida de humildade.

O texto de Lucas 14.1,7-14 já foi apresentado em outras três oportunidades por Proclamar Libertação: PL 17, PL 23 e PL 29. Recomenda-se a leitura desses trabalhos, considerando que cada qual aborda a perícope com enfoques distintos.

2. Exegese

Nosso texto está inserido entre os muitos que apresentam diálogos e discursos de Jesus durante refeições. No Evangelho segundo Lucas, é a sexta vez que essa situação é retratada (5.29; 7.36; 9.16; 10.39; 11.37). O texto também está sob o pano de fundo das discussões sobre o sábado.

Jesus é convidado para um jantar no sábado, provavelmente após o culto na sinagoga, na casa de uma importante autoridade religiosa. Esse convite não era exatamente uma cortesia a Jesus, mas uma oportunidade criada pelos fariseus para observar Jesus e encontrar motivos para criticá-lo (v. 1).

Logo ao entrar no recinto do jantar, Jesus vê um homem doente, um hidrópico, alguém que sofre inchaço no corpo por causa do excesso de líquido nos tecidos. A presença desse homem motiva Jesus a iniciar um diálogo com os religiosos, que o observam sobre a legitimidade de curar em dia de sábado. Como eles nada respondem, Jesus cura e despede o homem.

A seguir, é Jesus quem passa a observar. Ele nota a disputa entre os convidados para acomodar-se à mesa o mais próximo possível do anfitrião. É preciso entender que um antigo costume previa que os lugares à mesa em um banquete eram ocupados segundo a dignidade e o prestígio. Cada um escolhia para si o lugar que julgava poder ocupar pela sua importância. E todos almejavam os primeiros lugares, aqueles na cabeceira da mesa, onde se encontrava o dono da casa. Quem fosse visto sentado nesses lugares certamente seria reconhecido como pessoa privilegiada. Essa disputa pelos primeiros lugares acontecia em detrimento de um famoso provérbio, conhecido pelos doutores da lei, que dizia: “Não te glories na presença do rei, nem te ponhas no meio dos grandes; porque melhor é que te digam: ‘Sobe para aqui!’ do que seres humilhado diante do príncipe” (Pv 25.6-7). Também uma antiga tradição dos escribas dizia: “Mantém-te distante, dois ou três assentos, do lugar que te convém, e espera até que te seja dito: ‘Sobe mais! Sobe mais!’ em vez de que seja dito: ‘Desce mais! Desce mais!’”. E apesar disso, os convidados brigam pelos lugares de honra.

Jesus observa a cena e propõe uma parábola para seus discípulos (v. 7-11). Igualmente inspirada pelas duas tradições mencionadas acima, a parábola sugere que, quando alguém for convidado para um banquete, não deve procurar os primeiros lugares, mas sim os últimos. Pois aquele que se prevaleceu, achando ser merecedor do lugar de honra, pode ser envergonhado, tendo que dar o lugar a outro, mais digno. É melhor, segundo a parábola de Jesus, ocupar o último lugar, pois o anfi trião poderá, então, dignificar o convidado, dando-lhe o primeiro assento. Aqui Jesus não apenas repreende o orgulho, mas oferece uma lição sobre o reino de Deus, como é característico de todas as suas parábolas: Deus honra aqueles que reconhecem sua própria inferioridade e indignidade e que confiam unicamente na misericórdia dele.

Creio que aqui chegamos ao cerne do nosso texto. Ninguém pode prevalecer-se perante Deus, buscando conquistar os melhores lugares à sua mesa, porque é ele quem convida e é ele quem determina os lugares a serem ocupados. Com isso Deus anula qualquer tentativa de conquistar, por méritos próprios, a sua graça e salvação. Mais: o ensino dessa parábola aponta para o ministério do próprio Jesus. Pois ele ofereceu-se completamente na cruz em favor da humanidade numa atitude de total abnegação, sendo, mais tarde, exaltado por Deus. É por isso que “todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado” (v. 11).

Se até esse ponto Jesus fala aos convidados que disputam os lugares, nos últimos três versículos ele se dirige ao anfitrião. Agora, porém, Jesus não fala mais por parábola, mas faz uma proposta explícita. A proposta consiste em, ao dar uma festa, não convidar aqueles que podem retribuir o convite, oferecendo um outro banquete ou então aumento do prestígio e influência do dono da casa. Deve-se convidar, conforme Jesus, aqueles que não poderão recompensar o convite, aqueles que a sociedade despreza, aqueles cuja companhia nem é tão agradável, aqueles que são diferentes de nós e com os quais, muitas vezes, nem concordamos. Esse pensamento está em conexão com as orientações de Jesus sobre o amor ao próximo no Sermão do Monte, quando apela para o amor aos inimigos, pois “até os pecadores amam aos que os amam” (Lc 6.32). É preciso fazer o bem e emprestar sem nenhuma paga (Lc 6.35). É essa atitude que, segundo Jesus, agrada a Deus e que resultará em recompensa (de Deus) na “ressurreição dos justos”.

3. Meditação

Temos diante de nós um daqueles textos bíblicos que questionam profundamente a cultura e a prática de nosso mundo, propondo uma inversão de valores. As relações em nosso mundo são marcadas pelo “toma lá, dá cá” ou pelo “fazer por merecer”. Isso se aprende desde a mais tenra idade, quando precisamos nos comportar bem para ganhar presente de Natal ou quando precisamos estudar muito para passar de ano. Mais tarde, são precisos a roupa e o calçado mais transados para causar sensação junto aos amigos ou chamar a atenção da menina mais bonita e popular da escola. Passado mais algum tempo, é preciso investir em cursos de idiomas e afins para conquistar um bom emprego. Depois de empregado, é necessário fazer todo o esforço possível e até impossível para manter-se no emprego e galgar alguns degraus e isso, às vezes, até ao custo de ter de passar outros para trás. E assim tudo nas relações humanas precisa ser conquistado com muita luta e sacrifício. Até mesmo você, pregador/pregadora, que lê este trabalho para preparar sua prédica, precisou empenhar-se muito em trabalhos acadêmicos, exames e colóquios para poder ocupar um púlpito e, quem sabe, ser convidado para elaborar um auxílio homilético. E terá de se desdobrar para atender todos os anseios de uma paróquia, se quiser nela permanecer ou se pretende uma mudança. Talvez não haja outra maneira de organizar as coisas entre nós. Mas o problema está em aplicar a mesma fórmula do “fazer por merecer” na relação com Deus. E a prática pastoral revela: certamente esse é um dos temas mais difíceis de trabalhar na comunidade.

A aplicação do “fazer por merecer” na relação com Deus vai mostrar-se na religiosidade popular brasileira com suas novenas, procissões, promessas ou mesmo com o apelo dos arrecadadores de dízimo, que prometem a bênção divina como consequência da contribuição. Mas também será vista no seio das comunidades da IECLB com a necessidade de estar em dia com a contribuição quando da realização de um ofício, com os nomes dos doadores estampados nos bancos e janelas dos templos, com a doação de um boi ou de uma ovelha para a festa anual etc. Em todas essas coisas está mais do que uma oferta despretensiosa para a obra de Deus, mas também um anelo por prestígio e reconhecimento por parte da comunidade do ministro ou da ministra e até mesmo de Deus. É preciso fazer por merecer. É preciso fazer muito para agradar os outros. É preciso fazer muito para arrancar das mãos de Deus as suas bênçãos, inclusive o céu. Assim pensam muitos, senão a maioria de nossos evangélicos luteranos. E tudo isso a despeito da doutrina mestra da Reforma Protestante: a justificação por graça mediante a fé.

É preciso, pois, dizer novamente: a salvação é prerrogativa de Deus. Ele escolhe quem ocupará os lugares no banquete celestial, e essa escolha não tem nada a ver com os nossos méritos. É consequência do mérito de Cristo, conquistado com sua morte e ressurreição. A consequência prática disso serão membros que servem por gratidão àquilo que Jesus fez, sem querer com seu serviço conquistar algo de Deus e sem querer disputar com os irmãos um lugar de maior honra. O orgulho é um veneno para a unidade da igreja e um forte obstáculo à missão.

4. Imagens para a prédica

Proponho que a pregação se concentre nos v. 7-11 do texto previsto, ou seja, o recado de Jesus para os convidados. Quanto aos v. 12-14, penso que eles merecem ser tratados numa pregação/estudo bíblico à parte.

No bojo das comemorações dos 500 anos da Reforma, sugiro que a pregação desse texto seja inspirada pela reflexão sobre graça, fé e obras.

Iniciar falando da cultura de nosso mundo, baseada na lógica do “fazer por merecer”.

Ler e comentar a parábola de Jesus.

Apresentar a mensagem evangélica de que é Deus quem convida e determina os lugares. A salvação pertence a ele.

Sua escolha não está baseada em nossos méritos, mas naquilo que Jesus fez em nosso favor e que nós acolhemos pela fé.

Nosso serviço (textos do Salmo 112 e de Hebreus 13) não será, a partir daí, mais uma corrida em busca de prestígio perante o Senhor, mas sim um sinal da nossa gratidão pelo que Cristo nos deu.

5. Subsídios litúrgicos

Novo dia
(Cora Coralina)

Senhor, fazei com que eu aceite minha pobreza tal como sempre foi. Que não sinta o que não tenho. Não lamente o que podia ter e se perdeu por caminhos errados e nunca mais voltou. Dai, Senhor, que minha humildade seja como a chuva desejada caindo mansa, longa noite escura numa terra sedenta e num telhado velho. Que eu possa agradecer a Vós minha cama estreita, minhas coisinhas pobres, minha casa de chão, pedras e tábuas remontadas. E ter sempre um feixe de lenha debaixo do meu fogão de taipa e acender, eu mesma, o fogo alegre da minha casa na manhã de um novo dia que começa. 

Bibliografia

STÖGER, Alois. O Evangelho Segundo Lucas. Petrópolis: Vozes, 1974.

 


Autor(a): Marcos Henrique Fries
Âmbito: IECLB
Natureza do Domingo: Pentecostes
Perfil do Domingo: 15º Domingo após Pentecostes
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 14 / Versículo Inicial: 7 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2015 / Volume: 40
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 35199
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Mal tenho começado a crer. Em coisas de fé, vou ter que ser aprendiz até morrer.
Martim Lutero
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