Lucas 24.1-12

Auxílio Homilético

27/03/2016

 

Prédica: Lucas 24.1-12
Leituras: Isaías 65.17-25 e 1 Coríntios 15.19-26
Autoria: Flávio Schmitt
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 27/03/2016
Proclamar Libertação - Volume: XL

 

1. Introdução

O Domingo da Páscoa marca o momento mais significativo de toda a tradição cristã. Fazer memória da ressurreição de Jesus marca o momento litúrgico mais importante da igreja.

Os textos deste domingo estão ambientados no contexto da promessa, do cumprimento e da celebração em torno da Páscoa. O profeta Isaías remete-nos para a perspectiva do novo e da transformação da realidade cotidiana, operada pela ação de Deus.

O texto de Isaías 65.17-25 lança-nos em direção à esperança. Ao falar do “novo céu e nova terra”, o profeta Isaías convoca seus leitores a comungar de uma possibilidade de transformação do “velho céu e da velha terra”. Javé é quem recria o céu e a terra. A realidade paradisíaca provocada pela ação de Deus subverte a realidade humana e a própria criação. Novo “céu e nova terra” abrem caminho para uma existência compartilhada, fundamentada na relação de paz e reciprocidade. Jerusalém é o lugar da transformação. Nas palavras anunciadas pelo profeta, o tempo de alegria e gozo suplanta o tempo da tristeza e dor, pois
“nunca mais se ouvirá nela voz de choro nem voz de clamor” (Is 65.19).

O testemunho de Paulo em 1 Coríntios confronta-nos com os desafios enfrentados pelos primeiros cristãos ao se defrontar com as consequências e repercussões na vida dos crentes e das comunidades da fé na ressurreição.

O testemunho da ressurreição mexe com a nossa vida, assim como mexeu com a vida das primeiras testemunhas. A partir da ressurreição, a vida recebe um novo sentido. Com a ressurreição, alegria e esperança passam a falar mais alto que dor e sofrimento. Porém nem sempre é fácil fazer a ponte entre o que nos é testemunhado acerca da ressurreição de Jesus e a nossa própria ressurreição.

Como já havia feito em outras passagens da carta (7; 8-10; 11; 12-14), aqui em 1 Coríntios 15, Paulo trata de mais um dos mal-entendidos surgidos na comunidade. Depois de esclarecer dúvidas e fundamentar convicções, o apóstolo apresenta a ressurreição como razão fundamental da fé. Se Cristo não ressuscitou, tanto a pregação como a fé são vãs (1Co 15.14). Portanto a ressurreição é o fundamento de todo testemunho e pregação cristã.

O texto de Lucas 24.1-12 aparece somente três vezes nas edições anteriores dos auxílios homiléticos (2, 201; 20, 127; 37, 132). Ainda assim, trata-se de contribuições valiosas, que ajudam a compreender o texto na perspectiva da pregação.

2. Exegese

Os pesquisadores costumam estruturar o Evangelho de Lucas em três partes. Esse evangelho, escrito por Lucas e dirigido a Teófilo, apresenta um prólogo (1.1-4), mais duas partes que incluem Lc 1.5-4.13 e Lc 4.14-24.53. A partir da segunda parte (4.14-24.53), o evangelista narra como a promessa vai encontrando cumprimento na prática de Jesus. Depois de investido pelo Espírito Santo, Jesus assume sua missão na Galileia (4.14-9.50). Após a viagem missionária (9.51-19.27), são narrados os últimos dias de Jesus em Jerusalém (19.28-24.53). Enquanto em Lucas 22.54-23.56 é narrada a paixão de Jesus, Lucas 24.1-53 narra a ressurreição.

No texto de Lucas 24.1-53 podem ser identificadas seis unidades. A primeira trata do túmulo vazio (24.1-12). Na segunda unidade, é narrada a aparição de Jesus a dois discípulos no caminho de Emaús (24.13-32). Na sequência, a narrativa concentra-se na aparição de Jesus ao grupo dos discípulos (24.36-46). Depois das palavras finais de Jesus (24.47-49), segue a narrativa da ascensão (24.50-53). Nosso texto, portanto, está ambientado nesse contexto onde Lucas testemunha a ressurreição, as aparições e a ascensão de Jesus.

A perícope apresenta três momentos distintos, a saber: 1-3, 4-8, 9-12. Nos v. 1-3, as mulheres são protagonistas. Nos v. 4-8, o protagonismo fica por conta dos dois homens encontrados na sepultura. Nos v. 9-12, o protagonismo é retomado pela narrativa do evangelista.

O v. 1 começa com uma expressão que revela algumas informações importantes: primeiro, as mulheres foram ao sepulcro. Segundo, as mulheres foram ao sepulcro no “primeiro dia da semana”, ou seja, no domingo. Terceiro, foram de madrugada. Quarto, levaram materiais para preparar o corpo de Jesus para o sepultamento.

No v. 2, as mulheres chegam ao sepulcro e vão direto ao túmulo. Constatam que não há pedra para ser removida. Esse trabalho já está feito. Nada é dito acerca de quem realizou a tarefa. Lucas apenas narra que a pedra já havia sido removida.

O v. 3 apresenta o inesperado. Ao entrar no sepulcro, as mulheres não encontraram o corpo de Jesus. Importante que a palavra utilizada no grego para corpo é soma. Ao empregar a expressão “corpo do Senhor Jesus”, Lucas está fazendo uso de uma confissão de fé presente na vida das comunidades. Para essas comunidades, Jesus é Senhor. O texto faz alusão à ausência do corpo para testemunhar a ressurreição.

As versões em português utilizam a palavra “perplexas” (v. 4) para falar do estado das mulheres. O termo grego aporeo, da mesma raiz da palavra aporia, indica o beco sem saída em que as mulheres se encontravam. O texto é enfático ao dizer que estavam perplexas a respeito daquilo (peri toutou), ou seja, da ausência do corpo.

Em meio à perplexidade aparecem dois homens com roupas resplandecentes. O verbo empregado para falar da resplandecência (astrapto) é o mesmo usado para falar do brilho de um raio. Portanto as roupas (esthēs) brilhavam como brilha um raio. Aqui certamente há um interesse em testemunhar a intensidade do fenômeno.

O v. 5 fala do medo das mulheres. O adjetivo grego (emfobōs) retrata o estado de pânico do qual as mulheres ficaram tomadas. Depois do medo, a expressão “abaixando o rosto para o chão” fala da humilhação e, de certo modo, da vergonha das mulheres. Toda essa descrição tem o propósito de salientar a ousadia e coragem dessas mulheres.

Na sequência, o texto surpreende novamente ao apresentar a fala dos homens: “Por que buscais o vivente entre os mortos?”. O verbo grego usado (dzēteō) também pode significar procurar. As mulheres estão procurando Jesus entre os mortos. Ainda não tomaram conhecimento do maior acontecimento. O termo “vivente” (dzaō) remete ao que vive. O termo grego para mortos (nekros) refere-se a alguém destituído da vida. O evangelista não emprega o termo thanatos para falar da morte de Jesus.

Os v. 6-7 dão sequência à fala dos homens. “Não está aqui, mas ressuscitou” apresenta duas informações. Que Jesus não estava ali as mulheres já haviam constatado. A informação nova vem expressa no emprego do verbo (egeirō). A voz passiva do verbo no aoristo fala da ação sofrida por Jesus. Ele foi ressuscitado. Trata-se de um termo técnico para falar da ressurreição de Jesus, que também é empregado em outras passagens.

Depois do testemunho, vem o apelo à memória. As mulheres são desafiadas a lembrar o que Jesus havia dito quando se encontravam na Galileia. Aqui há uma nítida intenção de apontar para a lembrança das palavras e ações de Jesus na Galileia. Na memória da prática de Jesus consta o anúncio de sua paixão.

O v. 7 reveste-se de uma importância ainda maior para a fé, pois relaciona a vida, morte e ressurreição de Jesus. No testemunho de Lucas, a ressurreição não é um fato isolado, mas consequência da fidelidade de Jesus ao projeto do reino de Deus. Para compreender a ressurreição, é preciso voltar à prática de Jesus.

O v. 8 é genial por dizer expressamente que as mulheres se lembraram das palavras de Jesus. É preciso fazer memória! Sem memória é impossível compreender os acontecimentos.

Os v. 9-11 tratam do testemunho das mulheres. Voltaram para junto dos doze e anunciaram (apangelō) “estas coisas” (v. 10) aos apóstolos. Nessas palavras está presente a dimensão missionária da igreja. Contudo, depois de informar quem eram as mulheres que estavam falando (“Maria Madalena, e Joana, e Maria, mãe de Tiago”), vem a descrença. Embora a reputação das mulheres fosse inquestionável, os ouvintes não deram crédito ao lero (lēros) das mulheres. Essa palavra grega, traduzida por desvario, delírio ou devaneio, coloca em xeque o testemunho das mulheres.

Não obstante as dúvidas acerca do v. 12, ele tem o propósito de apresentar Pedro como testemunha da ressurreição de Jesus. A repentina pressa de Pedro em verificar a procedência da fala das mulheres contrasta com a aparente frustração: “viu só os lençóis ali postos”. O texto termina dizendo: “e retirou-se, admirando consigo aquele caso”.

3. Meditação

O pregador deve ter presente que túmulo vazio e os “lençóis ali postos” não provam a ressurreição de Jesus. É preciso partir do fato de que não temos evidências materiais para comprovar a ressurreição de Jesus. Ressurreição quer ser crida e não provada.

Mesmo que não possamos comprovar a ressurreição de Jesus, pela fé cremos nela, e nosso texto tem sua relevância para o testemunho acerca da ressurreição de Jesus. Em primeiro lugar, por conta do protagonismo das mulheres. O relato de Lucas não deixa dúvidas quanto ao papel das mulheres no anúncio da ressurreição, por extensão do evangelho. Ainda assim, a credibilidade conferida às mulheres é colocada em dúvida. Contudo, na atitude das mulheres, Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, reside a inspiração para partilhar descobertas que anunciam a boa-nova.

Outro aspecto do texto a ser destacado diz respeito à relação entre ressurreição e prática de Jesus. Quem quiser falar da ressurreição de Jesus precisa recorrer à memória. É preciso lembrar o que Jesus disse e fez. Sem essa vinculação da ressurreição à prática de Jesus, a Páscoa vira lenda e Jesus, um mito.

Por fim, resta ainda lembrar que o testemunho da ressurreição em nada alterou o ânimo dos discípulos. Nem mesmo a admiração (taumadzō) de Pedro contribuiu para alterar a “moral da tropa”. Tampouco as aparições testemunhadas nos versículos seguintes desinstalaram os discípulos. Somente com a vinda do Espírito Santo, relatada por Lucas em Atos 2, o espírito missionário que anuncia e testemunha a ressurreição de Jesus começou a atuar.

4. Pistas para prédica

O Domingo da Páscoa sempre é um dia especial. Mesmo para quem apenas faz desse dia um feriado, no Ocidente, Páscoa é Páscoa. Para a comunidade que se reúne no Domingo da Páscoa para ouvir a Palavra de Deus e comungar do corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, é preciso dizer que Jesus ressuscitou. Mas também é preciso dizer que na ressurreição de Jesus reside a perspectiva de nova vida destacada nas leituras do texto do profeta Isaías e da Carta de Paulo aos Coríntios. Ressurreição é vida. É o sim de Deus para a prática do amor. Na ressurreição, Deus valida a prática de Jesus. Quem vive como Jesus viveu não morre, mas passou da morte para vida.

Eventualmente, a Páscoa pode proporcionar a ocasião para tratar de nossas difi culdades em falar da ressurreição de Jesus, da ressurreição dos mortos e da nossa própria ressurreição. Aqui nos deparamos com os limites da própria linguagem. Simplesmente não podemos e não temos como dizer o que não pode ser dito ou descrito. Mesmo que somente possamos falar da ressurreição de Jesus por meio de imagens, analogias e metáforas, isso de modo algum compromete a ressurreição. Além disso, sempre é bom lembrar que falar de ressurreição faz mais sentido quando estamos diante da sepultura para sepultar algum ente querido.

Tendo o tema da vida como elemento fundamental do testemunho da ressurreição, a prédica poderá gravitar em torno da pergunta do texto: “Por que buscais o vivente entre os mortos?”. Em geral, não obstante os dois mil anos de história do cristianismo, como cristãos e comunidades, estamos buscando o vivente entre os mortos. A fé na ressurreição quer fazer de nós cidadãos de um “novo céu e nova terra”. A celebração da Páscoa é oportunidade para deixar que o amor de Deus, que vence a morte, invada nossas vidas. Nesse sentido, a comunidade precisa ou vir que não é possível encontrar Jesus onde ele não pode ser encontrado.

5. Subsídios litúrgicos

Introito

Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá (Jo 11.25).

Oração

Senhor Jesus! Confessamos-te como Senhor ressuscitado. Nem sempre conseguimos compreender o que isso significa para nossas vidas. Porém sabemos que venceste a morte e seu poder. Que tua vitória desperte em nós o compromisso com a vida. Ajuda-nos, Senhor, com teu Santo Espírito, a conhecer-te como Senhor vivo para que encontremos vida e salvação. Amém.

Intercessão

Pedimos por todos os que não encontram sentido para suas vidas na Páscoa;
pedimos pelas pessoas que buscam Jesus entre os mortos;
pedimos por todas as famílias que renovam suas forças na força da ressurreição de Jesus;
pedimos pelas comunidades que testemunham a vida inspiradas na ressurreição de Jesus;
pedimos que a fé na ressurreição nos conduza pelos caminhos da paz, da justiça e da solidariedade.
(Incluir mais intercessões de acordo com o contexto da comunidade)

Bibliografia

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo. São Paulo, SP: Hagnos, 2002. v. 2.
HAGSMA, Alfredo Jorge; HAGSMA, Vera Regina. Domingo da Páscoa. In: HOEFELMANN, Verner (org.). Proclamar Libertação – Auxílios Homiléticos. v. 37. São Leopoldo: Sinodal, 2012. p.132-137.
 


Autor(a): Flávio Schmitt
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 24 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 12
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2015 / Volume: 40
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 35176
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2Pedro 1.5-7
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