Lutero, afinal, o que quis?

Reflexões em torno de Lutero

01/09/1981

Lutero, afinal, o que quis? (*)

Walter Altmann 

I. AS IMAGENS DE LUTERO

1. Ocupar-se com Lutero - tempo perdido?

Lutero parece ter muitas faces. Em parte, por razões exteriores. Viveu uma época agitada, de profundas transformações em todos os setores, na cultura, na economia, na ordem social e política, na religião, na moral. Lutero jamais teve o privilégio ou a desgrace de poder refletir em distância interior ou exterior sobre o processo histórico em convulsão. Não só foi forçado a pensar, falar e agir no centro dos acontecimentos; ademais, os próprios fatos, por assim dizer, se abatiam sobre ele, vez que outra, o levaram de roldão. Geralmente, porém, soube preservar uma peculiar e surpreendente liberdade de convicção e ação. Muito do que disse e tez foi como reação a acontecimentos que demandavam uma tomada de posição. Uma coerência a-histórica não foi — nem podia ser — sua preocupação. 

Adicione-se a isso que o próprio Lutero foi um ser humano interiormente agitado, que atravessou profundas transformações pessoais. Ser humano adequado para seu tempo — poderíamos dizer. Devemos lembrar não só o jovem monge angustiado com; a pergunta por um Deus misericordioso e, portanto pela própria salvação, mas também o Lutero posterior em suas tribulações íntimas, frequentes e intensas (1). Efetivamente, dele não se poderia esperar uma teologia sistemática, um arcabouço doutrinário absolutamente lógico e coerente, uma summa theologica.

Como muito poucos, portanto, Lutero se presta a que obtenhamos dele imagens divergentes. Se acrescentarmos que tanto o pesquisador individual (existe isso?), quanto grupos e eventualmente épocas inteiras têm determinada ótica para encarar os acontecimentos e pessoas do presente e do passado, entenderemos por que Lutero pôde assumir tantas imagens, em parte contraditórias, nos quatro séculos e meio que nos separam dele. A ortodoxia luterana viu nele o profeta, o obstinado e irredutível defensor da doutrina pura. Já o pietismo divisou em Lutero o convertido, que encontrou, através da Bíblia, pela fé, a paz com Deus. O iluminismo, por seu turno, saudou nele o libertador da ignorância intelectual (2), provocada pela tirania do doutrinarismo autoritário da igreja. O pan-germanismo festejou em Lutero o herói nacional alemão.

Bem recentemente o psiquiatra Erik H. Erikson pensa poder explicar Lutero a partir de seu relacionamento com seu pai (3), Dieter Forte escreve uma peça teatral em que caracteriza Lutero como um — parcialmente ingênuo, outro tanto interesseiro — subserviente dos príncipes (4).

Por fim, o catolicismo pós-tridentino chegou a divisar em Lutero a própria corporificação do demônio (5).

Em algumas dessas caracterizações nos fica por demais evidente o interesse apologético, em outras o preconcebido universo de valores próprio. Praticamente todas, porém, têm também, aqui e ali, em maior ou menor número, pontos de apoio no próprio Lutero, sua vida e sua obra.

Lutero, afinal, o que quis? Em face do exposto, não seria tempo perdido tentar responder a essa pergunta? O título de um livro, O que Lutero realmente disse, parece ter uma pretensão absurda (6). Contudo, não podemos eludir a questão. De um lado, Lutero ainda continua muito vivo e presente, não somente porque fazemos parte do luteranismo que dele provém, mas também porque muito dele está presente de modo subjacente mesmo em outras igrejas (7) e no mundo moderno. É preciso realçar agora que um ingente esforço tem sido Investido na descoberta de Lutero nos últimos cem anos. A partir de 1883 tem sido publicada a monumental edição Weimariana dos escritos de Lutero, (entrementes - mais de 100 volumosos tomos). Sobre essa base textual, desenvolveu-se, a partir de 1917 (sobretudo com Karl Holl), o que se convencionou denominar de a Renascença de Lutero.

Com toda necessidade de complementação de estudos ulteriores, também de ordem histórica, cultural e sociológica, essa Pesquisa parece ter trazido à tona alguns dados fundamentais e irreversíveis para a compreensão de Lutero. Esses pontos devem ser assumidos. Mas é igualmente necessário que sejam refletidos no contexto de nossas perguntas e necessidades. De modo que a questão Lutero, afinal, o que quis? poderia e deveria ser abordada não mais simplesmente à distância e quase simples curiosidade, mas engajadamente, no sentido de E nós, afinal, o que queremos?.

Lamentavelmente, parece que neste momento há, na Alemanha, no próprio âmbito luterano, um esmorecimento da pesquisa em torno de Lutero, enquanto que no catolicismo se registra um entusiasmo incomum por Lutero (8). O Cardeal Willebrands, do Secretariado para a União dos Cristãos, do Vaticano, chegou a classificar Lutero, em 1970, na V Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial, em Evian, como doutor comum das igrejas. Como em 1983 se registrarão os 500 anos do nascimento de Lutero, possivelmente se poderá esperar um novo ressurgimento.

Na IECLB, tenho feito experiências semelhantes em anos recentes. Enquanto que para membros e pastores dessa igreja Lutero seria desinteressante e ultrapassado, em encontros ecumênicos tenho encontrado uma verdadeira ânsia de conhecê-lo. Mesmo assim, devemos dizer que neste preciso momento o interesse por Lutero é excepcional na IECLB. Por que será? Determinante parece-me ser que a IECLB se debate entre correntes teológicas divergentes, que põem em cheque a sua unidade. E não creio ser utópico pensar em que Lutero possa ter dentre da IECLB o mesmo papel ecumênico que está desempenhando entre as igrejas. Creio ser registrável no passado precursor da presente IECLB que um vácuo de Lutero era preenchido por outros valores, sobretudo o da germanidade ou então, parcialmente, a seu modo, pelo surgimento de uma igreja-irmã, vinculada ao Sínodo Missouri. Mesmo assim essa motivação para ocupar-se com Lutero parece-me insuficiente e até mesmo secundária. Pois se trata de uma preocupação defensiva, bem ao contrário da característica observável no próprio Lutero que foi sempre ofensivo, isto é, não preocupado em preservar tradições, mas em proclamar o Evangelho destemidamente para dentro de sempre novas situações. Por isso, considero como relevante somente aquela ocupação com Lutero que, junto com a pesquisa, também se pergunta pelo que Lutero pode representar de ajuda (ou, eventualmente, de impedimento) para o testemunho e a vivência evangélicas diante dos desafios que os cristãos enfrentam na atualidade em nosso país. Mesmo quando eu não o declarar mais explicitamente sempre de novo, esse é o enfoque sob o qual tento responder à pergunta Lutero, afinal, o que quis?.

2. As limitações de Lutero

No intento de responder a questão Lutero, afinal, o que quis?, sem dúvida, seria também necessário analisar as limitações e os erros de Lutero. A visão que fez de Lutero um herói ou um santo evangélico é tão errada quanto a polêmica que divisou nele um demônio. Deveríamos, portanto, falar daqueles pontos em que Lutero errou, foi parcial ou está superado. Não quero aqui entrar em detalhes quanto a esse aspecto (que requereria um estudo para si), mas poderia, basicamente, mencionar agora as seguintes áreas controversas:

a. Há acusações violentas que provêm de fora do âmbito das igrejas. Já mencionei a peça teatral de Dieter Forte. Mesmo se procuramos ser objetivos o mais possível, a relação de Lutero com os príncipes por certo sofreu oscilações. Se ele de modo algum foi a-crítico à autoridade, a aceitação quase que genérica de sua legitimidade não deixa de ser problemática tanto teologicamente quanto à luz dos seus efeitos históricos. No mesmo âmbito se encontra também a postura de Lutero em face da revolta dos camponeses. Contudo, para ambas as questões seria necessário um estudo próprio, impossível de ser feito aqui com brevidade.

b. Há ressalvas que provêm do âmbito ecumênico, mesmo de parte daqueles pesquisadores que de um modo geral o admiram. Se de um lado, pode-se falar hoje, pelo menos em referência à teologia católica europeia de uma ampla aceitação da doutrina da justificação de Lutero, justamente o artigo fundamental, segundo o próprio Lutero (9), Pesch (10) menciona como controvertidas as doutrinas do servo arbítrio (11), a limitação dos sacramentos (não o problema da eucaristia em si) e a doutrina dos dois reinos (12).

c. Entre as ressalvas levantadas por próprios luteranos, desejo mencionar as feitas por Erwin Mühlhaupt (13). Ele classifica como superados em Lutero seu linguajar grosseiro, suas incoerências na reconstrução de uma igreja evangélica (dando poder eclesiástico aos príncipes territoriais) e na guerra dos camponeses, (apoiando-os a princípio, para conclamar os príncipes à sua repressão posteriormente), bem como suas recaídas no pensamento medieval (14), ao dar sua concordância à perseguição ao movimento reformatório-anabatista nos anos de 1531 e 1536, à formação de um estado confessional protestante e seu posicionamento tardio frente aos judeus, (também aí incitando à perseguição).

Mühlhaupt ainda menciona desequilíbrio (15) no emprego da Escritura e na questão da Santa Ceia. De minha parte, ainda considero haver incoerências na definição dada por Lutero aos sacramentos e sua legitimação para o batismo infantil. (16)

Todas essas questões — e, por certo, outras mais -- mereceriam, mas não podem ser abordadas aqui. Proponho-me a duas tarefas. Em primeiro lugar, a perguntar pela caracterização apropriada para Lutero e o movimento a que deu origem, 'e em segundo lugar ao desdobramento teológico fundamental da caracterização elaborada.

II — CARACTERIZAÇÃO GERAL DA OBRA DE LUTERO

O movimento oriundo de Lutero adquiriu quatro designações principais: protestante, reformador, luterano e evangélico. Proponho-me a examinar sua relevância e propriedade (17).

1. Protestante

Festejamos, em 1979, os 450 anos da origem desse termo. Na Dieta de Espira de 1529, quando por empenho do imperador Carlos V, se tentou voltar atrás na decisão da Dieta anterior, de 1526, dando liberdade para a constituição de territórios evangélicos, alguns príncipes protestaram, alegando a liberdade da consciência como fundamento para a decisão de fé. Não pretendo entrar nos detalhes históricos desse episódio, mesmo porque não sou competente para tanto, nem perseguir a pergunta pelos interesses subjacentes à contradição entre alegar a liberdade de consciência para a fé e reivindicar o estabelecimento de igrejas territoriais, mas realçar que, como quer que seja, o protestante passou a ser uma caracterização do movimento de Lutero, com o tempo o nome 'secular' dos adeptos da Reforma (18). De fato, podemos retroceder na vida do próprio Lutero e apontar, por exemplo, para sua firmeza diante da Dieta de Worms. Realcemos que não se trata do protesto pelo simples protesto, mas daquele efetuado em nome da consciência. (19).

Há, aí uma aparente contradição entre esse aspecto e o traço autoritativo na reivindicação doutrinal de Lutero (20). A bipolaridade de consciência e doutrina pode ter sido responsável pelo fato de que à primeira se apegaram, a seu modo cada qual, o pietismo e o racionalismo enquanto que à *segunda se prendeu a ortodoxia. Steck observa para o caso de elevarmos essa contradição aparente a uma dissociação: Nesse caso a autoridade de Lutero abrigaria em seu bojo realmente a célula de sua auto-dissolução. (21)

No entanto, a contradição é aparente. Lutero sabia: uma consciência atribulada pode levar ao desespero e ao auto-aniquilamento; mas uma consciência libertada pela Palavra de Deus' e a esta indissoluvelmente vinculada, tem o dever, a coragem e o impulso para protestar. Está claro, pois: em Lutero a consciência livre está vinculada à Palavra de Deus. A própria consciência precisa passar por um processo de libertação, que provém da justificação, pelo Evangelho (22). Em outras palavras: a compreensão de Lutero quanto à autoridade doutrinal não exclui mas inclui o elemento profético (23), e quando este faltar, ocorre sem dúvida uma limitação grave do elemento doutrinal como Lutero o quis.

Na tentativa de entender para nós a relevância do termo protestante, é possível recorrer a uma interpretação positiva. Protestante não seria simplesmente aquele que está contra alguma coisa, mas que pró-testa, isto é, está a favor de um valor mais alto. Essa tentativa de interpretação positiva é legítima, na medida em que como protestantes não constituímos simples contestadores, mas em favorecedores do Evangelho. Isso é importante para superar, por exemplo, uma polêmica banal e imutável contra o catolicismo, mas não deveríamos tampouco esquecer o elemento contestador inevitavelmente presente. Colocado em termos de Gustavo Gutiérrez, em sua Teologia da Libertação (24), diríamos: todo anúncio implica numa denúncia e toda denúncia está a serviço do anúncio.

Retenhamos, porém, que Lutero queria chegar ao anúncio e mantê-lo. Por isso, a caracterização de protestante, embora tenha a sua dimensão de validade, não é a mais perfeitamente adequada.

2. Reformador

Lutero não só passou para livros de história como o Reformador, mas essa parece ser também a designação mais querida para os primeiros evangélicos e para a própria Fórmula de Concórdia (25).

Outra vez, há muito de verdade e de irrenunciável nessa caracterização. A partir da pregação e da obra de Lutero se efetuaram uma série de reformas e de fato surgiu uma igreja da Reforma. Lutero divisou nisso até mesmo uma tarefa permanente, expressa em mais uma de suas fórmulas geniais: ecclesia reformata semper reformanda (igreja reformada sempre em reforma). Mas também aqui devemos fazer uma ressalva. Se o termo reformador fosse a melhor caracterização para a obra de Lutero a autoridade do Reformador seria a autoridade do renovador e inovador (26). E aí, então, a contradição: Lutero acusava precisamente Roma de ser inovadora e sempre de novo se defendia a si das acusações de inovação. Ele estaria, ao contrário, dando expressão a continuidade da reta igreja antiga. Para ele se contrapõem não uma igreja estagnada e outra reformada, mas a igreja reta e a igreja falsa. Ele mesmo não pretendia reformar, mas antes de tudo simplesmente pregar o Evangelho. É verdade — segundo ele — palavra de Deus é de tal poder que transforma a realidade, e assim assevera contra Erasmo: A palavra de Deus, quando vem, vem para mudar e inovar o mundo (27).

A Reforma é. Portanto, fruto da pregação da palavra e não do planejamento de Lutero. Por isso mesmo. Lutero sempre de novo surpreendido por novos acontecimentos, e todo o movimento surgido a partir de sua pregação foi para ele mesmo uma grande surpresa ingenuamente, disse certa vez ele mesmo, me vi envolvido pelos acontecimentos (28). Podemos vê-lo claramente na repercussão imediata e espetacular que obtiveram suas, a rigor despretenciosas, 95 teses. Mesmo depois, Lutero reagia aos fatos, não os preparava (29).

Para ele a Igreja é criatura de Deus e não construção dos homens, e chega a asseverar: Deus com sua palavra desfigura sua construção (dos reformadores). abre brechas e fendas, é um agitador e seduz o povo contra aquilo que (os reformadores) tão belamente construíram, organizaram e determinaram; ele o faz bem diferente do que estes (30) As acusações de que teria destruído o papado, sem construir uma nova igreja, observa que construir igreja não significa instituir novas organizações, mas conduzir as consciências da dúvida e do resmungo etc. para a fé, o conhecimento e a certeza (31). Lutero queria, pois, proclamar o Evangelho, não reformar a igreja. O resto lhe foi consequência.

3. Luterano

A doutrina luterana é (ou deve ser), evidentemente, doutrina de Lutero. Há, na formulação de Steck, uma ligação indissolúvel de pessoa e causa na própria reivindicação doutrinal de Lutero (32). Sabemos que Lutero podia ser bem cioso de sua doutrina e polemizar com rudeza contra seus adversários. Bem notável isso se torna na elaboração de seu testamento, em 1542, quando pede que se dispense o reconhecimento legal por um escrivão, renunciando às formalidades jurídicas prescritas, pois ele mesmo seria publicamente conhecido, em ambos, no céu e na terra, também no inferno, alguém que tem distinção e autoridade suficiente, no qual se pode confiar e acreditar, mais do que a qualquer escrivão. Pois tendo Deus. o pai de toda misericórdia, confiado o Evangelho de seu amado Filho a mim, maldito, pobre, indigno, miserável pecador, até agora mantido e comprovado, de modo que também muitos no mundo aceitaram o mesmo por mim, considerando-me um professor da verdade. Assim, deveria bastar sua própria assinatura. do escrivão e testemunha de Deus em seu Evangelho (33).

No entanto, também aqui devemos fazer algumas ressalvas. Em primeiro lugar, a designação de luterano vai contra a vontade expressa do próprio Lutero: Peço que meu nome seja calado e que ninguém se chame de luterano, senão de cristão. Que é Lutero? Pois se a doutrina não é minha! Eu também não fui crucificado por ninguém. Então menciona 1 Cor 3, classifica-se a si mesmo de pobre e fedorento saco de vermes, para concluir: Não sou nem quero ser o mestre de ninguém. Tenho junto com a comunidade a única doutrina de Cristo, o qual só ele é nosso mestre (34). Em outra passagem, Lutero chega a dizer que a palavra de Deus está sendo profanada com seu nome (35). Há, nele, portanto, uma clara consciência da distância entre si e a palavra de Cristo. Como coadunar isso, porém, com sua reivindicação doutrinária, ligada à sua pessoa como instrumento eleito de Deus? A resposta parece-me consistir em que ser luterano é um acontecimento e não um estado. Portanto, este é o melhor conselho de todos: não pensemos que o Evangelho que ora temos, permanecerá eternamente; digam-me depois de vinte anos de novo como será. Quando os atuais pregadores piedosos e retos estiverem mortos, então virão outros, que pregarão e farão como agrada ao diabo. Agora nós o fazemos como agrada a nosso Senhor Deus... As pessoas ficam fartas da palavra e pensam que permanecerá eternamente... Acontecerá que perderemos a palavra, pois em secreto desaparece (36). O ser luterano, portanto, não é algo uma vez conquistado e que depois só devesse ser conservado, mas é algo que deve ser obtido sempre de novo, na fidelidade renovada ao Evangelho. É uma tarefa permanente. Reside aí o aspecto deveras problemático da fixação confessionalista do luteranismo, inclusive no sentido de uma igreja particular (luterana), pois aí se supõe que seja possível fixar e assim preservar, com a pessoa de Lutero, a identidade contingente e instrumental da causa evangélica (37). De qualquer modo, processo tão duvidoso veio, sem dúvida, bloquear o livre curso do Evangelho, preparando os trilhos para o que Steck classifica como o caminho tão problemático de Lutero ao luteranismo (38)

4. Evangélico

Chego assim ao evangélico, como a caracterização mais apropriada para Lutero e sua obra. Ai se expressa autoridade da causa, não do homem (39). Aqui palpita o interesse positivo. fundamental, sempre reiterado de Lutero. Daí provem sua coragem para o protesto, daí nasce o estabelecimento da Reforma, aí pode residir a atualidade de Lutero e, por extensão, também do luteranismo.

Daí também provém sua incansável atividade de pregador, pois o Evangelho vem pela palavra, e pela palavra viva, pregada. em acontecimento e não em fixação eterna. Sua autoridade é espiritual, entendida como isenta de coação exterior (pelas leis ou pelo governo) e também interior (pelas prescrições legais e doutrinaristas de instituições eclesiásticas).

Lutero estava convicto de que nesse evento o Evangelho se impõe sempre de novo. Aliás, essa era, assim estava convicto, sua própria experiência particular e pública. Daí também que para ele a causa evangélica, era igualmente um constante retornar à palavra de Deus expressa na Bíblia, caracterizando a igreja como criatura da palavra e sua serva (40).

III. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA COMPREENSÃO DE EVANGELHO

Quais seriam, então, os traços centrais do que é evangélico? (41) Ressalvo que sou conscientemente seletivo. Uma verificação das muitas teologias de Lutero, quanto à delimitação de sua autoridade e suas doutrinas centrais, vai resultar numa disparidade bastante grande (apesar de diversos consensos registráveis). Sem dúvida, um dos característicos fundamentais em Lutero é sua ênfase na autoridade da Escritura e a exclusividade desta como fonte de doutrina e fé. Assim, Martin Schmidt, ao abordar a autoridade de Lutero. a desenvolve a partir da redescoberta da Escritura e sua mensagem (42). Sem dúvida, o processo de redescoberta da Escritura e a hermenêutica desenvolvida por Lutero mereceriam cuidadosa atenção (43). Opto, porém, por dirigir-me diretamente ao conteúdo da descoberta bíblica de Lutero. Precisamente, só entendemos bem o importante princípio do sola Scriptura (somente pela Escritura), se o captamos não como uma determinação de autoridade formal, mas como a descoberta de um centro material da Escritura, que inversamente serve também como princípio hermenêutico interno para sua compreensão.

É muito frequente, sobretudo em exposições de cunho mais popular; expor o evangélico em Lutero, a partir das características solae: sola Scriptura, sola gratia, sola fide (somente pela Escritura, somente pela graça e somente pela fé). Embora essa abordagem seja condizente com a doutrina da justificação, nem sempre fica claro que esses três princípios, por sua vez, confluem no solus Christus (Cristo somente). Ademais, há tentação de se limitar à obra de Deus em Cristo por nós e sua apropriação na fé, olvidando a igualmente necessária e essencial nova vida do crente. Já Mühlhaupt opta pela seguinte sequência de assuntos: Bíblia, justificação, dois reinos (44). Von Loewenich aborda a pergunta pela salvação. Escritura e razão, a nova moral (45). Meyer, por sua vez, desenvolve o puro Evangelho, o uso correto dos Sacramentos e a fé vivida (46).

Esses são apenas alguns exemplos. Pode-se observar que cada teologia de Lutero apresenta sua estrutura própria, refletindo não só a percepção própria de cada autor, como também suas pressuposições peculiares. Como não há teologia neutra, tampouco há possibilidade de reconstruir abstratamente uma teologia universal de Lutero. Nossas interpretações são inevitavelmente influenciadas por nossas posições. A única objetividade, pela qual devemos propugnar, é que nos demos conta a nós e a nossos interlocutores de nossos próprios objetivos, testando-os sempre de novo no objeto de nossa pesquisa. Não pretendo, pois apenas reproduzir, mas realmente interpretar, re-entender dentro de meu horizonte vivencial. A pergunta Lutero, afinal, o que quis? deve fluir para dentro da pergunta E nós, afinal, o que queremos?. Essa opção é inevitável. Procuro estar consciente dela e manifestá-la.

1. Justificação pela fé

Trata-se — todos sabemos — da doutrina centrai de Lutero. Nem por isso ela deixou de ser controvertida dentro do próprio luteranismo, culminando com o grande debate na IV Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial em Helsinqui, em 1963 (47), curiosamente na mesma época em que se estabelecia uma espécie de consenso ecumênico quanto à sua validade (48). Se veto bem, estabelece-se um consenso quando se olha retrospectivamente para Lutero e as divergências surgem quando se pergunta pela relevância da doutrina hoje.

Reportemo-nos, primeiramente, a Lutero. A justificação pela fé, como doutrina, é expressão de uma profunda experiência pessoal de Lutero. Não preciso me alongar, pois os fatos são conhecidos. Lidero se debatia com a pergunta como posso obter um Deus misericordioso? e procurava a resposta dentro da concepção teológica medieval tardia de que a quem faz o que está dentro de si, Deus dá a graça. Todos os seus esforços no sentido de obter e fazer por merecer a graça, mediante as práticas recomendadas da oração, da ascese, do auto-exame, da penitência, dos serviços mais humildes, etc. redundavam em fracasso. Auxiliava-o o conselho de Staupitz de olhar mais para a cruz de Cristo, mas bloqueava-o a observação de que não deveria ser tão rigidamente escrupuloso no auto-exame das menores faltas. Posteriormente, Lutero sempre de novo expôs como o caminho de fazer por merecer a graça de Deus é expressão de um profundo egoísmo e, como tal, pecado total, que levava inarredavelmente a um dos dois efeitos: à vanglória e à arrogância ou ao desespero. Neste se perdia Lutero, com seus escrúpulos. Passou a considerar-se inapelavelmente condenado e a odiar a Deus, sentimento intensificado guando se deparou com a afirmativa de Paulo (Rm 1.17a) de que a justiça de Deus se revela no Evangelho. Como se não bastasse que os pecadores desgraçados, perdidos para sempre por causa do pecado original, ainda são afligidos por toda espécie de calamidades através da lei do decálogo. Deus quer. além disso. acumular dor (nova) sobre a dor (velha) através do Evangelho e confrontar-nos com a sua justiça e sua ira também através do Evangelho. (49) Ficou furioso com Deus. Debateu-se, porém, com o texto de Paulo, até que, atentando para a sequência do texto o justo viverá por fé”, (Rm 1.17b) compreendeu que a justiça de Deus não é a ativa que pune o pecador, mas a justiça passiva, através da qual o misericordioso Deus nos justifica pela fé, como está escrito: o justo vive por fé (50) Lutero se sentiu renascido e entrando no próprio paraíso. A partir de então toda a Escritura adquiriu um novo e libertador sentido. Tinha encontrado sua libertação pessoal e a chave hermenêutica de compressão da Escritura.

Lutero divisou que também para a Igreja esta é a doutrina fundamental, o artigo stantis et cadentis ecclesiae, (com o qual a Igreja permanece ou cai). De um lado, a pregação de igreja só quando baseada nesse artigo pode quebrar a arrogância e confortar os aflitos. De outro, porém, também porque a própria igreja está tentada a fazer por merecer a graça de Deus e a se colocar como a intermediária entre Deus e os homens, recebedora das obras meritórias dos homens e transmissora da graça de Deus. Aí nascem a segurança institucional buscada pela igreja e o autoritarismo eclesiástico. As boas obras passam a ser obras que os fiéis fazem à igreja. Em contraposição, porém, a Igreja que vive na justificação pela fé, é aquela que proclama e transmite gratuitamente o perdão de Deus, como Lutero magistralmente expôs nas suas 95 teses.

Quero chegar, porém, à relevância atual da doutrina da justificação pela fé. Muitas das dificuldades parecem-me ser de ordem terminológica. A conceituação jurídica não é mais simplesmente acessível ao ser humano de hoje. Também creio que a pergunta existencial de Lutero não é uma pergunta que se reproduza com um automatismo absoluto em todas as pessoas. Sem absolutizar tampouco a alternativa, parece-me muito válido que a pergunta pela culpa e pelo perdão seja hoje frequentemente substituído pela questão do vazio e insignificação a serem superados na aceitação incondicional (51).

Mesmo assim, desejo destacar a atualidade de outros pontos. Primeiramente, encontro na doutrina da justificação a rejeição de valores imperantes na sociedade moderna — pelo menos na capitalista, mas parcialmente também na socialista — de produção, posse, cultura, poder, fraccionamento social.
Na justificação pela fé, a pessoa é aceita incondicionalmente - justificação do ímpio, na terminologia paulina —, aceita assim como é, e não pelo que tem ou pode produzir. Parece-me haver aqui também uma das importantes raízes para a moderna questão dos direitos humanos, que não deveria ser desprezada no luteranismo como expressão do egoísmo, do amor sui, criticado por Lutero.

Em segundo lugar, a doutrina da justificação pela fé é crítica à própria igreja, na medida em que ela está sempre de novo tentada a se moldar e a se ajustar precisamente aos valores imperantes em seu meio. Suas decisões estão ameaçadas de serem tomadas de acordo com a moralidade social; seu sistema interno de valores pode ser uma cópia do modelo de produção econômica e ela pode entrar num pacto expresso (pela identificação) ou tácito factual (peia dicotomia) com o poder político imperante.

Segundo a doutrina da justificação pela fé, porém, Igreja vale pelo ouvir da palavra de Deus.

2. Liberdade Evangélica

O conceito da liberdade evangélica, exposto por Lutero em brilhante tratado (52), é, em sua primeira parte, uma variante da doutrina da justificação pela fé, refletida em direção ao tema da liberdade. O cristão é um senhor livre de todas as coisas e não está sujeito a ninguém (53) é a primeira tese e vale para o âmbito da fé. Fundamental para sua compreensão é a distinção de Lutero entre pessoa e obra (54). Exteriormente, podemos divisar obras diversas. Estamos propensos (o homem natural o faz inevitavelmente, segundo Lutero) a julgar a pessoa pelas obras. No entanto, elas não valem diante de Deus. O crente é livre. E quando os outros te alegarem as passagens da Escritura, nas quais as obras têm algum valor, permanece tu naquelas que apontam para a graça. As passagens quanto às obras deves entender como se tratando de consequências: vive na graça e não sintas falta de nenhum mérito; ai a consequência advirá por si. (55)

Deus quer vir por detrás das obras exteriores e deseja alcançar a pessoa em sua integralidade. Esta é, também, segundo Lutero, a reivindicação fundamental do primeiro mandamento: a pessoa toda (56).

Aqui está arraigada a peculiar liberdade que caracteriza geralmente as igrejas luteranas diante de outras com seu legalismo. Essa liberdade torna expressão na alegria de viver e deixar viver, que apesar de muitos outros defeitos, caracteriza ainda assim muitas de nossas comunidades. Substituamos a nossa reflexão a respeito das obras por comportamento ético, afiliação política ou convicção teológica; e teremos a raiz para o pluralismo da IECLB. Parece ser a liberdade cristã o que mais aproximadamente caracteriza luteranamente a IECLB, e não creio que devêssemos senti-lo como uma deficiência e uma vergonha diante de outras igrejas, como a católica ou a pentecostal e outras. Há aí uma contribuição relevante frente aos legalismos que nos assaltam de todos os lados. As pessoas, a igreja, o povo brasileiro, a humanidade toda têm necessidade dessa liberdade, que em todos os sistemas, inclusive na maioria dos eclesiásticos, lhes é terrivelmente sonegada.

No entanto, não nos entusiasmemos. Essa é apenas a metade do tema liberdade evangélica, A segunda tese de Lutero é que o cristão é escravo de todas as coisas e está sujeito a todos (57). Sua validade é na esfera do amor. Provavelmente, a maior tragédia do luteranismo e a sua tentação constante é se limitar à primeira tese da liberdade cristã. O outro lado moeda é (deve ser) inevitavelmente: livres para servir (58).

A árvore boa, de fato, produz bons frutos (59). Agora Lutero não hesita em falar outra vez de boas obras, já num sentido positivo. Aliás, no mesmo ano de 1520, em que escreveu seu tratado sobre a Liberdade do Cristão, também escreveu outro sobre As Boas Obras (60). Lutero faz uma decidida inversão. Aquelas obras que eram consideradas boas, ou seja, as feitas para Deus e para a igreja (orações, jejuns, peregrinações, penitências, veneração de relíquias), são decididamente más e obras do diabo, pois Deus e a igreja não precisam delas (61). Foi o diabo quem estreitou o âmbito do culto a Deus às obras dentro da igreja. As obras boas são aquelas que expressam serviço, amor ao próximo (62).

3. Cruz

O ponto mais íntimo e decisivo em que tudo isso, essa estupenda inversão, se realiza, é a cruz de Cristo. Insere-se aqui a famosa theologia crucis de Lutero. Há aqui a renúncia a todo e qualquer triunfalismo. O caminho do poder é abandonado, para valer apenas o da fraqueza. A cruz é o ponto de confluência de Deus e do homem, em que o direcionamento da vida humana é invertido.

De um lado, a cruz marca o caminho de Deus abandonando sua majestade e sua terrível onipotência, para, como expressão de seu amor aos seres humanos, se entregar em suas mãos. Aí reside consolo para o crente: Não podemos puxar Cristo o suficientemente para dentro da natureza e para a carne; ele se nos torna sempre mais consolador. (63)

De outra parte, essa vinda de Deus na cruz é a barreira que estanca a presunção humana de alcançar Deus por seus próprios meios ou de se estabelecer o próprio ser humano como Deus. Nesse ponto de encontro há o que Lutero chama repetidamente de maravilhosa troca: Cristo assume o nosso pecado — ele passa a ser pecador, nós recebemos sua justiça — nós passamos a ser justos (64).

Justificação custou a Deus seu próprio filho, custa a nós nosso velho eu. Aqui ocorre então o que Lutero classifica de conformidade com Cristo (65) e o que Manas Buthelezi (luterano da África do Sul) classifica como identidade como identificação (66). Ou, voltando a palavras de Lutero: Cristo é o nosso abstrato, nós somos seu concreto (67). Aí se inverte o nosso caminho de ascendente para um descendente.

A perspectiva do crente começa a ser a movimentação para baixo: como Jesus, ele não se orienta para os sãos, mas procura os doentes; não almeja pactuar com os fortes, mas solidarizar-se com os fracos; não se olha pela ótica dos poderosos, mas se mira pela perspectiva dos oprimidos. Para a igreja luterana isso significaria que, independente de quem são porventura seus membros (a que classe social pertencem, por exemplo), sua ótica deveria ser decididamente a dos pequenos e fracos: dos agricultores minifundiários, dos empregados e desempregados, dos operários, dos migrantes, dos negros, dos índios, das mulheres, das crianças. Ou ela não é de Cristo, e portanto nem evangélica nem luterana.

4. A nova santidade

Lutero marcou uma profunda e incrível mudança no conceito de santidade (68). Na teologia e na prática católica da época de Lutero havia uma ética e uma santidade dupla. Uma era requerida do povo geral que devia obediência aos dez mandamentos, para o que todas as pessoas seriam capazes. Outra era a ética para os religiosos, que deviam seguir os conselhos evangélicos, contidos sobretudo no Sermão do Monte. Para tanto necessitavam de condições especiais, como a reclusão e os votos monásticos. As exigências eram maiores, mas as condições mais apropriadas para seu cumprimento. A santidade era superior.
Lutero experimentou na própria carne o fracasso desse ideal de santidade. Descobriu que o mundo, do qual se pretendia fugir, estava instalado dentro de cada qual e que a concupiscência consistia no amor escravo a si mesmo. Todas as obras efetuadas para dela se livrar eram precisamente expressão de sua tutela. Caracterizou o ser humano então — outra de suas expressões geniais — como um ser incurvado sobre si mesmo.

A libertação obtida com a descoberta da justificação pela fé permitiu uma radical inversão dos valores, já assinalada acima na parte 2.2. As boas obras (veneração de relíquias, peregrinações, compra de indulgências, jejum, orações, ascese etc.), tudo foi caracterizado como obra do diabo, enquanto prática meritória, em última análise voltada para o auto-interesse (69). Em contrapartida, aquelas obras consideradas neutras ou até males necessários, como as destinadas à subsistência e organização social das pessoas, essas passaram a ser as boas e desejadas por Deus, o verdadeiro lugar de santidade.

É sabido que Lutero cunhou para a língua alemã a palavra Beruf, correspondente à profissão. Em Beruf encontra-se a raiz rufen, chamar. Quer dizer: a profissão é vocação. Em sua fundamentação, fica claro: não mais o exercício profissional e o sustento passaram a ser o principal, mas a dimensão do servir através da profissão como vocação. Desde a dona de casa até o político — todos foram recuperados para a santidade. Desde a instituição da prostituição até a prática da usura — todos foram condenados como abuso da pessoa humana e do próximo, e, portanto, de Deus.

É difícil a gente hoje se imaginar o quanto de revolucionário houve nessa posição, na época de Lutero. Foi uma inversão completa de valores, da santidade, da ética. Despediu vazios os cheios de santidade, e encheu de bens os famintos de ética. Apesar disso, relembrar esse feito é hoje insuficiente. Essa revolução está inarredavelmente deturpada e necessita que seja vivenciada em termos novos — revolucionariamente outra vez. Pois na consciência do evangélico luterano não sobrou, ao que parece, muito mais do que a noção de que se deve ser eficiente em sua profissão, e, se subalterno, obediente. Quer dizer: houve um ajuste aos padrões econômicos e políticos imperantes em nosso meio (70). O resultado mais significativo e assustador é precisamente este: o primeiro, a eficiência, nega na prática a justificação pela fé, que agora passa a ser justificação pela eficiência profissional — quem progrediu é porque trabalhou-; o segundo, a obediência, nega a liberdade e a cruz como perspectivas, e condenam o fraco à subserviência, ao conformismo e à escravidão.

Por isso, para compreender a nova santidade de Lutero hoje precisamos inseri-la no contexto da identificação pela cruz, e entender a justificação pela fé como libertação para assumi-la. isso significa: passar o lugar de vocação e santidade da profissão secular para um âmbito mais abrangente, onde hoje se faz história ou seja, para o contexto dos movimentos e organizações populares Aí é o lugar onde se decide hoje se vivemos em liberdade e na cruz de Cristo, e, portanto, se renunciamos a valer diante de Deus pelo que temos e obtivemos, estando dispostos a viver somente pela graça (71).

Notas

(*) Palestra proferida originalmente no ciclo de palestras sobre Lutero, na Faculdade de Teologia, e posteriormente num encontro teológico entre os corpos docentes da Faculdade de Teologia da IECLB e do Seminário Concórdia da IELB.

(1) Sem dúvida, uma das mais significativas contribuições de Lutero foi ter refletido teologicamente essa realidade, mesmo do crente — melhor: especialmente do crente — . cunhando inclusive fórmulas geniais de precisão teológica e de fé, como seu simul ustus et peccator. Contudo, não é ocasião de desenvolver esse aspecto.

(2) Franz Lau, Lutero (São Leopoldo 1974), pág. 9.

(3) Erik H. Erikson, Young Man Luther. A Study in Psychoanalysis and History. (Nova Iorque, 1958).

(4) Dieter Forte, Martin Luther & Thomas Münzer oder Die Einführung der Buchhaltung (Berlim 1971)

(5) Cf. Harding Meyer, Lutero na opinião da Igreja Católica Apostólica Romana, em: Estudos Teológicos (Ano 1, 1961, caderno especial), pág. 3-28; Paul Schempp, Der Mensch Luther als theologisches Problem, em: Gesammelte Aufsätze (Munique 1960), pág. 258.295, esp. 265-277; Hans Joachim lwand, Luthers Theologie, em: Nachgelassene Werke, Vol. V (Munique 1974), pág. 52-60; Envin Iserloh/Harding Meyer, Lutero e luteranismo hoje (Petrópolis 1969), pág. 7-19, 85-102. Fazem 89 anos desde a publicação da última biografia católica de Lutero. Agora o teólogo católico Horts Herrmann, professor de Direito Canônico, anuncia uma nova e ampla biografia, de espírito aberto a Lutero. A teologia do Reformador será classificada de teologia do provisório, e o próprio Lutero de teólogo da paixão (Cf. Lutherische Weltinformation 9/80, pág. 13)

(6) Gottfried Fritzer, O que Lutero realmente disse (Rio de Janeiro 1971).

(7) Otto Herrmann Pesch, teólogo católico, fala de sua presença anônima, qual Junker Jörg, na teologia atual — também e sobretudo na teologia católica (Estado Atual do Entendimento, em: Lutero Ontem e Hoje, Concilium 118 (1976/8), pág. 125 (resp. 969).

(8) Cf. o número da revista Concilium aludido na nota anterior.

(9) Criticas como as de Juan Luis Segundo. Libertação da Teologia (São Paulo 1978), pág. 153-166, constituem hoje uma exceção.

(10) Otto Hermann Pesch, op. cit., pág. /22ss (11) Aliás, muitos luteranos também não sabem o que fazer com essa doutrina tão fundamental em Lutero. Cf. Kurt Dietrich Schmidt, Lutherische und katholische Rechtfertigungslehre. em: Gesammelte Aufsätze (Göttingen 1967), pág. 96-110 e os estudos de Hans Joachim Iwand. Die grundlegenge Bedeutung der Lehre vom unfreien Willen für den Glauben e Studien zum Problem des unfreien Willens. em: Um den rechten Glauben. Gesammelte Aufsätze (Munique 1965). resp. pág. 13-30 e 31-61.

(12) Quanto à doutrina dos dois reinos, a rigor assim impropriamente designada, vale ressaltar que para uns ela é parte integrante do mais essencial e irrenunciável da teologia de Lutero. enquanto que para outros ela é responsável para boa parte dos males do luteranismo e dos movimentos políticos em terras luteranas. Estudos realizados nos últimos anos, no âmbito da Federação Luterana Mundial, contribuíram em muito para elucidar o verdadeiro valor da distinção de Lutero (colocada no contexto da luta de Cristo contra Satanás em favor do reino de Deus), paralela aos efeitos danosos de sua deturpação no luteranismo, quando entendida como uma dicotomia entre a esfera temporal e a espiritual.

(13) Erwin Mühlhaupt Was ist an Luther überholt und was nicht? Em: Luther (Ano 41, 1970), pág. 112.

(14) Ibidem. pág. 113.

(15) Ibidem, pág. 114.

(16) Cf. meu artigo intitulado Sacramentos. Túmulo ou berço da comunidade cristã?, em: Estudos Teológicos (Ano 20. 1980 caderno 3), pág. 127-142. esp. 138ss.

(17) Nesta parte baseio-me basicamente em Karl Gerhard Steck, Die Autorität Luthers, em: Ecclesia semper reformanda. Homenagem a Ernst Wolf pelo 50º. aniversário (Munique 1952), pág. 104-120.

(18) Ibidem. pág. 116, citando Kattenbusch.

(19) Ibidem, idem.

(20) lbidem, idem.

(21) Ibidem, pag. 11.

(22) Paul Tillich fala, por isso, da transmoralização da consciência: La Era Protestante, (Buenos Aires 1965) pág. 211-227.

(23) Karl Gerhard Steck, op. cit., pág. 117s.

(24) Gustavo Gutiérrez. Teologia da Libertação (Petrópolis 1975), pg. 220ss.

(25) Livro de Concórdia. As Confissões da Igreja Evangélica Luterana (São Leopoldo Porto Alegre 1980), pág. 542.

(26) Karl Gerhard Steck, op. cit., pág. 113.

(27) Ibidem. idem. citando Lutero, WA 18,626.

(28) Ibidem, pág. 114.

(29) Possivelmente se explicam a partir dessa falta de postura científica algumas de suas falhas em decisões na ordem política e social.

(30) Ibidem. pág. 114, citando Lutero. WA 31,1. 173.

(31) ibidem, Idem, citando Lutero. WA TR 111,Nç 332313.

(32) Ibidem. pág. 118.

(33) Ibidem, pág. 119. citando Lutero, EA 14.151

(34) WA 8.685

(35) Ibidem. idem.

(36) Karl Gerhard Steck, op. cit., pág. 120, citando Lutero. WA 33,417s.

(37) Também aqui não tenho condições de entrar nos detalhes históricos e políticos da passagem cio curso do Evangelho, tão importante para Lutero, para a estratificação do movimento em igrejas territoriais sob o princípio do “cuios regio eius religio. Sabemos que Lutero conferiu aos príncipes autoridade eclesiástica como medida emergencial, que veio a se tornar definitiva.

(38) Ibidem, pág. 119.

(39) Ibidem, pág. 115.

(42) (43)

(40) Cf., por exemplo. WA 7,721.

(41) Ao optarmos com Steck, pelo termo evangélico como aquele que melhor caracteriza a obra e 'intenção de Lutero, gostaria de acrescentar brevemente duas observações. Em primeiro lugar, creio ter sido Hans Küng que, em entrevista certa vez concedida, assinalou que os termos evangélico' e católico, designações correntes para denominações eclesiásticas, são 'em verdade complementares do ponto de vista de uma correta designação para a Igreja. Na prática, poderiam também servir de mútuo corretivo para as denominações eclesiásticas: aquilo que é evangélico, Por provir do Evangelho de Jesus Cristo. é também necessariamente católico, no sentido de alcance universal, não podendo se particularizar; inversamente, aquilo que se entende como católico, isto é, universal, só o é legitimamente se for evangélico, ou seja. proveniente e em concordância com o Evangelho. A segunda observação é de ordem prática. Apenas no Sul do Brasil a designação evangélico é mais ou menos corrente para igrejas Reforma, em particular luterana. No restante do país, o termo se tornou designativo para igrejas pentecostais. Destarte, a designação luterano muitas vezes se imp. e como necessária para evitar equívocos de compreensão.- Contudo, é irrenunciável que 'o auto, entendimento dos luteranos seja evangélico. Martin Schmidt, Luther als Autorität, em: Luther (Ano 45. 1974), pág. 33.. Cf. neste volume a contribuição de Gottfried Brakemeier, Interpretação evangélica da Bíblia a partir de Lutero.

(44) Erwin Mühlhaupt, op, cit.. pág. 114ss.

(45) Walther von Loewenich. Das Thema Luther — der Mann und sein Werk. em: Luther (Ano 44. 1973). p 99- 105.

(46) Harding Meyer em: Erwin Iserloh/Harding Meyer. Lutero e Luteranismo hoje. pág. 45ss. 57ss 69s.

(47) Cf. Rechtfertigung heute, Studien und Berichte. Editado pela Comisssão e pelo Departamento Teológico da Federação Luterana Mundial (Stuttgart, Berlim 1965).

(48) O resultado desse processo de encontro e consenso ecumênico encontra-se resumido no conhecido relatório de Malta, intitulado O Evangelho e a Igreja, editado e publicado no Brasil pela Comissão Mista Nacional Católico-Luterana. Cf. tb. Walter Altmann/Bertholdo Weber (ed.). Desafio às Igrejas (São Paulo São Leopoldo 1976), em especial a partir da pág. 95.

(49) WA 54. 185.

(50) Ibidem, idem.

(51) Cf, Paul Tillich, Coragem de Ser (Rio de Janeiro 1967), esp. pág. 29ss e 114ss.

(52) Martim Lutero. Da Liberdade Cristã (São Leopoldo, 34 ed., 1979). O leitor não deve se deixar confundir pela distinção que Lutero faz entre corpo e alma. Seu interesse não é antropológico. biológico (partes do ser humano), mas antropológico-relacional (as relações do ser humano). Na primeira parte Lutero se refere à relação do ser humano para com Deus, e na segunda do crente para com o próximo.

(53) Ibidem, pág. 9.

(54) Cf. Hans Joachim Iwand. A Justiça da Fé. Exposição conforme a doutrina de Lutero (São Leopoldo 1977), pág. 52.

(55) WA 15,424,20-22.

(56) Hans Joachim Iwand. A Justiça da Fé, pág. 41.

(57) Martim Lutero, Da Liberdade Cristã, pág. 9.

(58) Na citação assinalada na nota 55, Lutero mencionou as obras como consequência.

(59) Não só deve produzir bons frutos', como formula Felipe Melanchthon em CA VI (Livro de Concórdia, pág. 31 e 65).

(60) WA 6, 204es.

(61) WA 10 1,-2, 40.

(62) Ibidem, idem. Não entro em detalhes aqui, pois esta questão será retomada no ponto 4.

(63) WA10/1/1, 68,6s.

(64) a. Hans Joachim Iwand, A Justiça da Fé, pág. 70.

(65) Ibidem, pág. 66.

(66) Conforme palavra a mim oralmente transmitida.

(67) WA 4,173,21s

(68) Lembro aqui um dos artigos clássicos da Renascença de Lutero: Karl Holl, Der Neubau der Sittlichkeit, em: Gesammelte Aufsätze zur Kirchengeschichte, Vol 1: Luther (Tübinger, 4ª. e 5ª. ed.. 1927), pág. 155-27.

(69) É preciso reconhecer, porém, que, apesar da polêmica. Lutero não descartou, mas requereu oração, jejum e .disciplina do corpo quando expressão do amor ao próximo.

(70) Esse fato fica evidente, por exemplo, em pesquisa efetuada na Comunidade Evangélica de São Leopoldo. Cf. Gerd Uwe Kliewer, Uma comunidade evangélica frente aos problemas sociais e à atuação sócio-política da Igreja, em: Estudos Teológicos (Ano 17. 1977, caderno 3), pág. 5-23.

(71) Uma observação quanto à efetivação dessa opção dentro da IECLB: Para sua efetividade vejo de momento menos chances na cidade do que nas regiões rurais. Aqui a IECLB não só tem povo, mas parcialmente ainda é povo, embora se deva fazer a ressalvada que por uma série de fatores, dados sobretudo com o modelo de desenvolvimento econômico adotado no Brasil, a estrutura social e cultural urbana está se transplantando para as regiões rurais com bastante rapidez. Mas quanto à cidade quase em toda parte está solidificando o transplante da estrutura paroquial rural, tendo-se optado pela localização da igreja no centro das cidades, deixando à margem o povo. Os bairros populares são tutelados a partir do centro ou abandonados às seitas. Nas áreas rurais, submetidas agora a violentas mudanças, este é o momento adequado para um reordenamento da opção pastoral. Isso feito, as interdependências e o êxodo rural abrirão também oportunidades maiores para uma pastoral popular urbana na IECLB. É claro que esta já é perfeitamente possível na atividade missionária nas grandes cidades. Para tanto bastariam uma vontade e uma decisão de ordem eclesiástica; pessoal disposto a assumir essa missão há.

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Âmbito: IECLB
Título da publicação: Reflexões em torno de Lutero / Ano: 1981 / Volume: 1
Natureza do Texto: Artigo
ID: 24393
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