Marcos 16.1-8

Auxílio Homilético

08/04/2012

Prédica: Marcos 16.1-8
Leituras: Isaías 25.6-9 e 1 Coríntios 15.1-11
Autor: Hans Alfred Trein
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 08/04/2012
Proclamar Libertação - Volume: XXXVI


Só a ressurreição inesperada entusiasma

1. Introdução

Páscoa é ressurreição. A sua repetição litúrgica carrega ambiguidades. De um lado, garante a memória cíclica da vitória da vida sobre a morte; de outro lado, banaliza seu caráter extraordinário, além de induzir à falsa ideia de que já nos apossamos desse milagre de Deus ou de que temos direito a ele. É bem verdade que fomos batizados na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Entretanto, o que salva é a fé. Também ela não nos dá direitos. Apenas por intermédio dela Deus nos concede suas graças humanamente indisponíveis.

Ressurreição é graça pura e precisa ser celebrada como grande festa. Em sua visão escatológica e com seus símbolos culturais, Isaías imagina-a como um banquete, farto de carnes suculentas e vinhos finos, destinado a todos os povos do mundo. “Deus mesmo arrancará o véu que cobre todos os povos, a cortina que esconde todas as nações; ele destruirá para sempre a morte.” Com esse ato enxugará as lágrimas de todas as faces e eliminará da terra inteira a vergonha de seu povo, continuamente ridicularizado pela salvação anunciada, que agora finalmente se realiza.

No texto de 1 Coríntios, o apóstolo Paulo lembra-nos a cadeia de testemunhas que veiculou a boa notícia da salvação. Será que esqueceu das mulheres por causa dessa tradição de Marcos? Entre eles, menciona a si próprio como um nascido fora do tempo, não merecedor de ser chamado apóstolo, mas trabalhado pela graça de Deus e enviado a pregar a boa-nova a todos os que creram.

Cabe-nos deparar com o extraordinário e inusitado da ressurreição, superar o medo de testemunhar a respeito e pedir pela fé e pelo entusiasmo que encontra o Cristo ressurreto no cotidiano.

2. Exegese

O colega Martin N. Dreher traz considerações textuais valiosas em seu auxílio homilético (PL 28, p. 159s). Dentre as tensões constatadas no texto quero ressaltar apenas a forma verbal passiva “foi ressuscitado” no v. 6, que todas as traduções consultadas e a quase totalidade dos hinos lamentavelmente traduzem por “ressuscitou”, como se sair da morte para a vida tivesse sido uma ação do próprio Jesus morto.

A sepultura como local de peregrinação seria um problema para o poder, pois poderia despertar resistências. Por isso os americanos jogaram o corpo de Bin Laden no mar. Por isso até hoje ninguém sabe ao certo onde estão enterrados Che Guevara e Sepé Tiarajú. Por outro lado, os mesmos poderes que pretenderam dar um basta às atividades evangélicas de Jesus prenunciaram a sepultura vazia, inferindo a hipótese de roubo do corpo. Anteciparam-se para sufocar qualquer germe de reação. A sepultura vazia não prova nada, mas funciona como a eliminação de uma suposição. Aqui onde o puseram ele não está! Aqui não adianta procurar! Mas, então, onde ele está?

Sobre o que aconteceu por Jesus não estar mais ali o mensageiro de branco é minimalista: ele apenas informa que ele foi ressuscitado. Nada mais! Nenhum detalhe, nenhuma evidência ou qualquer outro elemento que pudesse auxiliar na probabilidade dessa informação, além da ausência. É crer ou não crer! Desde o iluminismo, sobretudo os intelectuais, temos sérios problemas com isso. Parece que a outra informação sobre onde ele pode ser encontrado é mais importante: ele já foi na frente para a região onde havia começado sua atividade: a Galileia. Essa informação não é apenas para as mulheres, mas também deve ser repassada aos discípulos. No cotidiano da Galileia, entre pescadores, agricultores e aldeões se poderá encontrá-lo, não no túmulo nem em algum palácio ou templo. O maior poder revelado – o ressuscitado – vai adiante para o cotidiano da vida simples do interior. Lá se poderá encontrá-lo. Lá seguirá o projeto de vida de Deus. Jesus ressuscitado não é apenas um corpo redivivo, mas uma presença contínua entre aqueles que continuam o seu caminho.

Jesus foi crucificado e morto na cidade e, ressuscitado, retorna à aldeia. Aqui se contrapõem duas propostas de vida: a cidade que representa o poder de Estado e a aldeia que representa a vida pré-estatal. Na melhor tradição da terceira geração profética, Jesus sabe-se comprometido com a organização social e política pré-estatal, com a “aldeania” e não com a “cidadania”. Nem ele tampouco o cristianismo primitivo tiveram qualquer concessão a fazer à organização social e política estatal. Pelo contrário, foram por ela perseguidos e assassinados, até que Constantino, num lance de extrema esperteza política, cooptou as lideranças cristãs para dentro da sociedade de Estado, o que até os dias de hoje cria insolúveis dilemas ao evangelho.

A ressurreição aporta o inesperado, o extraordinário. Assusta e assombra. As mulheres que vão ao túmulo logo cedo, mesmo sem saber direito como chegar, querem fazer algum bem ao corpo morto e dar vazão a seu luto. Deparam-se com uma sucessão de visões arrepiantes: a pedra está revolvida, em lugar do corpo morto um jovem em vestes brancas, dizendo coisas assombrosas. Põem-se a correr fora de si e, tremendo de medo, nada dizem a ninguém.

O texto constitui o final primitivo do Evangelho de Marcos. Repentinamente, no v. 8, o Evangelho de Marcos é interrompido. Esperava-se o anunciado encontro de Jesus com seus discípulos na Galileia... Mas não! O que segue é uma breve resenha das principais aparições do Jesus ressuscitado e a repetida constatação de que ninguém quer acreditar nos testemunhos. Nem o testemunho de Maria Madalena tampouco o dos discípulos de Emaús recebem crédito. Só mesmo a aparição direta do Jesus ressuscitado aos onze, sua comissão e capacitação encoraja-os a crer e levar a boa-nova adiante.

3. Meditação

A ressurreição teve um princípio muito frágil e débil, que precisou passar pela prova de séculos de fé para estabelecer-se como admissível. Com o atual instrumentário científico fortemente marcado pelo cartesianismo, não se consegue uma aproximação mais verificável da ressurreição. O mensageiro de branco não dialoga, não detalha evidências, apenas transmite a mensagem da ressurreição. O desafio posto continua sendo crer e depois ver na Galileia, no cotidiano.

Entretanto, parece que o tremendo da ressurreição está de alguma forma domesticado. A ressurreição passou por diversas fases da história do pensamento, recebeu as respectivas interpretações. Será que ficou incólume? Do iluminismo ao modernismo quase foi extinta na esteira de Deus sendo declarado morto. De qualquer forma, ela está empurrada para o fim dos tempos, e até mesmo os que defendem a reencarnação estimam-na como último evento antes da identificação completa com Deus. O seu caráter extraordinário, que irrompe inesperadamente, que dá uma virada na história pretensamente sob controle dos poderes, o seu caráter tremendo... onde está? A ressurreição parece ser uma ideia como a ideia do grande julgamento final. Não estaria aí uma razão para a dificuldade de celebrá-la como uma tremenda novidade?

Enquanto escrevo, quatro lideranças ambientalistas foram assassinadas no Pará e na divisa de Rondônia com Acre. A aprovação do novo Código Florestal pela Câmara Federal contra todas as opiniões de cientistas e pesquisadores, que nem mesmo foram consultados para as reformulações, indicam para a vitória da morte. A construção autoritária de Belo Monte e o desrespeito ao regramento elementar de estudos de impacto ambiental fazem antever tragédias em futuro próximo. A Grécia está falida, Espanha, Portugal e Irlanda estão na fila da inadimplência. Estamos chegando nos limites de postergação da crise de 2008? O sonho de um mundo equilibrado e regenerável acabou? Passamos do ponto de não retorno da catástrofe climática? A esperança está sepultada, só nos resta embalsamá-la? Ressurreição aqui também seria esperar por uma intervenção milagrosa de Deus para reverter o que por critérios racionais parece perdido?

Enquanto escrevo, em vários países árabes e europeus, a população, sobretudo jovem, está indo para as ruas, manifestando seu desacordo, buscando o novo. Um outro mundo possível está na barriga de nosso mundo atual, cheio de perversões. Como será o novo? Não sabemos! O que sabemos é o que experimentamos: um mundo ao revés que recompensa os seus arruinadores. Mas esse mundo ao contrário está prenhe de outro, de esperanças e de possibilidades. A ressurreição de Jesus Cristo anima-nos na fé e na esperança.

Nas manifestações populares galileanas, pode-se encontrar fé e entusiasmo; lamentavelmente, nas igrejas nem tanto. Eduardo Galeano chama o entusiasmo de vitamina E, enquanto lembra que a palavra é de origem grega e significa tener a los dioses adentro. O medo cede à fé e ao entusiasmo, desemboca na coragem de enfrentar os poderes constituídos, que querem manter a paz tumular. Mas não é lá que Cristo está. Ele está nas ruas, dentro das pessoas entusiasmadas. A ressurreição diz respeito a todos os povos e mais: diz respeito a toda a criação. Com sua vitória sobre a morte, a vida tornou-se eterna, mesmo que todas as criaturas viventes ainda não sejam.

4. Imagem para a prédica

Numa prisão política durante a ditadura militar, ao nascer do sol, todos levantaram. Ninguém havia pregado os olhos naquele imenso barracão. Os presos haviam estado de plantão até a madrugada depois de um dia de ameaças de fuzilamento e corriam rumores de extermínio. Um preso, recém chegado de Montevidéu, que ainda não havia perdido o controle do calendário, informou: Hoje é domingo de Páscoa. Os cristãos passaram uns para os outros a palavra de que deveriam celebrar. Estava proibido juntar-se, não se permitia nenhum tipo de reunião, seja para o que fosse, e na própria carne os presos haviam aprendido que a proibição não era nenhuma piada. Mas tinha que se fazê-lo. Os demais presos que não eram cristãos ajudaram. Alguns sentados nos beliches ficavam cuidando as soleiras das portas, e outros faziam um anel de gente que ia e vinha como quem não quer nada ao redor dos celebrantes. No centro, aconteceu a celebração. Miguel Brum sussurrou algumas palavras. Evocou a ressurreição de Jesus, que anunciava a redenção de todos os cativos. Jesus havia sido perseguido, encarcerado, atormentado e assassinado. Mas, num domingo como esse, havia feito crepitar os muros e os havia virado, para que toda a prisão tivesse liberdade e para que toda a solidão tivesse encontro. No barracão não havia nada. Nem pão, nem vinho, nem sequer copos. Foi a comunhão das mãos vazias. Miguel ofereceu aquele que havia se oferecido: “Comamos”, sussurrou, “comamos, isto é seu corpo”. E os cristãos levaram a mão à boca e comeram o pão invisível. “Bebamos, isto é o seu sangue” e alçaram copo nenhum e beberam o vinho invisível. E depois se abraçaram.

O Cristo ressurreto vai à frente de sua comunidade para as Galileias deste mundo, convidando-as para que venham também, continuem o seu projeto evangélico de justiça e paz. Ele estará conosco até a consumação dos séculos.

5. Subsídios litúrgicos

A Páscoa é, por certo, o momento mais apropriado para a celebração da Eucaristia. Além disso, toda a abordagem neste auxílio, o banquete referido por Isaías, empurra para a festa da gratidão e do reforço ao entusiasmo e à disposição para o serviço.

Hinos: HPD I 59, 60, 62 65.

Anúncio da graça:

“Vejam o nosso Deus! É nele que esperávamos para que nos salvasse: celebremos e festejemos a sua salvação!” (Is 25.9).

Oração de coleta:

Deus Todo-Amoroso! Que ressuscitaste a Jesus Cristo, vencendo a morte, afasta de nós todo o medo e a tristeza e dá-nos a certeza de que todos os que Te seguem nunca se acham sozinhos; pelo contrário, inserem-se numa nuvem de testemunhas. Enche-nos com o entusiasmo da ressurreição e com espírito de gratidão e festa, para que Te sirvamos com alegria nas Galileias deste mundo. Isso Te pedimos em nome de Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.

Encaminhamento da Eucaristia:

Cristo vai à nossa frente para as Galileias. Na Galileia que escolhermos como espaço para a missão de nossa comunidade, lá o Cristo ressurreto já estará. Para que nos reforcemos, animemos na fé e nos entusiasmemos pela causa do reino de Deus, celebremos agora a Eucaristia com pão visível e vinho visível. Desse modo, colocamos o Cristo para dentro de nós e nos certificamos ainda mais de sua presença e acompanhamento. Nessa Eucaristia está prefigurado o grande banquete de Deus para todos os povos.

Bibliografia

DREHER, Martin. Auxílio Homilético sobre Marcos 16.1-8. In: Proclamar Libertação 28, p. 159-164. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2002.
GALEANO, Eduardo. Entrevista durante as manifestações jovens na Espanha em maio de 2011. http://www.youtube.com/watch?v=mdY64TdriJk. Cf. também a imagem da prédica: http://www.youtube.com/watch?v=y7Rqa0lRyBs&feature=related.
RIENECKER, Fritz. Sprachlicher Schlüssel zum Griechischen Neuen Testament. 9. ed. Giessen-Basel: Brunnen-Verlag GmbH, 1956.
 


Autor(a): Hans Alfred Trein
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Marcos / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 8
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2011 / Volume: 36
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 25600
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